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Após regras contra homofobia serem "inauguradas" no Brasileirão, cearenses tentam se adaptar
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Após regras contra homofobia serem "inauguradas" no Brasileirão, cearenses tentam se adaptar

Vigentes desde 15 de julho, normas contra a discriminação foram aplicadas em jogo da rodada passada, no jogo entre Vasco e São Paulo
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No último domingo, no estádio São Januário, torcedores do Vasco proferiram cânticos homofóbicos contra a torcida do São Paulo — algo recorrente em estádios de todo o Brasil. O que mudou foi a atitude do árbitro. Pela primeira vez após o Protocolo contra a Discriminação da Fifa passar a ser válido para todo o mundo, uma partida foi paralisada em decorrência de homofobia.

Aos 19 minutos do segundo tempo, Anderson Daronco decidiu interromper a partida diante de xingamentos discriminatórios da torcida vascaína. Prontamente, tanto os jogadores do Vasco como o treinador deles, Vanderlei Luxemburgo, pediram para que os torcedores parassem com os cantos. A torcida cedeu e a partida foi retomada normalmente.

O Protocolo contra a Discriminação da FIFA existe desde 2017, mas só era válido para jogos organizados diretamente pela entidade. Com a ampliação da norma, três passos devem ser tomados.

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O primeiro deles foi o que ocorreu no domingo: interrupção do jogo em conjunto com advertência à torcida por meio do sistema de som e imagem, até que a conduta seja cessada, para que a partida reinicie. O segundo passo acontece em caso de reincidência no mesmo jogo. A disputa é interrompida por minutos, com um intervalo e com os jogadores descendo ao vestiário até que a situação se normalize. A diretriz final, em caso de nova repetição de conduta discriminatória no mesmo duelo, dita que o árbitro comunique o caso à torcida e encerre a partida.

Anderson Daronco, em entrevista à programa da Rádio Gaúcha, comentou sua atitude. "Tudo nesse sentido a gente tem a orientação de procurar coibir. No primeiro momento que a gente tem a oportunidade e percebe isso, tem de parar e tomar medidas para que isso cesse", afirmou o árbitro gaúcho.

Além das medidas imediatas tomadas em campo, o clube implicado pode sofrer sanções extracampo. De acordo com entendimento recente do Superior Tribunal de Justiça Desportiva (STJD), há possibilidade dos casos de homofobia serem enquadrados no artigo 243-G do Código Brasileiro de Justiça Desportiva. Nesse casso, a conduta discriminatória pode acarretar na perda de pontos da equipe, desde que a "infração prevista neste artigo seja praticada simultaneamente por considerável número de pessoas vinculadas a uma mesma entidade de prática desportiva".

O POVO entrou em contato com dirigentes dos maiores clubes do Estado, Ceará e Fortaleza, para comentar as atitudes que serão tomadas em relação à situação. O Ceará declarou que não irá se posicionar publicamente sobre o assunto, mas irá orientar internamente as torcidas organizadas para que elas evitem cantos com conteúdo homofóbico nos estádios. Já o Fortaleza disse que está organizando campanha para coibir esse tipo de conduta por parte dos torcedores. O lançamento deve acontecer até o final desta semana.

As maiores torcidas organizadas de ambos os clubes também emitiram posicionamentos. A Cearamor, representada pelo seu presidente, Jey da Cearamor, diz ser "completamente contra esse tipo de ação contras as torcidas organizadas". Ele opina que a medida "é um absurdo", e que "os órgãos públicos deviam se preocupar com o bem-estar do torcedor". Ele ressalta, porém, que a torcida irá acatar ao protocolo, de forma a evitar punições ao Ceará. Segundo ele, serão feitas campanhas de marketing nas redes sociais, visando coibir os cânticos homofóbicos.

Já a Torcida Uniformizada do Fortaleza (TUF) se diz contra o ações do "futebol moderno, que, com o excesso de regras, torna o futebol chato". Apesar disso, o coletivo declarou que irá coibir qualquer canto que possa vir a prejudicar o clube, tendo a torcida de "se adequar à realidade". Ela também ressalta que outros problemas, como a segurança e o conforto do torcedor, deveriam ser prioridade dos órgãos públicos.

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Por anos me pareceu coincidência o fato de eu ter deixado de frequentar estádios em 2006, mesmo ano em que comecei a estudar Jornalismo. Foi só em 2017, quando fui ao Mineirão acompanhar Cruzeiro 3x3 Grêmio que a minha longa ausência fez sentido para mim.

O Jornalismo é inocente nesta equação. A homofobia não. Além de iniciar minha jornada no Ensino Superior, 2006 foi o ano em que me assumi gay — para os outros e em especial para mim. Sair do armário é contar para o mundo uma verdade da qual, por vezes, você passa anos se esquivando.

Voltar a um estádio dez anos depois foi revisitar um fantasma que eu nem sabia que existia. A experiência, em Belo Horizonte, foi irmã da que tantas vezes vivi no Castelão e no PV. Milhares de pessoas impondo que a pior coisa para um homem é ser homossexual. Usando práticas sexuais como forma de humilhação.

Eu não sabia até lá. Mas cresci parte da vida ouvindo que sou um ser humano inferior. Depois de anos de experiência — e de terapia — consegui lidar com isso. Ter orgulho até da opressão que sofri. O estádio é só um dos pontos dessa equação de minoria. Talvez dos mais homofóbicos, mas é apenas um prisma de uma sociedade profundamente discriminatória.

O árbitro Anderson Daronco, seguindo orientação da Fifa, deu um passo importante. Nem que por medo, as torcidas terão de encontrar modos menos ofensivos de torcer — quem sabe até decidam apoiar o próprio time. E o público homossexual vai poder ir ao estádio sem correr o risco de ser apontado como aberração por milhares de homens raivosos.

STF

Além de Fifa e STJD, decisão do Supremo, que enquadra a homofobia na lei de crimes de racismo, também embasa o protocolo

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