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Comentarista Antony Curti traça o panorama atual do futebol americano, em tempo de Super Bowl
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Comentarista Antony Curti traça o panorama atual do futebol americano, em tempo de Super Bowl

Kansas City Chiefs, atual campeão da NFL, e Tampa Bay Buccaneers, que jogará em casa, se enfrentam pelo título da temporada 2020-2021. Será o duelo de gerações entre o jovem Patrick Mahomes e o veterano Tom Brady
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Antony Curti, comentarista de futebol americano dos canais ESPN e Fox Sports (Foto: Divulgação ESPN/Fox Sports)
Foto: Divulgação ESPN/Fox Sports Antony Curti, comentarista de futebol americano dos canais ESPN e Fox Sports

Neste 7 de fevereiro, o Super Bowl LV, final desta da temporada da NFL, maior liga de futebol americano do mundo, acontece no Raymond James Stadium, em Tampa, na Flórida, às 20h30min (horário de Fortaleza). O Kansas City Chiefs, da jovem estrela Patrick Mahomes, e o Tampa Bay Buccaneers, primeira equipe a jogar o Super Bowl em seu próprio estádio, sob a liderança de Tom Brady, duelam pela glória. 

Em conversa com O POVO, o comentarista Antony Curti, dos canais ESPN e Fox Sports, especialista em futebol americano, antecipou quais os elementos que mostram a grandiosidade deste Super Bowl, desde o confronto de gerações entre os quarterbacks até a inserção do esporte no público brasileiro.

O POVO - Será o décimo Super Bowl de Tom Brady, dessa vez com o Tampa Bay Buccaneers. Ele vai em busca do sétimo anel. Vencer os Chiefs representa colocar Brady como o maior jogador da história do futebol americano sem contestação, mesmo havendo outros atletas mais talentosos?

Antony Curti - Para mim, eu digo há cinco anos que o Tom Brady é o maior quarterback da história. Só não é o maior atleta do futebol americano, pois são coisas diferentes. Tivemos o Jerry Rice, que foi fantástico, e ninguém chega nem perto dele na posição. Ainda falam do Peyton Manning, de outros jogadores, do Aaron Rodgers, recentemente, mas em títulos fica completamente incontestável. A contestação que tinha ao Tom Brady nos últimos anos era que ele era ajudado pelo Bill Belichick (técnico do New England Patriots, ex-time de Brady), que ele só ganhou porque tinha um sistema muito azeitado. Além disso, dizia-se que ele era um quarterback de sistema, que ele só rendia naquele sistema de passes curtos. E essas duas narrativas caíram por terra neste ano, mesmo que ele não seja campeão.

Primeira temporada dele no Tampa Bay, na pandemia, então não teve os treinamentos de intertemporada, como de costume, para ele conhecer o elenco novo, para entrar em sintonia com esse elenco novo. E o cara teve 40 touchdowns. São 16 a mais do que ele teve ano passado em New England. Um sistema muito vertical, completamente diferente do que ele tinha em New England, com menos uso de recursos que ele tinha lá, como play action, por exemplo. E o cara tem 40 touchdowns, e chegou nos playoffs, e é impressionante como, no mata-mata, o Tom Brady lembra muito o Cristiano Ronaldo na Champions, vira outro bicho.

Não vou negar que estou surpreso. Estava tudo contra ele nesse aspecto. Jogando em uma divisão que o time do New Orleans Saints era mais forte, como foi durante a temporada regular, ganhando a divisão, Tampa Bay foi pela repescagem, pelo wild card. Primeiro ano em um sistema, que é muito prejudicado por passes longos, e a gente não via o Tom Brady indo bem nos últimos anos em passes longos. E o cara passou por cima de todas essas adversidades, chegou a mais um Super Bowl, é o décimo. Ninguém tem, nem remotamente, dez Super Bowls na carreira. Mesmo que ele perca esse Super Bowl, ele já tem o legado de maior da história.

Mas tem um elemento para o futuro, se a gente tiver essa conversa daqui 15 anos, de que se ele vencer o Patrick Mahomes no Super Bowl, vai ficar muito difícil do Mahomes alcançar ele. Porque sempre vai ter o argumento: é, mas o Mahomes perdeu para o Brady no Super Bowl LV. Eu diria que esse Super Bowl é mais importante para o Patrick Mahomes que para o Tom Brady. Porque se o Mahomes perder, isso vai acabar o perseguindo na carreira dele, e ele é um cara que a gente com o potencial de chegar um dia a seis títulos, a cinco títulos. A narrativa pesa para os dois lados, não só para o Brady no Super Bowl.

O POVO - Patrick Mahomes será o quarterback mais jovem a jogar dois Super Bowl, aos 25 anos. Ele é o melhor jogador da atualidade e está na melhor equipe do momento. Ele tem potencial de se tornar o maior jogador da história do esporte?

Antony Curti - O futuro é muito difícil de prever, porque o mais novo quarterback a chegar a dois Super Bowls seguidos era o Russell Wilson, em 2013 e 2014, venceu 2013, perdeu em 2014, para o Tom Brady, inclusive. Desde 2014 a gente não vê um time arrumadinho em Seattle. A defesa tem seus problemas, peças importantes saíram, não foram repostas com a mesma qualidade. Houve muito investimento em ataque terrestre, elemento que não faz muito sentido tendo Russell Wilson como quarterback. E foi ficando pelo caminho, em vários anos. Então tem esse elemento de imprevisibilidade no futebol americano.

O Dan Marino chegou a um Super Bowl em 1984, quase chegou em 1985, chegou a uma final de conferência em 1985, e depois ficou um bom tempo, no final dos anos 1980, sem chegar ao Super Bowl, porque não tinha defesa em Miami. Cravar é muito difícil na NFL, seria até irresponsável.

Hoje, entre os jogadores na posição de quarterback, de longe, a gente vê com potencial para ter três, quatro títulos, é o Patrick Mahomes. Porque é um cara que chegou muito cru na NFL, no aspecto de leitura de jogo, e hoje é uma máquina de ler jogo. Ele queima jogadas defensivas que outros quarterbacks não conseguem. Além desse aspecto mental, psicológico, que ele está muito evoluído, com só 25 anos, ele ainda tem um braço muito potente, consegue lançar pressionado, consegue lançar desequilibrado. Ele, como passador, faz coisas que eu nunca vi no futebol americano. Em 101 temporadas, a gente nunca viu ninguém passando a bola que o Patrick Mahomes faz. O potencial está ali. Só que existem outras variáveis. Se eu fosse escolher um cara para chegar a seis títulos, para apostar meu dinheiro, seria o Patrick Mahomes. Só que a gente não sabe o que pode acontecer no futuro, porque são vários elementos, não dá para cravar isso, mas dá para apostar.

O POVO - Os Chiefs são os atuais campeões e favoritos. De que forma os Bucs podem surpreender?

Antony Curti - Os Chiefs são favoritos, mas não por muito. Inclusive nas bolsas de apostas são três pontos (de diferença), é pouca coisa. Tem um elemento muito importante, que o Kansas City está com muitos desfalques na linha ofensiva ao longo da temporada e agora perdeu o Eric Fisher, que era o melhor jogador restante dessa linha ofensiva, com lesão no tendão de aquiles. Tampa Bay tem uma defesa que pressiona muito, com Shaq Barrett de um lado, com Jason Pierre-Paul do outro, então é uma defesa capaz de pressionar o Patrick Mahomes, e o segredo é esse, a única saída. Porque, mesmo pressionado, ele consegue jogar bem. Se tem alguma esperança, é essa.

Tampa Bay vai ter que ter um jogo muito parecido do que teve contra Green Bay. O Aaron Rodgers deve ser o MVP da temporada e estava jogando em um nível semelhante ao do Mahomes. Vai ter que forçar turnovers (erros) e capitalizar em cima desses turnovers. São 41 pontos depois de roubar a bola nesses playoffs para o Tampa Bay, que é uma das melhores marcas dos últimos 20 anos. O caminho é esse. Porque a gente meio que tem como certo que o Kansas City, mesmo contra uma sólida defesa, que é a defesa de Tampa, vai conseguir fazer seus 28, 30 pontos. O Mahomes tem várias derrotas na carreira com 30 pontos, 28 pontos. Na única derrota que teve nessa temporada, passou dos 30 pontos, contra o Las Vegas. Então é um pouco por aí.

O caminho de Tampa, sendo zebra, é roubar bolas, pressionar o Patrick Mahomes e tentar estancar o jogo terrestre, tentar colocar o Mahomes em situações óbvias de passe, para a defesa estar preparada para isso. Tampa tem talento para tanto. Eu não ficaria surpreso com uma vitória dos Buccaneers. Minha aposta é no Kansas City, por tudo que a gente viu na final da Conferência Americana, mas eu certamente vejo caminhos para Tampa ser campeão.

O POVO - Caso os Chiefs confirmem o favoritismo e vençam, teremos o primeiro bicampeonato seguido desde o New England Patriots em 2004-2005. Uma dinastia estaria se formando ao redor de Mahomes, assim como aconteceu com os Patriots de Brady? 

Antony Curti - É possível, sim, porque na Conferência Americana vimos os Chiefs três vezes seguidas sediando a final da AFC. Isso não aconteceu com o New England Patriots nas duas últimas décadas. A gente vê o quarterback mais talentoso da NFL jogando em Kansas City, ele só tem 25 anos e tem contrato por mais nove. Está garantido isso, já é meio caminho andado. A gente vê que os outros times não estão preparados para conter os Chiefs na Conferência Americana, essa é a verdade. As defesas de Baltimore e Pittsburgh mandam muitas blitzes, um expediente que manda cinco ou mais jogadores para cima do quarterback, algo que deixa espaço no fundo do campo. Se o quarterback pensar rápido, tiver uma boa leitura, que é o caso do Mahomes, ele teve 14 touchdowns e nenhuma interceptação contra blitz neste ano. Esses times eu não vejo preparados para vencer o Kansas City em um jogo de pós-temporada. Claro que pode acontecer. É playoff, jogo de eliminação simples, um jogo com mais turnovers. Mas no papel eu não vejo. E Buffalo também usa bastante a blitz, a gente viu na final da AFC, e também na temporada regular, que ainda faltam peças no Buffalo Bills, um jogo terrestre melhor, pressionar melhor o Mahomes, coisa que não conseguiu fazer nos dois confrontos de 2020-2021.

Por conta desse contexto, do Mahomes ter 25 anos, dos times mais fortes da conferência não estarem equipados para estar no mesmo patamar do Kansas City Chiefs, eu não vejo possibilidade de Kansas City pelo menos não chegar na semifinal de conferência nos próximos cinco anos, acho que essa é a régua mínima. Em uma analogia meio porca, talvez, o Kansas City me lembra bastante o Flamengo de 2019, porque a gente não via um time com tanto elenco, com tanto recurso, para bater o Flamengo completo. É um pouco por aí para os Chiefs na Conferência Americana. Aí o Super Bowl são outros 500.

O POVO - Como você percebe o momento de inserção do futebol americano no Brasil? O que precisa ser feito para que a popularidade desse esporte, que cresce a cada ano, atinja mais pessoas?

Antony Curti - Eu acho que é algo orgânico, não vejo um motivo para dar um boom. Porque eu vejo muito a NFL crescendo no boca a boca, de um amigo falando para o outro, de um cara dando uma chance, começa a assistir. Eu sinceramente não conheço muitas pessoas que deram uma chance, entenderam o básico das regras e não gostaram. Eu escrevo em um dos meus livros que o futebol americano é algo muito intrínseco ao ser humano, assim como o futebol é, porque é um jogo de conquista de território. Território é uma coisa muito cara para o ser humano. E é um jogo de disputa de território, essencialmente. Não é por acaso que o futebol é o esporte mais popular no mundo e o futebol americano é o esporte mais popular nos Estados Unidos. Eu acho que é uma questão orgânica.

A NFL, no Brasil, é o segundo maior mercado fora dos Estados Unidos, só o México é maior, e o México faz fronteira com os Estados Unidos, então é natural que tenhamos o México como maior mercado consumidor. Mas o Brasil está no radar da NFL, a audiência a cada temporada está crescendo na ESPN. O Super Bowl lidera a TV paga no Brasil, a TV por assinatura. Eu acho que é uma questão orgânica, de ano após ano a gente ver esse crescimento. Não tem um boom necessário, ter um brasileiro. A gente já tem, na verdade, o Cairo Santos (kicker do Chicago Bears). Mas quarterback brasileiro, eu não vejo essa necessidade. Acho que o crescimento orgânico é mais importante.

A gente viu no UFC, por exemplo, que teve um crescimento exponencial, com brasileiros sendo campeões, mas não houve uma fixação orgânica. E, hoje, o UFC ainda é popular no Brasil, claro, mas nem remotamente ao que era na primeira metade da década de 2010. Eu acho importante que mantenhamos assim, que siga sendo orgânico e que seja algo que venha para ficar, não um boom que acaba não se sustentando a médio/longo prazo.

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