Pelo estilo de reter a bola e tentar destilar habilidade em campo, Neymar é caçado por marcadores. Só no jogo contra a Suíça, estreia da seleção brasileira na Rússia-2018, o brasileiro recebeu dez faltas, recorde nesta edição do torneio. Mas se por vezes o craque do Brasil valoriza muito cada falta sofrida, houve um momento, em Copa, em que a dor era real.
Fortaleza, 4 de julho de 2014. No Castelão, o Brasil batia a Colômbia por 2 a 1 e chegava à semifinal para pegar a Alemanha. Aos 41 minutos do segundo tempo, o lateral Zúñiga acerta uma joelhada no camisa 10 brasileiro. Neymar se contorceu, como sempre, mas até então ninguém sabia a gravidade da lesão.
“Eu estava assistindo ao jogo pela TV com o meu pai, e sinceramente eu nem vi grande trauma na hora... Minutos depois, recebi a ligação profissional mais importante da minha carreira, que mudou a história daquela Copa: tinha de ir ao hospital para um exame de urgência”, relembra Cláudio Régis Sampaio Silveira, radiologista e diretor do São Carlos, hospital Fifa para a cidade-sede de Fortaleza.
Passava das 19 horas e multidão se formava na frente da unidade hospitalar. Entradas isoladas pela Polícia, ruas parcialmente bloqueadas. “Correu muita gente para cá (hospital), e tínhamos uma sensação de extrema responsabilidade com o que estava acontecendo. A notícia era aguardada com muita apreensão”, relembra o médico.
Segundo Cláudio Régis, chegaram os médicos Marcos Girão e José Luiz Runco, Neymar, imobilizado, e equipe de transporte. “Era visível que o atleta estava com bastante dor”. Segundo Cláudio, foi realizada tomografia computadorizada, que constatou a lesão, e uma ressonância magnética, para descartar outros danos físicos. “Fácil de diagnosticar, a fratura na terceira vértebra lombar é uma lesão que pode acontecer com qualquer um”.
Feito todo o procedimento, chegara a hora de contar ao atleta o resultado do exame. “Eu e o Runco tivemos essa responsabilidade de informar ao Neymar. Primeiro eu disse: ‘Você tem uma fratura, um processo transverso’, tentei explicar da melhor forma possível. Aí o médico da seleção falou o que ele não gostaria de ter escutado.
‘Você, provavelmente, não jogará mais essa Copa do Mundo’. E complementei: ‘Mas você ficará bem, vai dar tudo certo’”. De nada adiantou dar aquela força. “Inconsolável, ele chorou copiosamente por pelo menos dez minutos. Nunca vi ninguém assim, ele sentiu muito o baque. Para mim foi um choro bem verdadeiro e pesado”.
Mesmo diante da emoção, o atendimento teve de finalizado rapidamente. “Trouxeram colete para imobilizar a área atingida, feito pela comissão técnica. Após a notícia se espalhar, me impressionou a comoção, muita gente fora do hospital chorando... Houve interesse da mídia, recebi muitas ligações, e existia à época contrato de confidencialidade com a Fifa, e respeitamos esse contrato. Até então não havia passado nenhum tipo de informação. Agora vocês estão sabendo de tudo”, finaliza o médico.
DERRUBANDO MITOS
MACA-BACIA PREJUDICOU
Dizia-se que a remoção do campo, com uma maca que mais parece uma bacia, prejudicou o atleta. “Nada, zero. Nada mesmo. Essa fratura é muito típica, foi o trauma direto, uma pancada certeira na região. Acredito que tudo foi feito corretamente. Médico da Fifa em Fortaleza, dr. Marcos Girão (ortopedista e traumatologista) acompanhou Neymar, desde a remoção no Castelão, até seu transporte ao hospital, sempre imobilizado em uma maca”.
NEYMAR NÃO QUIS JOGAR
Era dito que Neymar não queria mais jogar para não prejudicar a carreira no Barcelona. “Dói muito. Ali tem músculo, ligamento, osso... Uma pessoa com fratura transversa não consegue se mexer, e qualquer movimento que se faz, a dor é gigante, fica tudo instável, tem terminação nervosa em todo canto. Ele não poderia, nem conseguiria jogar, e ponto final”.
PRONTUÁRIOS NO HOSPITAL
É contado que que o Hospital São Carlos até hoje guarda todos os exames, prontuário e relatório de Neymar na Copa de 2014. “Todas as imagens, filmes, exames, prontuário, laudos, até meu relatório pessoal... Tudo foi levado pela comissão técnica do Brasil. Nada ficou aqui.Todo o staff da seleção saiu daqui pouco depois das 21 horas”.
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PERFIL DO MÉDICO
Cláudio Régis Sampaio Silveira é médico radiologista e diretor da São Carlos Imagem.Formou-se em medicina pela UFC (1994); fez residência no Hospital do Servidor Público, em SP (1996-1998); Especializou-se em ressonância magnética na Incor (USP), 1999; e em imagem músculo-esquelética em Porto Alegre (RS). Membro titular do Colégio Brasileiro de Radiologia; ex-presidente da Sociedade Cearense de Radiologia. No dia a dia faz exames da equipe de futebol do Fortaleza. Na Copa das Confederações (2013), atendeu atletas da Espanha (Fábregas e Soldado), Itália (Balotelli), México (Rafa Marques) e Nigéria. Além de Neymar, fez exames durante o Mundial em Daniel Opare (Gana),e Hulk (Brasil). E nas Eliminatórias da Copa (2015), em David Luiz e Marcelo Grohe (Brasil), antes de Brasil 3 x 1 Venezuela. Atendeu também toda a seleção feminina de futebol da Austrália, antes dos Jogos Olímpicos de 2016.