Vice-campeão mundial no Street League Skate (SLS) e medalha de ouro nos jogos Pan-Americanos Júnior em Cali, na Colômbia. Estes foram os dois dos últimos incríveis resultados do cearense Lucas Rabelo.
Nascido e criado no bairro Pirambu, na periferia de Fortaleza, Lucas se mudou para Porto Alegre na adolescência para aprimorar seu skate em busca do sonho da profissionalização, e hoje, é um dos principais nomes em ascensão do skate brasileiro.
Lucas Rabelo concedeu entrevista exclusiva para O POVO contando sua trajetória, falando do atual momento do skate no Brasil e suas projeções para o futuro.
O POVO - Gostaria que você começasse contando um pouco dessa conquista, que é inédita. Você ficou à frente de tantos nomes importantes do skate mundial. Como foi essa sensação?
Lucas Rabelo - Na real, a sensação é de honra por poder estar lá. Sempre é um sonho para mim estar no Street League, sabe? Foi algo que eu sempre desejei desde criança. Eu ficava lá no quarto, ia para a casa dos meus amigos para assistir o Street League. Então, poder estar lá e ter conquistado um pódio, ter feito a grande final com dois skatistas que são meus ídolos, são pessoas que eu assistia na TV, YouTube, essas coisas. E por eu ter vivenciado aquele momento junto com todos e, principalmente, ter feito um pódio é uma sensação incrível. É até meio difícil achar uma palavra para demonstrar o quão grato eu sou. Eu fico feliz, realizado, de tudo um pouco porque foi algo que eu desejei muito. Eu sempre quis estar no meio de pessoas que me inspiraram, pessoas que eu assistia. Tem até alguns momentos que eu olhava para o lado, começava a rir e pensava: “nossa, estou vivendo um sonho”. Eu estou andando do lado de pessoas que são os meus ídolos e ainda ter feito um pódio, para mim foi um feito incrível.
O POVO - Você perdeu muito cedo seu pai, que também era skatista. Então a sua relação com o skate já é familiar, né? Essa memória do seu pai, você também leva ela para as pistas?
Lucas Rabelo - Eu era muito novo quando meu pai morreu e não tinha muita noção. Eu sempre fui muito apegado a minha avó da parte da minha mãe. Então eu nunca tive tanto contato com meu pai por ser muito novo e meus pais eram separados. Mas, com certeza, acredito que eu entrei no mundo do skate através do meu pai. Pode não ter sido conscientemente, mas talvez inconscientemente, sabe. A minha mãe sempre fala e eu fico dando risada: "Nossa, eu tomei um susto quando você nasceu, eu cheguei do hospital e, no primeiro dia em casa, em vez de te deitar na cama, teu pai te botou nos braços e foi andar de skate contigo". Eu acredito que isso deve ter tido uma influência enorme. Quem andava de skate com ele dizia que ele era um bom skatista e eu acredito que estou vivendo um sonho que era dele também. Acho que o sonho de todo skatista é poder viver do skate, se divertir, criar novas amizades e ser uma boa pessoa. Então eu acho que estou podendo ser um pouco do que ele queria ser por mim e por ele.
O POVO - Você começou no skate aos 11 anos. Como foi esse início de trajetória e como você começou a praticar?
Lucas Rabelo - Foi muito engraçado, porque eu sou uma pessoa que gosto de estar sempre com os meus amigos. Eu gosto de estar sempre me divertindo, estar aproveitando os momentos, porque a vida é muito curta, né? Independente de qualquer coisa a gente tem que aproveitar e se divertir ao máximo. Então eu sempre gostei de estar com eles, independente do que eles faziam. Eles andavam de skate na porta da minha casa. Eu ficava assistindo. Daí chegou um momento em que eu falei: “pô, eu quero acompanhar eles também no skate, quero poder ir lá”. E foi o momento que eu comecei a falar com minha mãe, se ela poderia me dar um skate, porque eu gostaria muito de começar a andar. Mas independente de ter, meus amigos colocavam o corrimão na frente da minha casa e eu pegava o skate deles, sem tênis, sem nada, ficava com o dedo todo ralado. Foi através dos meus amigos que eu comecei, por querer acompanhar e estar junto deles.
O POVO - Você foi pra Porto Alegre ainda muito novo, um dos grandes polos do skate aqui no Brasil. Como foi esse processo de saída da cidade natal até a chegada por lá?
Lucas Rabelo - Foi meio louco porque eu tinha 13 anos quando eu saí de casa. E eu sempre ia em uma loja em Fortaleza, tinha um cara que trabalhava lá que era construtor de pistas. Então ele estava nessa pista de skate em Fortaleza que ele tinha patrocínio e falou que eu andava bem de skate e que eu teria que sair de Fortaleza para mostrar mais meu skate e evoluir. Ele me ajudou muito com isso, que é o Ely Martins, ele me ajudou a viajar, conhecer pessoas. Ele falou que era importante eu ir para São Paulo, falou com minha mãe se eu poderia ir e a gente não tinha condição de pagar a passagem. Ele ajudou em tudo e a gente foi para São Paulo. Ele tinha um patrocínio lá em São Paulo também que me ajudou com a hospedagem, as sessões de skate, e eu conheci o Cézar Gordo. Eu fiquei super feliz por ser uma pessoa que eu sempre via em vídeos, e ele falou que eu precisava ir para Porto Alegre, que seria legal para ganhar vivência no skate, e aceitei. O plano não seria ir nem pra morar, para falar a verdade, o plano seria eu passar três meses lá, conhecendo, criando experiência, e fui mais nessa intenção de me divertir. Mas eu cheguei lá e não gostei. Eu fiquei lá na casa de um amigo do Ely, que se tornou meu amigo também, mas era muito novo e não estava acostumado com aquela rotina, no frio, tendo que acordar cedo, comer coisas que não estava acostumado a comer, porque sempre fui de comer a comida da minha vó e nunca comia nada diferente. Também teve a questão da saudade. Sempre fui muito apegado a minha avó, e eu decidi voltar para Fortaleza. E passaram alguns meses, e o Rafael Xavier, que é o meu empresário, tinha começado a trabalhar para o Cézar Gordo e alguns atletas da Matriz, então quando eu estava entrando na Matriz, ele queria me conhecer mais, saber mais quem eu era, de onde eu era, e quando ele foi para Fortaleza visitar um amigo, aproveitou a viagem para me conhecer e conhecer a minha família. Ele foi na minha casa e falou que era super importante eu tentar ir de novo, ver o que eu achava, que dessa vez eu iria ficar na casa dele, e falou que lá eu poderia evoluir, e isso era meu sonho. Eu decidi que queria ir, mas minha mãe não queria deixar, até que consegui conversar com ela e falar que era meu sonho. E mesmo com minha família sendo contra no início, eles foram vendo que era algo muito verdadeiro e deixaram eu ir. Então fui. O plano seria voltar uma vez a cada seis meses. Durante um ano eu fiz esse bate e volta para visitar a família. Nos anos seguintes fui me sentindo mais em casa, a família dele me tratou super bem e eu sou muito grato por ele. Costumo dizer que tenho duas famílias e sou uma pessoa abençoada por estar rodeado de pessoas que amo e que me fazem bem. Mas foi muito difícil para a minha família e para mim também quando eu saí de casa muito novo. Deixei minha avó, meu avô, minha mãe, meus irmãos, que são mais novos que eu, mas que a gente tava crescendo juntos. Foi triste de alguma maneira, mas ao mesmo tempo foi algo feliz porque eu pensei no meu futuro e no futuro da minha família, de poder dar uma vida melhor a eles, não só na questão financeira, mas quando a gente se importa com o outro a gente quer ver eles felizes. Eu queria trazer felicidade para minha mãe com a minha felicidade. Eu comecei a focar nisso, que eu tinha um objetivo, trabalhei duro junto ao Rafinha, que é o meu empresário, e tentei fazer acontecer. E de início eu não tinha planos de morar em Porto Alegre, mas as coisas foram acontecendo e eu fui ficando e acabei me tornando da família e me senti muito à vontade para evoluir. Foi aí que eu fui me adaptando mais à cidade, comecei a conhecer pessoas, outros skatistas ou até pessoas que não tinham nada a ver com skate, mas me trataram super bem, e isso foi me deixando mais confortável e com vontade de querer mais. Eu sou um cara que sempre quer buscar uma evolução, seja como pessoa, seja como atleta, como família, estou sempre tentando dar o melhor para mim e para as pessoas que eu amo e quero ver felizes. Mas foi difícil sair do Nordeste para ir para o Sul, onde você come feijoada, come de tudo, só lembro da comida da minha avó que era sensacional. No Rio Grande do Sul, às vezes, faziam comida para mim e eu não comia, tipo uma pasta, porque tinha molho, porque eu estava acostumado a comer pasta sem molho. Aí quando descobriram que eu não comia pasta, nem cebola, começaram a fazer comida separada, e foi aí que eu comecei a me sentir mais à vontade. Eu estava me sentindo especial por estarem fazendo isso para mim. Eu dei o meu melhor e eles deram o melhor deles para mim, e o que eles fizeram por mim, não tem como eu expressar a minha gratidão, mas foi algo que me fez abrir a minha mente de poder ajudar de alguma forma, porque de onde eu vim, as dificuldades são enormes, mas têm diversos talentos e, infelizmente, não têm uma oportunidade. O que fizeram por mim me motivou a ajudar outras pessoas a seguirem seus sonhos. Já respondendo, antes de perguntar, meus planos para o futuro é ajudar essas pessoas que realmente querem seguir o sonho e que não tem essa oportunidade. Eu quero dar pelo menos esse empurrãozinho para ajudar como fizeram comigo.
O POVO - Quando você chegou em Porto Alegre, como foi esse caminho até a profissionalização? Quais foram suas maiores dificuldades? Em algum momento você pensou em desistir?
Lucas Rabelo - As dificuldades, a gente vive no dia a dia, né? Sempre. A maior dificuldade foi estar longe da minha família mesmo. Antes de me profissionalizar eu passei por algumas lesões. Eu rompi o ligamento cruzado anterior quando eu estava começando a crescer e criar experiência no Brasil. Foi algo que aconteceu do nada e me fez perder um ano da minha vida. As coisas estavam começando a acontecer, contratos para assinar, foi uma das partes mais difíceis, mas eu nunca pensei em desistir. Eu sempre busquei ser positivo, eu vou lá e tento acreditar que vai dar certo. Eu confio muito nas pessoas que eu trabalho. Cada apoio dos meus amigos, da minha família, me motiva a voltar mais forte. Eu sempre confiei nas pessoas que estavam comigo. Não tinha como eu pensar em desistir se eu tinha essas pessoas com todo esse carinho ali por mim, isso só me motivava. Ficar nove meses sem andar de skate me deixou em casa, sem fazer nada, até que depois eu tirei os pontos e comecei a treinar. Eu odeio acordar cedo, e acordava cedo todos os dias, eu nadava, eu corria, andava de bicicleta, ia para a academia porque eu estava confiando nas palavras de todo mundo e na minha força de vontade que eu ia conseguir passar por tudo isso. Obviamente a gente fica triste, porque é o que a gente ama fazer e a gente não pode, mas eu confiei muito na minha família, amigos, médicos. Eu estava disposto a fazer o que fosse preciso para ficar bem. Sempre foi um sonho para mim ser um profissional de skate. Todo skatista tem o sonho de ver o shape com seu nome. Ter realizado esse sonho, de ter o skate com meu nome, com a estátua de Fortaleza, de onde eu vim, isso pra mim é muito gratificante. É ver que todo o esforço valeu a pena. Nada na vida é fácil, a gente tem que batalhar, coisas ruins vão acontecer, mas a gente tem que procurar motivação para não ter tempo de pensar em desistir.
O POVO - O skate sempre foi um esporte que foi muito marginalizado por muitas pessoas. Você acha que o sucesso nas últimas Olimpíadas mudou essa percepção das pessoas?
Lucas Rabelo - Eu acredito que sim. A gente trouxe olhares diferentes para as pessoas que não vivem o que a gente vive há anos, e as Olimpíadas fizeram as pessoas enxergarem o quão divertido é o skate, e mostrar a união, a família que a gente é. Eu fiquei feliz de saber que as pessoas mudaram a cabeça delas, como se os skatistas fossem “sem futuro”, digamos, para pessoas que são felizes, são uma família e estão buscando o melhor para eles. Então, com certeza as Olimpíadas mudaram essa visão. Eu consigo ver que as pessoas aceitam mais o skate, aos poucos a gente vai conseguindo mostrar quem a gente se diverte, que a gente é do bem, que a gente é como qualquer outra pessoa, só que a gente ama andar de skate. O skate sempre foi legal, as pessoas que estão descobrindo agora. Hoje em dia, pessoas que não têm nada a ver com o skate conseguem enxergar o nosso mundo muito por conta das Olimpíadas. Então, para mim, essa visão mudou bastante e acho que continua mudando. Hoje, famílias estão levando as crianças para aprender a andar de skate, que é algo que a gente não era muito acostumado a ver.
O POVO - E o Brasil é uma potência no skate, né? Como você analisa o skate que está sendo praticado hoje no Brasil, os prêmios Brasil afora e como está esse cenário nacional?
Lucas Rabelo - Eu acho que o Brasil tem diversos talentos, não só no meio do skate. O Brasil tem muitos talentos, muitos infelizmente não têm a oportunidade de poder mostrar. Mas eu acredito que as oportunidades que nós brasileiros tivemos, a gente aproveitou ao máximo. A gente tem que dar o nosso melhor para quando as oportunidades baterem na nossa porta, a gente agarrar elas com todas as nossas forças e fazer acontecer. E eu consigo enxergar muitos brasileiros que estão vivendo os sonhos deles e isso é muito gratificante para mim. Eu sei da dificuldade que a gente passa, eu sei o que acontece no Brasil, mas é muito incrível você ver gente como a gente conquistando o mundo. Não tem uma palavra exatamente que eu possa definir sobre a felicidade que eu estou em ver os brasileiros conquistando o mundo.
O POVO - Para finalizar, eu gostaria de saber quais são os seus próximos objetivos na carreira. Você já citou um pouco sobre proporcionar oportunidades para as pessoas, mas e para a sua carreira? Como você idealiza o seu futuro no skate?
Lucas Rabelo - Eu sou um cara que não gosto muito de idealizar o futuro, eu sou mais de viver o hoje e deixar acontecer. Mas eu tenho diversos planos e sonhos, mas o que eu quero é continuar andando de skate e continuar me divertindo. Poder viver a melhor versão da minha vida, sabe? E poder passar um pouco do que eu vivi para o próximo, para, talvez, ajudar de alguma maneira.