O Brasil vivia os "anos de chumbo" da ditadura militar sob o comando do general Emílio Garrastazu Médici, quando Pelé e os demais craques brasileiros desfilavam em gramados mexicanos. A seleção de 1970 ficou marcada, além do futebol-arte, por ter sido utilizada como propaganda política pelo regime.
Quase dois anos antes da Copa no México, o governo ditatorial verde e amarelo, que emergiu ao poder com o golpe militar em 1964, endurecia o autoritarismo e a repressão com a aplicação do Ato Institucional número 5, o AI-5. O dispositivo, promulgado em dezembro de 1968, estabelecia entre seus 12 artigos o fechamento do Congresso Nacional. Inúmeros políticos, artistas e jornalistas foram torturados e mortos em oposição ao regime.
O governo militar tinha forte relação com a seleção. A conexão entre a política e o futebol influenciou em um dos episódios marcantes que antecederam a Copa: a queda do treinador João Saldanha, assumidamente opositor do governo, militante do Partido Comunista Brasileiro e amigo de longa data Carlos Marighella, assassinado um ano antes do Mundial.
Crônica: a melhor seleção que eu nunca vou ver
A ditadura instaurada no País tinha o controle dos passos da seleção com militares presentes no ambiente da equipe, conforme pesquisa do professor Airton de Farias. Um dos medos do governo era de que Saldanha denunciasse a perseguição política, as torturas e as execuções nos porões do regime à imprensa internacional.
Dentro deste contexto, a imagem de João Saldanha se desgastava aos poucos. Depois da campanha tranquila nas Eliminatórias, o Brasil derrapou em amistosos e jogos-treinos, como o empate com o Bangu.
Um dos episódios que contribuiu para "fritar" o treinador, que tinha problemas com a própria comissão, foi quando Pelé questionou o esquema tático na preparação para a Copa, depois da tranquila campanha nas Eliminatórias. O técnico passou a dizer que o craque da seleção estava "cego". Na época, um exame havia constatado miopia em um dos olhos do jogador.
O estopim para a demissão do então técnico foi uma resposta dada ao questionamento de um repórter sobre o pedido do general Emílio Garrastazu Médici, que estava no poder, pela convocação de Dadá Maravilha. "Ele (Médici) escala o ministério, eu convoco a seleção", disse Saldanha.
Doze dias depois foi retirado do cargo, e Zagalo assumiu, conforme publicou Airton de Farias no livro "Uma História Das Copas do Mundo - Futebol e Sociedade". "A Ditadura Militar, sempre preocupada com sua imagem, temia as repercussões de um episódio assim, tanto que mesmo após deixar o comando técnico da seleção, Saldanha continuou 'acompanhado de perto' pelos espiões dos órgãos de repressão", diz trecho da obra.
O ambiente controlador dos militares imposto à seleção trouxe uma situação curiosa de dualidade ao escrete brasileiro, conta Airton de Farias. A equipe de Pelé e companhia jogava futebol imprevisível aos oponentes e encantava pela magia com a bola. Ao mesmo tempo, do lado de fora dos gramados, os jogadores seguiam a rigidez do comportamento adequado para a ditadura, desde o corte de cabelo a regras na concentração.
"A ideia do controle tinha uma importância porque o governo sabia o que seleção representava em 1970, quando o Brasil estava crescendo economicamente, havia nacionalismo forte. A conquista acabou sendo uma forma de tentar ter dividendos políticos. De certo modo acabavam calçando a ideia de pátria de chuteiras, de ganhar a taça, o Brasil estava ganhando e os militares também", explica o historiador.