O Botafogo cobra do Lyon, da França, valores referentes a negócios acertados sobre Luiz Henrique, Igor Jesus, Jair, Thiago Almada e Jefferson Savarino. Além do argentino (por empréstimo), nenhum deles foi para o clube francês, mas a cobrança é mais um capítulo da briga entre John Textor e a Eagle Football Holdings, rede do empresário americano da qual o time brasileiro faz parte.
Em nota publicada na noite desta segunda-feira, a SAF do Botafogo confirmou as cobranças, sem citar os atletas, e atribuiu a falha na operação de caixa integrado à Direção Nacional de Controle de Gestão (DNCG), que ameaçou punir o Lyon por problemas financeiros.
"Tornou-se necessário formalizar, por vias legais, que o atual desequilíbrio financeiro entre as entidades aponta para a necessidade de reembolso à SAF Botafogo por valores anteriormente emprestados", diz um trecho.
A nota ainda diz compreender que houve necessidade de apoio entre os clubes do mesmo grupo, antes de o Lyon recorrer a um investidor externo. No entanto, a SAF do Botafogo enfatiza que "tais investimentos não seriam necessários caso o OL (Olympique Lyonnais) consiga honrar com os reembolsos devidos."
A notificação enviada ao Lyon argumenta que o Botafogo venderia os atletas citados ao clube francês, mas não houve conclusão dos negócios por causa da proibição na inscrição de novos jogadores. O veto decorria de dívidas. Então, foram feitos outros negócios, com valores abaixo dos que seriam pagos ao Botafogo, e as quantias repassados ao caixa dos franceses.
Segundo revelado pelo jornal O Globo, Thiago Almada, Igor Jesus e Jair teriam sido negociados com o Lyon por, respectivamente, 27 milhões de euros (R$ 171 milhões), US$ 43 milhões (R$ 236 milhões) e 20,9 milhões de euros (R$ 132,8 milhões). As cifras são maiores do que Atlético de Madrid pagou pelo argentino, e Nottingham Forest, pelos brasileiros.
A notificação ainda cita Savarino, negociado por 7,6 milhões de euros com o Lyon em março deste ano. O venezuelano, contudo, continua integrando o elenco botafoguense e foi titular na partida contra o Cruzeiro no fim de semana.
Não são citados valores referentes a Luiz Henrique. O Zenit pagou 35 milhões de euros (R$ 216 milhões) pelo atacante. O Botafogo cobra do Lyon cerca de R$ 410,2 milhões pelos repasses e prejuízo citado e espera receber em até 30 dias a partir da notificação, que teria sido enviada em 18 de julho.
Em paralelo à cobrança do Botafogo, executivos da Eagle Football Holdings processam John Textor na Justiça do Rio. A empresa afirma que o empresário tomou "medidas ilícitas" no comando do Botafogo e cobra pela suspensão dos atos do americano.
Entre as ações, estaria a abertura de uma empresa nas Ilhas Cayman, para onde Textor iria transferir todos os ativos do Botafogo. O arquipélago caribenho é conhecido por ser um paraíso fiscal. Segundo a Eagle, Textor não tem poder para tais decisões, sem aval do diretor da empresa, Christopher Mallon.
Isso porque o advogado escocês teria sido escolhido pelos executivos após "equívocos na administração" do americano. Os acionistas do grupo têm poder para isso por deterem 90% das ações da SAF do Botafogo.
O percentual foi dado por Textor como garantia para um empréstimo de US$ 425 milhões (R$ 2,3 bilhões), utilizado para comprar o Lyon, em dezembro de 2022, oito meses após a compra do Botafogo.
Entretanto, a Justiça do Rio já havia congelado as ações da Eagle na SAF do Botafogo e obrigado a empresa a pagar R$ 152,2 milhões ao clube. A decisão conferiu estabilidade a Textor para se manter no controle do time alvinegro.
O motivo desta ação era uma cobrança da SAF por uma dívida de 23 milhões de euros (R$ 152 milhões). O empréstimo, porém, foi assinado pelo próprio Textor, em nome da Eagle, em 2024.
A crise entre as partes decorre das punições ao Lyon. A saída de Textor foi uma exigência da DNCG para não rebaixar o clube. Também foi preciso injetar 100 milhões de euros nos cofres do clube, movimento apoiado por todos os acionistas, menos Textor.
O americano renunciou ao comando do clube e nomeou o alemão Michael Gerlinger como CEO, e a sul-coreana naturalizada americana Michele Kang, dona do time feminino, como presidente. Foram eles os responsáveis por agir politicamente e evitar o descenso para a segunda divisão.
Textor assumiu o controle da SAF do Botafogo em abril de 2022. Além de tomar a dívida do clube associativo, ele também se comprometeu a investir no time carioca para alavancar o negócio. O empresário americano também é dono do RWDM Brussels, da Bélgica, e recentemente vendeu suas ações do Crystal Palace, da Inglaterra, onde era sócio minoritário.
John Textor se movimenta agora para "recomprar" o Botafogo e tirá-lo da Eagle, assim como o RWDM Brussels. Seu entendimento é de que o clube carioca estaria financeiramente mais saudável fora do grupo, que não aceita vender a SAF ao próprio Textor por entender que ele seria "o vendedor e o comprador" no negócio.
O Grupo Eagle relatou um prejuízo de 90 milhões de euros (R$ 587,9 milhões) e prevê um déficit financeiro muito significativo em balanço divulgado em 28 de julho.
No caso do Lyon, um dos problemas foi a queda na arrecadação com direitos de transmissão: de 95,4 milhões de euros em 2022/23 para 45,7 milhões de euros em 2023/24. O novo acordo da Ligue 1 com DAZN e BeIN Sports - cerca de R$ 3 bilhões anuais por cinco temporadas - ficou aquém do esperado. A liga francesa se desvalorizou após as saídas de astros como Messi, Neymar e Mbappé.
No Brasil, outro fator que gera dúvidas sobre o futuro do Botafogo é a falta de transparência em 2025. Apesar de o clube ser o atual campeão da Libertadores e do Brasileirão, a SAF alvinegra ainda não publicou seu balanço financeiro, cujo prazo se encerrava em abril.
Durante a apresentação do técnico Davide Ancelotti, Textor afirmou que a divulgação não ocorreu porque documentos confidenciais da SAF estavam sob análise para a abertura de um IPO (Oferta Pública Inicial) na Bolsa de Valores de Nova York. Com a "recompra" do Botafogo, a tendência é que o processo demore ainda mais.
Em meio à turbulência envolvendo John Textor e o controle da Eagle Football, a direção do Taubaté, clube do Vale do Paraíba, em São Paulo, fez uma grave denúncia nesta terça-feira. O clube paulista acusa a SAF Botafogo e a holding internacional comandada pelo americano de simulação de transação fraudulenta e sonegação fiscal na venda do atacante Vitor Sapata para o futebol europeu.
Vitor Sapata tem 22 anos e iniciou sua trajetória nas categorias de base do Taubaté, onde ficou entre 2020 e 2022, quando disputou a Copa São Paulo de Futebol Júnior. Após empréstimo ao Botafogo, ele teve seus direitos adquiridos parcialmente em 2023 Em 2024, foi anunciado como reforço do RWD Molenbeek, da Bélgica, sem que qualquer repasse financeiro fosse feito ao clube formador.
A polêmica gira exatamente em torno da venda de Sapata ao clube belga também pertencente à Eagle Football. O atacante foi revelado pelo Taubaté e teve 30% de seus direitos econômicos preservados pelo clube na negociação, efetivada em 2023. A compra custou apenas R$ 300 mil à SAF Botafogo, que teria assinado um contrato com o atacante com vínculo até 2026, com multa rescisória estipulada em 70 milhões de dólares - perto de R$ 385 milhões em valores atuais.
Ao ser questionado recentemente sobre o repasse da venda ao clube paulista, a SAF Botafogo informou que a transferência do jogador à Europa "não envolveu valores", o que, na prática, deixaria o Taubaté sem qualquer compensação.
"Uma venda de um atleta de um grande clube brasileiro para a Europa 'de graça'", ironiza o Taubaté em nota oficial. "Compreendemos isso como uma simulação de transação e uma tentativa de prejudicar o clube, além de caracterizar infração à ordem tributária."
O comunicado ainda alerta que não é o primeiro clube brasileiro a ser lesado por esse tipo de movimentação e promete buscar os valores devidos administrativa e judicialmente, mantendo o entendimento de que ainda detém os 30% dos direitos econômicos de Vitor Sapata.
"As atitudes da SAF Botafogo não atingem apenas os clubes de origem de seus atletas, mas ferem o direito de clubes que integram a própria Eagle Football", reforça a nota.
Esta acusação surge em um momento delicado para a Eagle Football A holding criada por John Textor passa por uma ruptura interna, na qual o executivo norte-americano tem sido gradativamente afastado do controle dos clubes da rede, como o Lyon, da França, o Molenbeek, da Bélgica, e o próprio Botafogo.
No caso do Lyon, na França, Textor foi retirado da presidência após um acordo que garantiu a permanência do clube na elite francesa, mesmo em crise financeira. Empresas investidoras como Ares, Michele Kang e Iconic Sports, que ajudaram na estabilidade do clube, hoje detêm 40% das ações da Eagle e exigiram o afastamento do empresário. Ele já foi desligado.
No Brasil, a SAF Botafogo também vive clima de instabilidade, enfrentando ações judiciais, atrasos em compromissos e uma potencial revenda em meio à temporada. A venda 'gratuita' de atletas entre clubes da Eagle reforça suspeitas de que há articulações internas para manter jogadores circulando entre mercados europeus, sem prestação de contas a terceiros ou ao fisco.