Dizem que os santos e os políticos surgem pelo mesmo motivo: vêm do meio do povo, fazem o bem às pessoas, ajudam multidões e seu legado permanece na consciência de uma nação. A diferença crucial é obvia, mas sempre é necessário repetir, e aqui o faço invocando uma frase do pensador dinamarquês Søren Kierkegaard: "O tirano morre e seu reinado termina. O mártir morre e seu reinado começa".
Não é todo político um tirano, mas todo tirano foi um político um dia, e como bem pensou um dia Platão, em A República, esse é o grande perigo e tentação dos agentes políticos. Um santo jamais será tirano nem é propenso a tal, pois sua potencialidade são justamente as coisas infinitas.
Um santo mira o amor. É daí que ele nasce. Do amor das crianças, do amor com os idosos, do amor com os excluídos e marginalizados, do amor para com a natureza. Eles são aqueles provavelmente pensados por São João da Cruz quando disse: "No fim, seremos julgamos pelo amor".
Uma das maiores provas de amor chama-se amizade. Os santos são amigos de Deus e dos seres humanos. Fundamenta-se na Bíblia o conceito de santo. No Livro de Jó, quando os amigos do personagem principal caem em desgraça perante Yahweh (o Deus hebraico), Este diz que somente escutará a oração de Jó por eles, como uma intercessão:
Tomai, pois, sete bezerros e sete carneiros, e ide ao meu servo Jó, e oferecei holocaustos por vós, e o meu servo Jó orará por vós; porque deveras a ele aceitarei, para que eu não vos trate conforme a vossa loucura; porque vós não falastes de mim o que era reto como o meu servo Jó. (...) E o Senhor virou o cativeiro de Jó, quando orava pelos seus amigos; e o Senhor acrescentou, em dobro, a tudo quanto Jó antes possuía. (Jó 42,8.10)
Mas, de onde surge essa palavra? O termo santo tem, basicamente, sua origem no latim sanctus, que significa "aquilo que se tornou sagrado". O correspondente em grego escreve (lê-se hagios). Era um termo relacionado a uma divindade romana antiga, o Sancus, que tinha como fama não romper os juramentos das pessoas para com as outras divindades.
O Cristianismo, em seus inícios, pegou o termo para si, atribuindo aquelas consideradas as testemunhas celestes de Deus. Quando Paulo, na carta aos Romanos, diz: "(...) amados de Deus, chamados santos" (Romanos 1,7), já está apropriando o termo outrora utilizado na liturgia pagã, e convidando as pessoas a buscarem essa integridade e amizade para com Deus.
Por isso que a Igreja Católica jamais cria santos. É confuso e curioso isso de ser entendido, mas a Igreja reconhece os santos, já que nascem daquele amor cotidiano para com Deus, seus filhos e filhas, e o resto de sua linda Criação. A Congregação dos Santos, órgão do Vaticano revestido de normal burocracia, ratifica processos que outrora começaram todos do mesmo jeito: a vida de alguém que viveu o amor e a amizade transmitindo Deus às pessoas.
Às vezes a vida de um candidato a santo foi interrompida de forma brusca (martírio), outros de forma natural. E aqui reside mais uma diferença entre os políticos e os santos: enquanto os primeiros são candidatos por si, os últimos são candidatados pelo amor de seu povo!
(*) Nahor Lopes de Souza Junior, 34 anos, é graduado em Filosofia, e atua como professor desta área nas cidades de Itajaí, Balneário Camboriú e Itapema, todas em Santa Catarina. Antes de ser professor, foi seminarista católico por oito anos. Membro da Academia Brasileira de Hagiologia, é escritor, com dois livros publicados e participação em quatro coletâneas de contos e poesias. Foi premiado com a Medalha "Eternos Combatentes" pela Associação Nacional dos Veteranos da Força Expedicionária Brasileira pelos seus estudos sobre os pracinhas brasileiros na Segunda Guerra Mundial.