A forma como vem sendo utilizada a outorga onerosa de alteração de uso, que tem permitido a construção dos chamados superprédios, e a perspectiva de que isso permaneça inalterado no novo Plano Diretor de Fortaleza é a principal preocupação de especialistas em arquitetura, urbanismo e moradia popular ouvidos por O POVO.
A constatação se deu em evento organizado pelo Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Ceará (CAU/CE), intitulado “CAU/CE Debate: Revisão do Plano Diretor de Fortaleza”, realizado no Instituto de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal do Ceará.
A iniciativa reuniu instituições, representantes do poder público e membros da sociedade civil, com o objetivo de contribuir para a revisão do Plano Diretor, principal instrumento de planejamento e desenvolvimento da cidade.
Para o coordenador do Laboratório de Estudos da Habitação (Lehab) da Universidade Federal do Ceará (UFC), Renato Pequeno, o principal receio é o “de que os instrumentos que, até hoje, têm sido utilizados no Plano Diretor de Fortaleza, e que viabilizam a construção desses superprédios, permaneçam”.
“A questão da outorga onerosa de alteração de uso não muda uso nenhum, porque ela simplesmente garante o aumento da ocupação. Então, se confunde forma com função e se confunde ocupação com atividade. Esse é um grande receio”, aponta.
A outorga onerosa de alteração de uso é um instrumento de política urbana previsto no Estatuto da Cidade que permite a mudança do uso do solo de um imóvel em uma área específica, desde que o proprietário pague uma contrapartida ao município.
Essa contrapartida pode ser financeira ou não-financeira, como a realização de obras de infraestrutura ou a destinação de áreas para uso público. Mas na prática, em Fortaleza, tem sido usada como uma espécie de licença prévia para construir edifícios cada vez mais altos.
Já a conselheira estadual do Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Ceará (CAU/CE), Marília Noleto, afirma que seria um retrocesso continuar tendo alteração de uso da forma como está sendo feita.
“É algo que, no nosso consenso, da forma como foi regulamentado não está de acordo com o Estatuto da Cidade. Ela descumpre a intenção original do instrumento e uma série de áreas que antes não tinham outorga do direito de construir e agora passaram a ter”, argumenta.
“E aquelas que tinham índices básicos, que davam para construir de forma um pouco mais generosa, a prefeitura diminuiu para poder cobrar a outorga do direito de construir. Então, a gente não enxerga muito sentido nisso, já que a intenção desse pagamento de outorga não é arrecadatória, segundo a própria prefeitura. A intenção não é ser arrecadatória, mas tentar barrar um pouco a questão da especulação imobiliária e tudo mais”, aponta.
Apesar da preocupação, os especialistas apontam avanços no Plano Diretor, tais como a expansão dos conceitos ligados à sustentabilidade. “Se chegar a ler os conteúdos do Plano Diretor, a gente vai se deparar com uma série de aspectos que falam numa perspectiva de uma cidade mais sustentável, uma cidade que considera a questão das mudanças climáticas, uma cidade que pensa nos serviços sistêmicos”, afirma Renato Pequeno
“Há, portanto, toda uma pauta ambiental que causa surpresa enquanto conteúdo, porque esse processo do Plano Diretor é um processo iniciado em 2019”, lembra o pesquisador.
O Plano Diretor de Fortaleza teve sua minuta anunciada no último dia 9 e agora segue para a apreciação pela Conferência das Cidades, nos próximos dias 24 a 26 de outubro. Após isso, ele segue para apreciação da Câmara Municipal antes de virar lei.