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O corpo que habito
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O corpo que habito

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Fortaleza, Ceará, Brasil 04.02.20 - Mulheres debatem o envelhecimento. Na foto: Claudia Pires - Foto: (Fco Fontenele/OPOVO) (Foto: FCO FONTENELE)
Foto: FCO FONTENELE Fortaleza, Ceará, Brasil 04.02.20 - Mulheres debatem o envelhecimento. Na foto: Claudia Pires - Foto: (Fco Fontenele/OPOVO)

Vestido branco, longo e fluido. Pés descalços, cabelos soltos. Confortável na própria pele e no espaço onde faz morada, Cláudia Pires, coordenadora dos Laboratórios de Criação do Porto Iracema das Artes, percorre os cômodos em movimentos ensaiados para contar a própria história.

Para comemorar os 50 anos, a bailarina abriu as portas de casa e acolheu as visitas que chegaram para prestigiar o espetáculo Com o tempo a teus pés.

"Acho que, no meu fazer de dança, nós temos muitas conquistas no que diz respeito às maneiras de expressão. Nós, mulheres, especialmente, não precisamos mais ser, obrigatoriamente, as princesas dos balés de repertório. Nós podemos, além de ser isso, seguir dançando, nos expressando, como mulheres comuns, de corpos diferentes, de histórias diferentes."

O Brasil é o segundo colocado no ranking mundial em número de cirurgias plásticas, com mais de 2,2 milhões procedimentos realizados em 2018. A classificação é do mais recente estudo da Sociedade Internacional de Cirurgia Plástica Estética (Isaps, na sigla em inglês), que foi divulgado em dezembro de 2019 e mostrou novamente o País atrás apenas dos Estados Unidos.

Nesse cenário, o corpo jovem, magro e sensual é um verdadeiro "capital" na cultura brasileira. O conceito é da antropóloga Mirian Goldenberg. "As mulheres têm mais medo de perder isso, mas, ao mesmo tempo, como elas se cuidam muito mais, vão muito mais ao médico, se preocupam muito com a aparência, elas envelhecem melhor. Inclusive não só na saúde, mas na própria aparência, porque elas cuidam mais da pele, cuidam mais do dente, cuidam mais do cabelo, cuidam mais do corpo", afirma.

Ao longo do tempo, são diversas as mudanças pelas quais o corpo passa. Os fios tornam-se brancos, as rugas surgem, os níveis de hormônio são alterados. Cada mulher lida com essas mudanças à própria maneira.

Como nas demais etapas da vida da mulher, esse processo é repleto de cobranças. "Existe uma série de marcadores que vão desde o corpo a maquiagem, adorno e roupa que fazem com que essa mulher seja muito mais presa (do que o homem)", afirma a vice-coordenadora do Núcleo de Estudos e Pesquisas Sobre Gênero, Idade e Família da Universidade Federal do Ceará (UFC) da Universidade Federal do Ceará (UFC), Kelly Menezes.

A professora defende o poder de escolha sobre o que fazer com o próprio corpo, mas propõe a reflexão sobre os reais motivos para as decisões. "O que é o envelhecer bem? É o que mais se aproxima do corpo jovem e considerado belo. Esse sujeito idoso pode fazer o que quiser e puder com o corpo, mas é preciso provocar uma reflexão sistemática sobre estar fazendo isso porque quer ou porque existe uma imposição midiática e da indústria."

Da mesma forma que as cobranças continuam em relação à aparência, há também aquelas sobre a sexualidade que são mais rigorosas para as mulheres. "É legitimado socialmente o homem viúvo relacionar-se de novo, mas existe um apelo de que a mulher fique até a morte sozinha", exemplifica Kelly Menezes.

Mas a realidade pode ser diferente. A ruptura entre a vida sexual das mulheres na juventude e na velhice, segundo Mirian Goldenberg, não é "tão grande quanto se imagina".

"As mulheres que gostavam muito de fazer sexo vão continuar fazendo, vão descobrir produtos e formas de continuar fazendo. Aquelas que nunca gostaram — e são muitas na minha pesquisa, principalmente as mais velhas, que não tiveram grandes experiências sexuais —, vão (pensar): 'Poxa, agora vou me aposentar de algo que nunca foi bom para mim'", explica a antropóloga.

 

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