Das partidas que Pelé deleitou o torcedor com seu futebol, nove ocorreram diante de equipes cearenses. A primeira vez que o Rei do futebol pisou em solo cearense foi em uma partida do dia 18 de julho de 1959. Á época, o Santos empatou em 2 a 2 com o Fortaleza em amistoso no estádio Presidente Vargas.
Quinze anos depois, em 18 de julho de 1974, o Tricolor seria o último time da Terra da Luz a encarar o Rei. Desta vez no estádio Pacaembu, em São Paulo, a igualdade também ficou no placar e o Leão do Pici nunca venceu o Alvinegro Praiano com o maior dos ídolos em campo.
Ao contrário do rival, o Ceará conseguiu vencer o time do Rei em duas ocasiões e empatou uma outra partida, ou seja, o Vovô nunca foi derrotado por Pelé.
No apelidado "Jogo do Milhão, que teve renda de mais de 1 milhão de cruzeiros, o Santos com um Pelé de apenas 17 anos enfrentou o Fortaleza no PV. Na edição do O POVO de 20 de julho (não houve edição em 19), o destaque era para o esforço do Tricolor. “Embora jogando muito, o campeão brasileiro não venceu a resistência do Fortaleza” (O POVO, 20/7/1959, página 7). Para a crônica da época, Pelé confirmou “seu enorme cartaz”.
O grande feito do Fortaleza estava estampado na mesma página. Junto a Pepe, que viria a treinar o Tricolor do Pici em 1985 — sendo campeão cearense —, o craque vestiu vermelho-azul-e-branco antes da partida para receberem, os dois, medalhas em homenagem ao título mundial do Brasil, conquistado um ano antes. O clique foi de José Rosa de Araújo e foi republicado no O POVO de 4 de outubro de 1974.
Oito anos depois, “Fortaleza tem encontro hoje com Pelé & Cia”, destacava a Primeira Página do O POVO de 7 de novembro de 1967. Sem camisa, o craque era vendido junto à capa de jornal. A partida era vista como o “jôgo do ano”. “O Santos está escalado, Pelé e outros dez”. No pós-jogo, o destaque da Primeira Página era “Santos armou o circo no Presidente Vargas e Pelé comandou o show”. (O POVO, 8/11/1967, página 1). O texto aponta que a homogeneidade da equipe da Vila Belmiro só é quebrada pela superioridade do Rei. A cobertura segue em mais duas páginas de loas a Pelé, com direito a crônica de Alan Neto: “Apoteose”.
Na edição de fim de semana (3 e 4 de agosto de 1968), o confronto era destaque. “Jôgo Santos x Ferrim Será Brinde de Luxo do Nôvo Campeão!”. “Os desportistas cearenses receberão, hoje, de braços abertos, a rapaziada que forma a poderosa equipe do Santos Futebol Clube, inegavelmente, ainda o melhor time do mundo”, dizia, citando os bicampeões do mundo Pelé, Gilmar, Rildo e Pepe.
“Nada mais queremos acrescentar. Mesmo porque o time do ‘Santos’ não é pra ser comentado. Mais vale vê-lo jogar. E é o que todos nós devemos fazer, indo, amanhã, ao ‘Presidente Vargas’”. No dia seguinte à partida, “Nem Santos, Nem Pelé” foram perdoados pela má atuação no 0 a 0 com o “Ferrim”.
O Ceará foi o último dos grandes a enfrentar Pelé. Na véspera do jogo, entrevista com o Rei, em coletiva, com participação de José Maria Melo e Alan Neto, o craque elogiava Carlindo, do Alvinegro, criticava (João) Saldanha, garantia que nem o ditador Médici o convenceria a se “desaposentar” da seleção e prometia “investir” em negócios do Nordeste.
Com duas fotos de Pelé na Primeira Página, o pós-jogo destacava a partida parelha em que, segundo a crônica da época, o Ceará mereceu vencer. Um ano depois, a história poderia ser recontada.
O então alardeado “jogo mil de Pelé” veio com foto do Rei e de um cabeludo Alan Neto — que à época fizera entrevista exclusiva com o santista. A “bomba de mil megatons” era que o craque marcara a aposentadoria para dali a dois anos. Acabou sendo verdade parcial, em vista de que a carreira dele teve sobrevida nos Estados Unidos, no New York Cosmos.
A expectativa era para um jogo de recordes. A edição trazia um perfil de página inteira da equipe, então dirigida por Pepe. Na entrevista a Alan Neto, Pelé antecipava. “Vou dizer comigo mesmo. Hoje eu paro. E quando a partida terminar, eu anunciarei oficialmente minha decisão”. (O POVO, 2/12/1972)
O tal jogo mil, porém, teve mais feitos históricos. “Ceará vence o Santos no jogo mil de Pelé”, grita a manchete. Duas fotos ilustravam: o gol de Pelé, que abriu o placar, e o de Da Costa, que fechou. Para O POVO, a presença do Rei superou todas as expectativas e quebrou todos os recordes. Renda de Cr$ 217.571,00, público de 35.752 pessoas no miúdo PV. O POVO destacava que Pelé não fez grande partida, “mas deu para os gastos”. O Santos jogou, então, sem oito titulares, o que “não chega a tirar o mérito da vitória do bicampeão cearense”.
Além de Pelé e Da Costa, o empate veio com gol de Samuel. O Rei foi aplaudido após marcar o gol. E vaiado, quando arrematou chute para fora. Segundo O POVO, o goleiro Hélio foi o craque da partida.
À época, porém, o arqueiro não via tal desafio como intransponível — até por pouco saber quem era Pelé à época. “Eu, muito jovem, não sabia a importância do Pelé. Eu fui criado no Amazonas e vim para Fortaleza tentar jogar futebol. Com 20 anos já estava no profissional do Ceará, contra as feras brasileiras. Acabou que coincidiu do jogo com o Pelé, acabei tratando como um jogo qualquer”, admite, ao O POVO. “Só depois de um tempo foi que eu vim saber a importância da partida. Ganhamos de 2 a 1 como se tivéssemos ganhado do Fortaleza”, confessa, revelando sequer ter tirado uma fotografia no encontro.
Como vencer Pelé não era novidade para o Ceará, a vitória alvinegra dividiu espaço com o Fortaleza 2x1 América-RJ. O Rei disse, inclusive, que a vitória por 2 a 0 do Vovô, gols de Jorge Costa e Erandy, foi “justa e merecida”. Em foto, o novo triunfo do goleiro Hélio sobre o craque santista era destacada.
Quase 50 anos depois, Erandy ainda tem viva a memória do segundo gol da partida que, segundo ele, “fechou o caixão” aos 43 do segundo tempo. “Mesmo com Pelé em campo, era humanamente impossível uma virada”, disse ao O POVO.
No aeroporto Pinto Martins, o repórter Alan Neto recebia a confirmação de que Pelé não voltaria à seleção para a Copa de 1974 — a primeira sem Edson Arantes do Nascimento em 20 anos. A manchete do dia do jogo dizia. “O Santos de Pelé sacode a cidade; Ceará joga longe”. O Estado tinha dois representantes no Nacional, novamente. O POVO chamava o santista de “o rei negro dos estádios, o mais famoso famoso brasileiro em todos os quadrantes do mundo”, antes mesmo da goleada histórica. Como de costume, o Savannah Hotel era ladeado por fãs.
O dia seguinte era quase de rima. “Show de bola e goleada sonora” (O POVO, 24/1/1974). A “genialidade de Pelé esmagou o Fortaleza” naquela que viria a ser a última partida do craque na capital cearense. Mais de 30 mil pessoas encararam “violenta chuva” para ver o Leão ser engolido pelo Peixe. No mesmo dia, Didi — o humorista sobralense Renato Aragão — fechava a Praça do Ferreira com a exibição de “Aladim e a Lâmpada Maravilhosa”.
Pelé é famoso como o homem que fez uma guerra parar para vê-lo. Pois ele talvez seja o único a parar todo o comércio do Cariri para assistir seu espetáculo. O menos documentado dos 9 jogos de Pelé contra times cearenses ocorreu em Juazeiro do Norte, “a Meca do Cariri”, conforme O POVO noticiou. Os prefeitos de Juazeiro, Crato, Missão Velha e Barbalha decretaram feriado. Pelo amistoso contra o Guaraju, o Santos recebeu CR$ 100 mil.
O destaque do O POVO no dia seguinte foram as vaias. “Apesar de vencer por 2x0 ao Guarani de Juazeiro, o Santos, com Pelé, saiu de campo sob grande vaia da numerosa torcida presente ao Romeirão, que não gostou da exibição do famoso time paulista” (O POVO, 4/4/1974, página 1). Foi a última vez do atleta Edson Arantes do Nascimento no Estado.
Pelé não estava cotado para jogar a derradeira partida, segundo O POVO noticiou em 18/7/1974. Mas lá estava ele, aos 33 anos, ajudando o Santos a se classificar no Nacional com o 1 a 1 com o Fortaleza — mesmo rival da primeira partida entre santistas e cearenses, coincidentemente na mesma data, 15 anos antes.
Pelé retornava após 2 meses afastado do futebol por contusão e às vésperas da despedida dos gramados nacionais. O Tricolor abriu o placar com Marciano e esteve próximo de conquistar a primeira e única vitória sobre o Rei do Futebol. Mas, aos 36 minutos do segundo tempo, o craque serviu Cláudio Adão, que empatou a peleja. O Santos seria terceiro colocado daquela edição do Nacional — a última com Pelé.
No dia 2 de outubro daquele ano, contra a Ponte Preta-SP, o Rei do Futebol jogaria a última partida com a camisa do Santos, conforme O POVO (via colunista Alan Neto) antecipou em 1972. (Com Iara Costa e André Bloc)