O Centro Cultural Dragão do Mar recebeu na tarde desta quinta-feira, 18, seminário sobre LGBTfobia nos estádios de futebol. O evento trouxe uma roda de conversa com membros de coletivos organizados do Estado e apresentou dados do Anuário do Observatório da LGBTfobia no Futebol de 2025. O debate integrou o 2º Festival da Diversidade do Ceará.
Em painel intitulado "A pluralidade dentro e fora dos estádios: a diversidade e sua expressão no futebol", o seminário recebeu representantes nacionais e regionais de coletivos organizados e iniciativas LGBTQIA+ para a palestra.
Regis Alves Pires, presidente da Associação Nacional das Torcidas Organizadas (Anatorg), comentou o papel dos torcedores organizados no combate a LGBGTfobia e outros tipos de preconceito. Segundo ele, o papel de conscientização do adepto deve ser reforçado via campanhas de instituições como clubes e federação.
"É importante fazer com que os puxadores das torcidas organizadas, também, possam estar presentes, para que ele tenham entendimento e busquem ter esse olhar de não inserir cânticos homofóbicos, racistas, preconceituosos nas letras dos gritos de incentivo aos jogadores, ao clube, na arquibancada. Não é algo imediato, gera um processo. Sabemos que quando se busca inserir a educação, é um processo a longo prazo. A rivalidade está ali nas quatro linhas, em campo, precisamos compreender que a sociedade está em transformação e entre essas transformações, o respeito às diferenças é fundamental", afirma.
"Se fazem necessárias, como esse seminário aqui, campanhas que indiquem essa reeducação do torcedor e da torcedora. O Ceará Sporting Club promoveu no início de 2025 um seminário similar a esse que estamos participando. É fundamental que possa partir dos clubes, das federações, e assim fazer com que as torcidas organizadas estejam inseridas nesse combate de todas as formas de preconceito que se tem no contexto do futebol", complementa.
Onã Rudá, presidente da LGBT Tricolor Bahia e do coletivo Canarinhos LGBTQIAP+ do Brasil, conversou sobre os avanços que o grupo conseguiu desde sua criação, em 2020.
"O que percebo serem as principais conquistas que a gente teve no último período foi essa ampliação da punição a partir da Justiça Desportiva. Até o nosso surgimento e a primeira denúncia que a gente viu, em 2020, nenhum clube no Brasil tinha sido punido no STJD por atos de LGBTfobia praticados pela sua torcida, pelo seu elenco ou pelos seus dirigentes. E, depois desse episódio, nós passamos a denunciar outros episódios e virou uma cultura que a própria CBF depois acatou, com um protocolo que a gente sugeriu. E hoje a gente tem bastante casos citados em súmula ou denunciados por nosso coletivo", explica.
O palestrante prosseguiu, afirmando que as punições por atos preconceituosos podem ser um caminho inicial para a conscientização, mas não o único. Segundo ele, multas e jogos sem torcida devem ser a porta de entrada para um entendimento coletivo, e não uma causa isolada.
"Acho que a gente precisa humanizar o debate. Se for só porque o clube não pode ser punido, não conscientiza, não quebra paradigma, não muda, não transforma. Pode ser um ponto de partida, mas precisa preencher isso de mais conteúdo para não ser só: 'Ah, meu clube não pode ser punido'. Por que não pode? Pode sim. É punido por tantas outras coisas", comenta.
"O clube pratica tantas outras coisas absurdas também, como crime fiscal, então, por que não pode ser punido? Pode sim. Visto que haja algo errado, pode, sim, ser punido. Agora, se isso é um ponto de partida que possibilita a gente a começar um diálogo com um torcedor que não tem contato nenhum com a pauta LGBT, mas que pode começar a ter a partir disso, massa. Mas não pode ficar só aí", complementa.
A torcedora Talita Maciel, participante do coletivo Resistência Feminista Tricolor, contou um pouco da sua experiência envolvendo idas ao estádio. A palestrante questiona a falta de ações vindas do próprio clube, afirmando que a comunidade LGBTQIA+ ajuda a sustentar a instituição, mas não é valorizada pela mesma.
"Sou uma pessoa que financia o Fortaleza e eu não me vejo representada nas indumentárias. É óbvio que gosto de usar a do Outubro Rosa, fazer campanhas como a gente faz da resistência, a do 8M, em prevenção, em combate à violência contra a mulher. Mas aí fico pensando: qual o dia que vou poder usar a camisa LGBT do Fortaleza? Porque financio o Fortaleza. Eu financio, inclusive, as campanhas", afirma.
"A camisa do Outubro Rosa do Fortaleza esgotou, acho que em dois dias, do Fortaleza, desse ano inclusive. E aí fico pensando: será que a gente não tem LGBT suficiente para comprar a camisa do Fortaleza se fosse lançada em junho? É muito simbólico eles utilizarem o chamado “pink money” para fazerem outras coisas", complementa.
Representando o coletivo Vozão Pride, Francisco Apoliano comentou sobre os recortes das minorias em um ambiente machista e patriarcal, como o futebol masculino, e sobre as questões que envolvem gritos homofóbicos em comemorações efusivas.
"Um dos principais desafios, além desse desafio externo da sociedade, é ter a questão da segurança e ter a questão mesmo de você se sentir seguro justamente dentro desse recorte. Porque uma coisa é eu me sentir seguro se sou um homem cis gay. Outra coisa é se sou um homem cis gay, mas sou negro. E aí, quando a gente vai fazendo os recortes, uma mulher trans, um homem trans, a coisa já entra num nível a mais", conta.
"É uma vertente de muita importância a gente ter realmente a punição, essa cobrança, não só da torcida organizada, ou dos entes públicos e tudo mais. A gente também tem que entender onde é que entra a liberdade do que falo, de como eu me expresso, e onde é que entra a responsabilidade", explica.