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Flamenguistas do Ceará no Mundial: loucuras financeiras, casamento em risco e encontro com Zico
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Flamenguistas do Ceará no Mundial: loucuras financeiras, casamento em risco e encontro com Zico

Torcedores cearenses viajam aos Estados Unidos para acompanhar o Flamengo no Super Mundial e compartilham a aventura internacional movidos pela paixão rubro-negra
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Torcedores do Flamengo nos EUA (da esq. para a dir.): Valdemar Filho, Rosário Barata e Aldísio Gomes (Foto: ROSÁRIO BARATA/ARQUIVO PESSOAL)
Foto: ROSÁRIO BARATA/ARQUIVO PESSOAL Torcedores do Flamengo nos EUA (da esq. para a dir.): Valdemar Filho, Rosário Barata e Aldísio Gomes

Três vozes cearenses se misturam ao coro rubro-negro que tem ecoado pelas praças esportivas nos Estados Unidos. Rosário Barata, Valdemar Filho e Aldísio Gomes saíram de Fortaleza para acompanhar o Flamengo na disputa da inédita Copa do Mundo de Clubes. O torneio avança agora para as oitavas de final, mas, para eles, a verdadeira travessia já começou há semanas.

Entre encontros com um ídolo, susto no hotel, tensão com a política migratória local e até mesmo um casamento em risco, os relatos misturam a saudade de casa com loucuras admitidas, sem qualquer vergonha, para testemunhar um capítulo da história do clube do coração. Ao Esportes O POVO, os torcedores relataram as histórias vividas para ver o Flamengo no “Super Mundial”.

Alguns viajaram sozinhos, outros com amigos ou familiares que tiveram que voltar antes. Mas todos ficaram juntos com a embaixada Fla-Fortal — e torceram lado a lado no estádio —, movidos por uma fé que não definiram apenas como clubista, mas também religiosa. À reportagem, até mesmo o aficionado que divide o coração com um clube cearense disse estar se sentindo em casa.

Amor tatuado que impressionou Zico

“Já perdi mulher, dinheiro, gastei o que não tinha. Flamengo é a minha vida. Não sei o que seria de mim sem ele”, conta Rosário Barata, de 35 anos, produtor de eventos do bairro Joaquim Távora e presidente da embaixada de torcedores Fla-Fortal. Sobre o amor perdido, preferiu guardar seus sentimentos e lamentar em silêncio. Sobre o dinheiro perdido, conta como jogou arriscado.

Ele tem se equilibrado entre o encantamento de presenciar a competição que mais parece um jogo de videogame e a conta em dólar que assombra seu bolso, sem divulgar valores. Contudo, além dos jogos, um momento específico já fez sua viagem valer por um simples rabisco acima de outro.

“A loucura tá aqui. Além da loucura financeira, tem o trabalho. São muitos dias sem trabalhar. Estar em outro país, gastando em dólar, pesa muito”, diz. A decisão pesou mais do que o esperado no bolso, mas foi tomada com a paixão de quem não divide o coração com nenhum outro time: “A intensidade com que eu vivo o Flamengo não permite torcer por mais ninguém”, relata.

Com amigos mineiros — que costumam se responsabilizar pela comida — que conheceu em outras viagens do clube, Rosário já rodou parte da América do Sul. Agora, nos Estados Unidos, passou por Miami, Newark e Orlando, enfrentando um clima instável e um idioma que ainda tenta dominar.

“O começo foi complicado para me comunicar, mas a gente desenrola. Já tenho uma certa bagagem de viagens. A comunicação vai acontecendo de algum jeito”, conta.

Na bagagem de volta, traz um momento para emoldurar — ou já emoldurado na pele: o encontro com Zico, seu maior ídolo. “Tenho uma tatuagem em homenagem a ele. Ele viu, tirou foto com o próprio celular, assinou a tatuagem, assinou minha bandeira da Fla-Fortal. Foi muito marcante."

Sobre o ambiente nos estádios, Barata observou que fatores reduziram as lotações, que tinham potencial ainda maior, mas elogiou o funcionamento das operações e a segurança.

“O clima aqui no Mundial está bem tranquilo em relação às torcidas. Zero problema, zero treta. Está sendo um negócio muito massa. Eu acho que poderia ter sido melhor se o governo norte-americano não tivesse intensificado muito as fiscalizações em relação a imigrantes e deportações. Muita gente aqui estava com medo disso, então acabou dando esvaziada nos estádios. De resto, tudo muito bem organizado”, ressalta.

“Arrisquei a paz no casamento”

Valdemar Filho, publicitário e empresário de 36 anos, também investiu alto. Mas a conta emocional quase iguala a financeira. “Rapaz, fiz uma loucura. A gente não conseguiu se organizar direito. Eu vim no início com a minha esposa, mas ela não gosta muito de futebol e voltou para o Brasil. Ficou chateada, claro. Arrisquei a paz no casamento. Espero que ela me deixe entrar em casa quando eu voltar”, relata.

Carioca de nascença, mas morando no Ceará desde os 15 anos, no bairro do Cocó, ele diz ser “rubro-negro de corpo e alma”. Valdemar optou por um estilo mochilão, dividindo custos e aventuras com amigos. “Andamos de metrô, conhecemos várias cidades, fizemos amizades incríveis. Já valeu por isso."

Em campo, se emocionou com a vitória por 3 a 1 sobre o Chelsea. “Foi uma vitória linda, que entra pra história. A ideia não é só contar no futuro, é viver a história enquanto ela acontece. Um passo de cada vez, com muita fé no coração”, explica.

Sonha com uma final contra o Real Madrid: “Sentindo o clima, a torcida e o time, a expectativa é chegar longe. É um jogo de cada vez, o time está crescendo na hora certa. E se for para sonhar, que seja grande. Se fosse escolher um time para enfrentar com certeza seria o Real Madrid. O jogo entre o gigante europeu e o gigante da América ia parar o mundo”.

Em certo momento, seu rosto apareceu em uma das transmissões da partida. “O meu celular explodiu de mensagens. Achei que tinha feito besteira, mas era a galera dizendo que me viu. Foi muito engraçado. A gente segue colecionando momentos”, conta.

Saudade do filho e quarto invadido

Bancário de 40 anos e morador do Lago Jacarey, Aldísio não esconde que a saudade bateu cedo quando chegou nos Estados Unidos. “Estou há vinte dias sem ver meu filho. Ele só tem nove meses. Estou morrendo de saudades."

Ainda assim, diz que não se arrepende. Torcedor do Flamengo, mas também do Ceará, Aldísio já está retornando para casa, mas acredita que o time vai longe e não rechaça retorno à América do Norte em breve. “O Flamengo chega à final. Quero pegar o City. Faço até um bate e volta novamente para ver esse jogo”, prometeu.

Sua experiência pelos Estados Unidos teve imprevistos: o quarto de uma amiga foi invadido em Orlando e as cervejas pesaram no bolso. “Só levaram a carteira com dinheiro e cartões dela, era no hotel ao lado do meu. Ela tinha saído para comprar bebida. O preço da cerveja no estádio era a única parte ruim, mas a partir do segundo jogo a gente já deu um jeitinho nisso aí."

Passou por várias cidades, levou roupa de frio para Nova York, mas nem usou, e mergulhou na mistura de fast food, restaurantes brasileiros e churrascarias americanas. “Se estiver disposto a pagar o triplo do que em Fortaleza, dá para comer bem."

E destaca o que mais o impressiona: “Cada vez que venho aqui aprendo mais sobre educação. Eles respeitam a fila, o transporte funciona. Faz inveja”, completa.

Dessa vez, não conseguiu encontrar Zico, mas tem fé que o verá em Fortaleza ainda este ano. Enquanto isso, coleciona pequenas glórias. “Em 2019, fui eu quem gritou para o Diego lançar a bola da virada do Gabigol contra o River Plate. Todo mundo viu. Agora, achei dez dólares na estação de trem e apareci na televisão. Estou rico e famoso."

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