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Penso, logo frito: O professor que vende coxinha e tudo acaba em sabão
Economia

Penso, logo frito: O professor que vende coxinha e tudo acaba em sabão

Valdemir Mariano leciona filosofia e atua como Tio Demi na Praça Argentina, onde vende coxinhas de 180 g e presenteia seus clientes com sabões ecológicos de brinde. Lá, ele transforma suas paixões em filosofia de vida
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Valdemir Mariano, o Tio Demi, concilia a rotina de professor com o comando do seu food truck na Praça Argentina, no Bairro de Fátima (Foto: Samuel Setubal)
Foto: Samuel Setubal Valdemir Mariano, o Tio Demi, concilia a rotina de professor com o comando do seu food truck na Praça Argentina, no Bairro de Fátima

Professor de Filosofia formado pela Universidade Estadual do Ceará (Uece), Valdemir Mariano, 53, leciona História, Geografia e Sociologia e o que mais vier da área de Humanas. Costuma dizer aos seus alunos que sejam “como vampiros” — e suguem dele tudo o que puderem.

Já foi atleta de vôlei e, hoje, entre uma aula e outra, dedica as sextas e os sábados ao “truck”, como chama, carinhosamente, o espaço onde comanda fritura com gosto.

Na Praça Argentina Castelo Branco, no bairro de Fátima, é conhecido por todos como Tio Demi. O apelido virou marca e rotina. Ali, entre panelas e conversas, diz se sentir tão bem que o cansaço costuma passar.

Para ele, ser professor e ser vendedor não são coisas tão diferentes assim: “O início do comércio foi o escambo. Estou lá oferecendo um serviço, trocando por algo, mas acima disso, construindo relações”, resume.

A oratória, credita à mãe, cordelista autodidata, e às palavras da Madre Teixeirinha, diretora de colégio, que dizia que ele tinha "dom de político". Escolheu ser professor, mas hoje aplica esse mesmo talento no balcão do seu food truck.

A coxinha do Tio Demi tem 180g, é recheada e feita com receita guardada a sete chaves. E quem compra pode ainda sair com um sabão caseiro, feito a partir do óleo usado na fritura.

A ideia nasceu com o irmão, também professor, que coordena um projeto de reaproveitamento. Entre aulas, frituras e conversas com os clientes, Tio Demi segue conciliando as muitas frentes que escolheu — e que o escolhem também.

O POVO - Como surgiu a ideia de empreender e por que você escolheu justamente o bairro de Fátima para dar início ao negócio?

Valdemir Mariano - Dei aula durante 10 anos no Colégio Nossa Senhora das Graças, que fica no bairro de Fátima. Sempre ia para a pracinha; inclusive, quando eu era aluno da Uece, no Centro de Humanas, que fica ali perto da 13 de Maio, eu jogava vôlei, era atleta de voleibol, e ia jogar ali.

Então, conheci aquela pracinha e ela acabou me encantando. Como eu dava aula lá perto, frequentava o local.

Quando decidi empreender, surgiu uma oportunidade na Regional 4, na Praça Argentina. Deus me agraciou com um local que eu já gostava. E aí houve esse casamento.

OP — Por que você começou a vender coxinhas?

Tio Demi - Coxinha é um artigo nacional, brasileiro. Fiz uma pesquisa e vi que não tinha coxinha na praça. Eu já tinha conhecimento e gosto por coxinhas. Sempre pesquisei muito sobre empreender e percebi que as coxinhas tinham boa saída, custo-benefício bacana e um retorno bom.

Comecei a trabalhar dentro dessa linha de pensamento. Tanto que eu não vendo só coxinha: meu carro-chefe é a coxinha, mas também vendo pasteizinhos artesanais, porções, torresmo e pururuca. Fiz uma diversificação para agradar a mais públicos.

OP — Como é a sua rotina no “truck” alinhada com seu trabalho como professor?

Tio Demi - Eu ainda leciono. Dou aula no Colégio Santa Isabel, no Colégio Menino Jesus de Praga e no Cívico Militar Batalha do Riachuelo. Meu horário no truck é apenas às sextas e sábados. É uma rotina bem corrida, mas apaixonante.

Ser professor é parecido com ser vendedor: é uma troca. No meu caso, ofereço um serviço em troca de um valor, mas, acima disso, tenho essa relação próxima com as pessoas. Gosto de gente, sou muito comunicativo.

Acho que isso alinhou minhas paixões: dar aula, empreender, estar perto de pessoas, conhecer gente nova, fazer amizades. Muitas vezes o cansaço some, porque me sinto tão bem no meu truck, atendendo os clientes, que ele acaba ficando de lado.

OP — Você faz tudo sozinho ou tem alguma ajuda?

Tio Demi - Eu tenho uma pessoa que produz para mim, que faz as coxinhas do jeito que eu quero, é padrão meu. São coxinhas grandes de 180 g, bem recheadas, bem feitas, de primeira qualidade. Tenho esse fornecedor, e minha esposa fica no caixa enquanto eu fico na fritura. Eu frito e atendo ao mesmo tempo, junto com ela, mas ela fica mais no caixa.

A fritura de todo produto sou eu quem faz: torresmo, pasteizinhos e coxinhas. Tenho o apoio dela para cuidar do caixa e limpar mesas. A gente se diverte ali. É muito bom.

OP — Qual foi o maior desafio desde a inauguração?

Tio Demi - O maior desafio é conquistar clientes. Uma cliente me disse, depois de comer a coxinha: “Além de a coxinha ser gostosa, seu atendimento é melhor ainda”. Então, meu desafio é atender bem, ser gentil, educado, e não apenas vender, mas cativar.

Não é difícil, mas é um desafio que tenho comigo mesmo. Trabalho muito no boca a boca, não faço muita propaganda. Meu maior desafio é sempre agradar — e agradar cada vez mais.

OP — Quais são os sabores e qual mais vende?

Tio Demi - O que mais sai é a tradicional, de frango, e a de frango com catupiry. Mas também tem muita saída a de carne de sol, a carne de sol com queijo coalho, a bola de queijo, o bolão de queijo, o hot dog coreano (que está na moda) e a “granada”, que é uma coxinha de carne moída com pimentas biquinho inteiras. Quando você morde, ela estoura na boca e vem um ardorzinho suave.

Futuramente, vou colocar também camarão com cream cheese. A média é de R$ 9. A de frango, de 180 g, é R$ 8, a de frango com catupiry é R$ 9, a de carne de sol R$ 9,90 e a de carne de sol com queijo coalho R$ 10,99. Preço acessível.


OP — Você tem alguma receita especial?

Tio Demi - Meu fornecedor e eu conversamos e chegamos a uma receita de massa leve. Não é aquela coxinha que você come e fica empachado, arrotando o dia todo.

A minha é temperada, com um toque especial que dá cor mais amarelinha e sabor, mas sem pesar. Claro que tem um segredinho que não vou divulgar.

OP — Como surgiu a ideia de transformar o óleo em sabão?

Tio Demi - Como sou professor de Geografia, sempre tive essa visão ecológica. Meu irmão mais velho, também professor no município de Caucaia, já tinha um projeto de sustentabilidade e fazia isso.

Conversando, ele disse: 'Demi, vamos pegar o teu óleo da coxinha e fazer sabão'. Eu embalo, boto etiqueta e, quando o cliente compra qualquer coisa — coxinha, água —, ganha o sabão gratuitamente.

É para mostrar à comunidade que é possível reutilizar produtos. Todo o meu óleo é separado, guardado em vasilhames e entregue ao meu irmão, que transforma em sabão.

OP — Qual a reação das pessoas ao começarem a receber o sabão como brinde?

Tio Demi - Adoraram. Uma cliente me marcou no Instagram dizendo que ia testar, e depois elogiou. Uma senhora pediu sabões para o filho levar à feira de ciências e falar sobre reutilização.

Quando coloco, acaba rápido. Já veio cliente só por causa do sabão, comprou a coxinha mais barata e saiu satisfeito, elogiando a coxinha também. É marketing e traz retorno.

OP — Você pensa em expandir o negócio ou, por enquanto, está satisfeito do jeito que está?

Tio Demi - A gente quer empreender, isso é uma visão geral. No futuro próximo, sim, penso em expandir. Mas, neste momento, ainda estou engatinhando.

Sou pequeno dentro do contexto de vendas, estou começando. Quem sabe, mais à frente, não abro outro food truck ou uma loja fixa? Minha principal meta é ter minha própria fábrica, com produção totalmente minha.

Hoje, tenho um parceiro que fabrica para mim, mas quero montar minha própria cozinha para produzir tudo.

Assim, posso colocar em prática ideias novas, como a “coxinha bruta”, que já vem com a coxa inteira de frango envolta na massa e frita. Tenho outros produtos em mente e, com a minha fábrica, o céu é o limite, como dizem.

OP — E quanto ao investimento? Como está sendo o retorno?

Tio Demi - Quando surgiu a oportunidade, eu não tinha dinheiro para comprar o truck. Minha família é maravilhosa e muito unida.

Conversei com minha irmã e ela perguntou: 'Quanto é?'. Respondi: “R$ 10 mil”. Ela disse: 'Eu lhe empresto e você vai me pagando mês a mês, o que puder'. Graças a Deus, consegui essa chance e estou pagando.

A Coxinha do Tio Demi está se mantendo: não tenho ainda um grande lucro, mas consigo pagar as contas, comprar mercadorias, repor estoque e tirar algo para pagar minha irmã.

Já consigo quitar minhas dívidas direitinho. É claro que a ajuda dela foi fundamental. Hoje estou no mercado, inclusive com um concorrente forte ali na 13 de Maio, bem ao lado. Mas tenho meu diferencial e um marketing forte, graças a Deus.

OP — Que conselho dá a quem quer empreender com pouco recurso?

Tio Demi - Estude o mercado. Tenha base financeira ou capital de giro. Planeje, conheça produto, local e cliente. Capacite-se para saber se vai dar certo ou não.

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