Dores no corpo, boca seca, sensibilidade à luz e ao som, náusea, falta de concentração e irritabilidade. Depois de um dia de festa, com direito a muita bebida, é comum a chegada desses e de outros sintomas desagradáveis que acompanham a temida ressaca. Mas você sabe por que ela acontece? Uma das principais explicações apontadas por especialistas contatados pelo O POVO é a intoxicação do corpo causada pelo acúmulo de acetaldeído — um subproduto do álcool — na corrente sanguínea.
"Quando bebo álcool e ele cai na minha corrente sanguínea, se eu não beber em uma quantidade excessiva, meu fígado consegue depurar. Nosso fígado consegue depurar em torno de uma dose de bebida, que daria mais ou menos 300 ml de cerveja, a cada hora. Quando ultrapasso esse limite, começo a acumular uma substância chamada de acetaldeído e gero uma intoxicação por esse metabólico tóxico", explica Bruno Cavalcante, médico clínico, professor da faculdade de Medicina do Centro Universitário Christus (Unichristus) e preceptor da residência de clínica médica do Hospital Geral de Fortaleza (HGF).
Outra explicação, de acordo com o hepatologista Milton Lima, professor titular da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Ceará (UFC), é que o álcool em excesso, em algumas pessoas, altera o sistema imunológico. "Nessa alteração, são liberadas substâncias que chamamos de citocinas, que também vão causar dores, irritação, dor de cabeça e palpitação", afirma.
Alguns dos sintomas da ressaca — como boca seca, mal-estar, fraqueza, dor de cabeça e dor no estômago — são resultado da desidratação. Esta, por sua vez, é causada pela falta de ingestão de água e pelo aumento da diurese quando se ingere cerveja, por exemplo, segundo explica Cavalcante. Por isso é importante alternar as doses de bebidas alcoólicas com copos de água.
Para evitar os sintomas no dia seguinte, porém, não há receita milagrosa. A primeira dica dos médicos é não beber tanto. Além disso, é indicado alimentar-se com comidas leves, não fazer uso associado de outras drogas e dormir pelo menos de seis a oito horas após o consumo. Tomar medicações antes de beber para evitar futuros efeitos do álcool também não tem eficácia comprovada, segundo o clínico geral.
"(Há) pessoas que gostam de tomar paracetamol para evitar a dor de cabeça. Ele também é metabolizado pelo fígado. Se eu jogo uma droga que pode danificar um pouco a minha célula hepática e ainda boto álcool, vou estar dando dois fatores de piora da função hepática. Isso pode acelerar mais ainda o processo de cirrose, de hepatite", alerta.
Ao contrário do que muitos imaginam, de acordo com o hepatologista Milton Lima, misturar tipos diferentes de bebida não influencia na ressaca. A questão principal é a quantidade de álcool ingerida. Segundo informações disponíveis na Biblioteca Virtual em Saúde da Atenção Primária à Saúde (BVS APS), "a Organização Mundial de Saúde (OMS) considera um consumo máximo de 21 unidades de álcool por semana para homens e de 14 unidades de álcool para mulheres".
Cada unidade equivale a dez gramas de álcool e, como valor de referência, considera-se que uma lata de cerveja é o equivalente a 1,7 unidades; 90 ml de vinho, a 1,1 unidades, e 35 ml de destilados, a duas unidades de álcool. Um bebedor excessivo episódico, de acordo com a BVS APS, é considerado aquele que ingeriu quantidade superior a dez unidades, para homens, e superior a sete unidades, para mulheres. A razão para a quantidade ser menor para as mulheres, segundo o hepatologista, é a ação dos hormônios femininos sobre o metabolismo da substância.
Porém, uma característica da bebida que pode influenciar nos sintomas posteriores é a cor. As mais escuras podem dar mais ressaca por terem mais congêneres do que as bebidas claras. "O whisky bourbon, que é um pouquinho mais escuro, tem muito mais chance de causar ressaca do que uma vodka ou uma cachaça. Essas bebidas mais escuras fermentam mais e têm algumas substâncias que contribuem mais para a ressaca", aponta Lima.
Para além dos males do dia seguinte, deve-se ter cuidado com o consumo de álcool em excesso pelos diversos efeitos que ele tem no organismo a longo prazo. Podem ser afetados, por exemplo, o fígado, o pâncreas, o sistema nervoso central e o sistema digestivo. "O etanol passa tranquilamente por todas as barreiras, ele penetra no sistema nervoso rápido. Ele por si só não é tóxico, mas (com) o uso excessivo, você começa a ter risco de doença", aponta Glauber Ferreira, neurologista da Clínica da Memória.
"Uma ressaca em si não vai matar neurônios, mas o consumo habitual de álcool vai ser, provavelmente, nocivo", afirma. A longo prazo, o neurologista explica que o excesso de álcool pode provocar demência. Além disso, ele afirma que o consumo de álcool é fator de risco para crises convulsivas. "As pessoas têm que tomar cuidado, especialmente quem não é consumidor habitual. De repente exagera, em uma dessas (vezes), pode ter uma convulsão e aí sim pode ter consequências mais graves. Sem falar do óbvio: beber e não dirigir", finaliza Ferreira.
Sobre a ressaca
Como evitar aquele mal-estar
Estou de ressaca, e agora?
Fontes: Bruno Cavalcante, médico clínico; Glauber Ferreira, neurologista, e Milton Lima, hepatologista.
Excesso de álcool: impactos a longo prazo
Fígado
Responsável por diversas funções, com o tempo e o aumento do consumo de álcool, o fígado pode ter sua função desviada para metabolizar a substância. Como consequência, pode-se desenvolver gordura no fígado, hepatite alcoólica e cirrose.
Pâncreas
Pode ser comprometido pelo uso de álcool e, como consequência, pode-se desenvolver pancreatite aguda e, ao continuar consumindo bebidas alcoólicas, podendo chegar a pancreatite crônica.
Sistema nervoso central
Pode-se ter alterações de memória, demência e alterações em nervos, causando dormência. O consumo de álcool também é fator de risco para crises convulsivas, mesmo em quem não tem histórico.
Sistema digestivo
O consumo em excesso pode levar a gastrite, refluxo e úlceras, além de causar danos na absorção de nutrientes, principalmente vitamina B12.
Fontes: Bruno Cavalcante, médico clínico; Glauber Ferreira, neurologista, e Milton Lima, hepatologista.
Como se dá a ação do álcool no organismo
1: Ingestão em excesso de bebida alcoólica
O fígado consegue depurar uma unidade de álcool — o equivalente a 10g de álcool, segundo informações disponíveis na Biblioteca Virtual em Saúde da Atenção Primária à Saúde (BVS APS) — por hora. Ao exagerar na bebida, o acetaldeído, um subproduto do álcool, acumula-se na corrente sanguínea;
2: Acúmulo de acetaldeído na corrente sanguínea
Muito dos sintomas, como náusea, mal-estar e dor de cabeça podem ser causados pela exposição a esse metabólito tóxico;
3: Hipoglicemia (nível baixo de açúcar)
A metabolização do álcool ocorre no fígado, que também participa no metabolismo da glicose, como a células do fígado estão ocupadas na depuração do álcool, há queda dos níveis de glicose para várias locais do organismo, causando fraqueza, sonolência e mal estar;
4: Desidratação
O etanol reduz a produção do ADH (hormônio antidiurético), levando ao aumento da diurese e fazendo com que grande parte da água que passa pelos rins seja eliminada na urina. Isso pode levar à desidratação e causar sintomas como sede, boca seca, irritação e dor de cabeça.
Fontes: Bruno Cavalcante, médico clínico, professor da faculdade de Medicina do Centro Universitário Christus (Unichristus) e preceptor da residência de clínica médica do Hospital Geral de Fortaleza (HGF) e Biblioteca Virtual em Saúde da Atenção Primária à Saúde (BVS APS)