Na imensidão azul do mar, muitas vidas se edificam. É onde vivem os animais aquáticos e os pescadores tiram oganha pão.Muitas vidas, porém, se constroem emparelhadas a esse mundo. É nas areias das praias que Rebecca Silva se ergueu.Cearense de 26 anos, nasceu e foi criada nesse ambiente e, nele, estabeleceu-se: cresceu, teve filha, casou-se e encontrou, através do vôlei de praia, meio de viver. Agora, navegará mundo afora e representará, ao lado da mineira Ana Patrícia, o Brasil na Olimpíada de Tóquio-2020.Em entrevista ao O POVO, a multicampeã conta como têm se preparado para os Jogos e como conciliar as diferentes pressões da vida
O POVO - Como estão as preparações para Tóquio-2020?
Rebecca - A gente conta com uma comissão técnica muito capacitada. Tanto o técnico Reis, quanto o Oliveira, estão indo para a quarta Olimpíada seguida, então a gente tem muita confiança no planejamento e no trabalho que eles desenvolvem com a gente. Como garantimos a classificação ano passado, conseguimos ter um período de descanso que foi muito importante para a nossa cabeça e, desde janeiro, estamos 100% focadas na nossa programação, respeitando todos os ciclos estabelecidos.<ctk:-30>
O POVO -Quais foram os pontos mais importantes, os títulos mais marcantes da sua carreira?
Rebecca - Conquistei algumas coisas muito legais ao longo da minha carreira, tanto nas categorias de base, quanto como adulta. Mas acho que o ano de 2019 foi um ano muito especial. Na verdade, o fim de 2018 e 2019. A gente abriu mão de muita coisa, superamos muitos momentos difíceis, apostamos muito um no outro para que a gente conseguisse chegar onde chegamos. A China sempre me traz boas lembranças, foram títulos importantes no Circuito Mundial, que nos deram muita confiança para o restante da temporada. Acho que ao longo do ano a gente foi construindo nossos alicerces para esse tão desafiador ano de 2020.
O POVO - Dentro desses anos de carreira, qual para você foi o momento mais desafiador?
Rebecca - Quem é do esporte sempre diz que o maior desafio é sempre o próximo. Como diz o Bernardinho, o campeonato mais importante é o próximo que disputaremos. Mas como disse antes, 2019 foi desafiador e compensador ao mesmo tempo. Principalmente porque começamos a corrida olímpica muito atrás das outras duplas. Ninguém apostaria na gente, mas a gente foi indo, de mansinho, e conquistamos nosso espaço. Sabíamos que tínhamos capacidade e conseguimos através de muito esforço. Mas agora já temos vários outros desafios pela frente e temos que focar neles.
O POVO - Qual foi o momento mais importante da sua carreira?
Rebecca - Ao longo da corrida olímpica a gente evitou muito fazer conta e se apegar a números. A gente pensava sempre no próximo jogo ou no próximo torneio. Mas chegou um momento que foi inevitável, que todo mundo começou a falar sobre quais resultados faltavam, sobre as chances de cada dupla. E chegou uma hora que a gente garantiu a classificação, mas, até sair o anúncio oficial, demorou um tempão. Acho que quando veio a informação da classificação foi muito emocionante. É o momento que você acredita que realmente conseguiu. Apesar da ficha ainda ter demorado a cair. A Olimpíada é uma coisa muito especial, poucos atletas no mundo têm essa oportunidade e fazer parte desse time, é inexplicável. Por isso estamos nos preparando da melhor forma possível.
O POVO -Além de esportista, hoje você também é mãe.Acha que, de alguma maneira, o esporte lhe ajudou a lidar com o desafio que é cuidar de uma vida?
Rebecca - Eu acho que o esporte ajuda em tudo na nossa vida. Seria incrível se toda a sociedade pudesse ter contato com o esporte de alguma maneira durante a sua formação. E com certeza me ajudou também a encarar a maternidade. Que eu posso dizer também que foi o maior desafio da minha vida. Eu era muito nova, meu marido também, mas enfrentamos todas as dificuldades e hoje tenho muito orgulho da minha família. Ela (filha) já entende bastante, me acompanha em alguns torneios aqui no Brasil e também me dá muita força.
O POVO - Quanto tempo após ser mãe você voltou às areias? Quando voltou, você escutou muito as pessoas lhe perguntando "como voltar a trabalhar sendo mãe"? Se sim, como você lidava com isso?
Rebecca - No vôlei de praia temos alguns exemplos de atletas que são mães que voltaram a jogar rapidamente e precisaram se adaptarà nova rotina. Mas é um ambiente em que não existe muito isso. Pelo menos não aconteceu comigo, graças a Deus.Porém, sei o quanto a mulher, em geral, sofre preconceito com isso. Eu voltei a treinar 45 dias depois, foi bem difícil, mas é um recomeço que toda mãe irá passar. Acho que o desafio é a gente cada vez mais falar sobre isso, para que a vontade da mãe seja respeitada. Se ela quiser e precisar voltar a trabalhar, é um direito dela. Se ela quiser ficar em casa com o filho, é um direito dela também.
O POVO - Acha que ser mãe, e ser mulher, te ensinou algo que hoje você leva para dentro da quadra?
Rebecca - Eu acho que hoje as mulheres estão cada vez mais ocupando seus espaços e se impondo diante de atitudes que não concordam. E no esporte não é diferente. Graças a Deus, no vôlei de praia a gente conta com uma igualdade entre homens e mulheres, com mesmo número de torneio, mesma premiação etc. Mas a gente sabe que não é assim para todo mundo. Então eu acho que quanto mais as mulheres ocuparem seus espaços, melhor vai ser. Ser mãe só me ajudou a ser uma mulher ainda mais forte e preparada para as dificuldades.