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Compre do Ceará: 50% dos barcos de pesca param com tarifaço e mercado interno aliviaria
Economia

Compre do Ceará: 50% dos barcos de pesca param com tarifaço e mercado interno aliviaria

Desde o início da tarifa de 50% imposta pelos Estados Unidos para produtos exportados pelo Brasil, setor de pesca está preocupado com continuidade da atividade, já que toda produção exportada vai para o país. Demanda local pode ajudar, mas preço e beneficiamento são desafios
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PROCESSO de produção de peixe para exportação na Compex (Foto: FÁBIO LIMA)
Foto: FÁBIO LIMA PROCESSO de produção de peixe para exportação na Compex

A imposição de tarifas de 50% para os pescados cearenses que chegam ao mercado dos Estados Unidos já faz com que metade das embarcações pesqueiras não retornem ao mar.

O custo da viagem não compensa para os pescadores, afirma o 1º secretário do Sindicato das Indústrias de Frio e Pesca do Ceará (Sindifrios), Paulo Gonçalves.

Neste primeiro mês com a nova realidade tarifária, o impacto sobre uma cadeia produtiva que envolve mais de 120 mil trabalhadores tem sido sensível.

Do pescador ao armador e do transportador ao industrial, uma série de dúvidas paira sobre a viabilidade da operação.

Para Paulo, sócio da Compex Indústria e Comércio de Pesca e Exportação e membro de uma família com relação intergeracional com a pesca, o apoio do mercado local é fundamental para superar esse momento de crise.

"É importante que o cearense passe a comer mais peixe. É a proteína mais saudável que existe, tem Ômega 3, magnésio, baixíssimo colesterol. O pescado cearense sempre será a melhor opção", afirma.

Em conversa com O POVO para a campanha Compre do Ceará, em seu escritório, em Fortaleza, destacou que sua família está na pesca há cinco gerações.

A chegada dos imigrantes espanhóis ao Brasil se deu em circunstâncias inesperadas, já que o destino final era o Rio Grande do Sul, mas acabaram se estabelecendo no Ceará após seu barco precisar de reparos ao passar na costa cearense. De lá pra cá, a relação com o litoral alencarino permanece próxima.

Após o pai vender seu negócio para empresários pernambucanos, o que incluiu os barcos de pesca que a família mantinha, ele resolveu apostar num negócio próprio, em 1995.

Neste ano, a Compex completa 30 anos de mercado, empregando quase 200 funcionários diretos no beneficiamento de pescados.

Justo em ano representativo para a empresa, que também realiza investimento em porto próprio com certificação das autoridades de sanidade animal - "o primeiro do Ceará", destaca o empresário -, veio o impacto do tarifaço.

Somente nessa semana, Paulo recebeu quatro armadores (donos de barcos de pesca artesanal) parceiros que informaram que irão reduzir pela metade a quantidade de embarcações que irão ao alto-mar. A tendência é de que continuem pescando apenas barcos menores ou aqueles movidos à vela.

"O susto foi grande", conta o empresário sobre a primeira reação à imposição de Trump. O primeiro impacto foi a taxa de 10%, remediada com redução da margem de lucro e acordo com os parceiros comerciais.

Com a imposição de 50% ao Brasil, o negócio se torna inviável, já que os principais concorrentes, como o México e países caribenhos ficaram com taxas entre 15% e 20%.

Compras públicas e ações governamentais

Os representantes empresariais do setor de pescados mantém diálogo aberto com o Governo do Estado sobre a inclusão de peixes na merenda escolar e na alimentação de equipamentos públicos, como hospitais, além das refeições servidas no âmbito de programas como o Ceará sem Fome.

Assinada pelo governador do Ceará, Elmano de Freitas (PT), está criada lei que estabelece o plano de socorro contra os efeitos do tarifaço, o que inclui apoio financeiro, antecipação de pagamento de créditos e aumento de incentivos fiscais - além da compra de produtos das empresas exportadoras.

Do montante de peixes vermelhos exportados pelo Ceará, o equivalente a 90% era destinado aos EUA. Já em relação à produção de lagostas, a dependência era menor, com cerca de 20% indo para o mercado norte-americano, sendo a maioria destinada à Ásia e Oceania (Japão, Coreia do Sul, China, Austrália e Nova Zelândia sendo alguns dos principais destinos).

O plano de compras públicas dos produtos deve ser implementado nas próximas semanas. Isso já representaria um alívio importante para esse momento, avalia Paulo.

Estimativa do presidente da Federação das Indústrias do Estado do Ceará (Fiec), Ricardo Cavalcante, ao O POVO, no último dia 8, revela que a inclusão do peixe como proteína de 130 mil refeições no Ceará poderia gerar um consumo de 15 toneladas por dia.

Segundo o Sindifrios, a produção anual de peixes costeiros e garoupas no Ceará varia entre 500 toneladas e 600 toneladas por mês.

Levando em consideração a redução da pesca a partir do tarifaço mencionada por Paulo, ainda assim o Ceará estaria com capacidade de gerar mensalmente 250 toneladas de peixes vermelhos e garoupas por mês. Portanto, muito acima da demanda governamental.

O empresário pontua ainda que, caso esse peixe fosse destinado diretamente ao mercado local, o potencial de gerar um problema na cadeia produtiva seria grande, ao inundar os pontos de venda com estoque acima da demanda de consumo.

Desafios de mercado e adaptações às demandas do consumo nacional

Em meio aos desafios de conciliar tamanho de produção e a necessidade de encontrar mercado consumidor, o sócio da Compex destaca que a melhoria do cenário passa por dois fatores: a abertura de novos mercados internacionais, como o da União Europeia (que foi fechado em 2018) e um aumento da demanda nacional.

Nos dois casos, há desafios importantes, destaca Paulo Gonçalves. O primeiro depende de acordos comerciais entre países e adequações. No segundo, há entre os desafios o próprio modo de consumo do público brasileiro.

Paulo explica que, por exemplo, os produtos da Comex e outras exportadoras é moldado para atender a demanda internacional, oferece garantia de origem e tem portfólio que varia de peixes com 300g até 1,8 kg.

Já a demanda brasileira é muito ligada à cultura da compra de produtos in natura em feiras e com peso variando entre 1 kg e 1,5 kg. No caso dos supermercados, a demanda é por produtos já embalados e partidos em postas ou filé.

No caso do produto que sai do Brasil para os EUA, está relacionado a um produto tratado - sem escamas e vísceras - mas inteiro. Paulo diz que a adequação ao mercado nacional é um desafio para a indústria pelos custos envolvidos.

No entanto, ele destaca todo processo de rastreabilidade envolvida no produto, o que aumenta seu valor agregado.

"O nosso produto é produzido dentro de uma área controlada, segundo as diretrizes do Ministério da Agricultura. Nós atendemos a uma série de regras e fluxos por possuir o selo do serviço de inspeção federal (SIF), uma quantidade de informações geradas sobre tudo produzido."

Especial Compre do Ceará

O Grupo de Comunicação O POVO idealizou e lançou a campanha editorial Compre do Ceará, com matérias no portal de notícias, jornal impresso, além de vídeos em suas redes sociais, mostrando produtores que fazem parte da cadeia da exportação e que estão sendo afetados pelo tarifaço imposto pelo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, aos produtos brasileiros, em 50%. Novos conteúdos serão lançados nas diferentes plataformas nos próximos dias.

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