Pais e educadores precisam entender que racismo é crime previsto em Lei. Não se trata de uma brincadeira ou piada de mau gosto. Por tanto, é importante que as crianças saibam disso. Como, então? Com diálogo. Mais: ser exemplo com atitudes e aliado na luta antirracismo. É preciso sempre repreender comportamentos discriminatórios e deixar nítido as consequências do ato, caso o pequeno fosse adulto. Da mesma forma que ensinam que é errado matar e roubar.
Consultora internacional em educação, Pâmela Gaino destaca a necessidade de conhecer a história. “Poucas crianças brancas conhecem as belezas naturais do continente africano. Eles vão ter a visão assistencialista. Jamais os elementos da beleza, da economia. Quando a gente fala da luta antirracista precisamos reconhecer essa história e (a história) dos atores negros responsáveis por ela”, reflete a autora do livro Sou Linda Assim, publicado pela Editora Demócrito Rocha.
A partir de uma parceria do Governo Federal e da Organização das Nações Unidas (ONU), Pâmela coordena projeto educacional em uma escola da Guiné-Bissau, na África Ocidental. A consultora lembra que é omitido da história os grandes líderes que combateram a escravidão, a parte da defesa e luta negra. Por isso, é mais difícil para as pessoas brancas entenderem. Já que só relacionam com a parte negativa.
“Quando uma criança, dentro de uma escola, é mais valorizada pela outra porque a pele (dela) é clara ou (porque) o cabelo é liso, elas vão absorvendo essas informações. As crianças precisam ter estímulos de igualdade. Serem colocadas com quem ter a cor de cabelo, o fenótipo e o físico diferentes.”
Professora da Faculdade de Educação da Universidade Federal do Ceará (UFC), Sandra Petit frisa que tendências para atos racistas começam muito cedo. Para a especialista em africanidade e coordenadora do Núcleo das Africanidades Cearenses, há dois ambientes nesta discussão: o de casa e o da escola. No primeiro, sugere investir em jogos, literatura. Além de estimular e fortalecer o consumo de artistas e da economia do negro. Ela cita as Feiras dos Negros, em Fortaleza, que devido à pandemia do novo coronavírus está suspensa.
Nas escolas, cita Petit, não é justificável que os temas relacionados à africanidades não seja trabalhado. Além do material disponibilizado fisicamente nas unidades, a internet deve ser aliada. Com as aulas remotas, em tempos de pandemia, ela sugere brincadeiras e danças africanas. Pontua a capoeira como exemplo.
“Dá para encontrar muitos materiais que servem para esse manuseio de objetos simbólicos. Além de brinquedos que as crianças utilizam e que tem a ver com a cultura e identidade negra. É preciso que se torne natural e não algo tão excepcional e somente de pessoas que militam pela causa.”
Professora na Escola de Ensino Fundamental e Médio (EEFM) Professor Aloysio Barros Leal, no Grande Jangurussu, localizado na periferia de Fortaleza, Camile Baccin decidiu mostrar a quantidade de mulheres negras que escrevem não só literatura, mas filosofia, sociologia e que contribuem para o pensamento crítico e decolonial. Isso porque, como a mestre diz, há muito anda antenada com a Lei Federal 10.639/2003, que estabeleceu a obrigatoriedade do ensino da história e da cultura afro-brasileira nas escolas.
O Projeto Vozes Mulheres estava previsto apenas para o 3º ano do Ensino Médio, mas os resultados chegaram em outras turmas, que pediram à professora que aplicassem também. A iniciativa homenageia a escritora mineira Conceição Evaristo. O primeiro conto trabalhado foi o Olhos D’água. Após a discussão sobre o texto, os alunos fizeram trabalhos artísticos e releituras sobre os assuntos.
“Eles se identificaram com as histórias porque pareciam com o que viviam suas mães, tias e avós. O lugar de fala é deles. Eles se empoderam quando eles se veem no texto. Era menino lendo em todos os espaços da escola e fora. Postando trecho nas redes sociais. Eles levaram para casa e leram para as mães. Muitas delas se emocionaram.”
A professora de literatura diz que as unidades de ensino ainda negligenciam a Lei 10.639. Para ela, ainda é preciso, de fato, inserir os conteúdos no currículo escolar, nos projetos políticos-pedagógicos. Além de interdisciplinar e transdisciplinar o material. “As escolas fingem que isso não existem. Fazem vista grossa e estereotipam. No dia 20 de novembro, fazem alguma apresentação de capoeira ou remetem alguma discussão ao racismo ou à escravidão. Porém, não é trabalhado ao longo do ano, não é repensado como os professores vão trabalhar em suas aulas” analisa.
O trabalho gerou frutos: Conceição Evaristo, a homenageada pelo Projeto, esteve na escola durante a Bienal do Ceará em 2019. Recebeu algumas das releituras feitas em sala de aula pelos próprios estudantes. As outras atividades devem ser publicadas em uma coletânea. Para conseguir a visita da escritora, Camile foi à Festa Literária Internacional de Paraty no ano passado e fez uma verdadeira romaria até encontrar Conceição. Na oportunidade, fez o convite para a visita.
“A identidade negra não se resume a questão da subalternidade para qual foram submetidos. Essa foi uma mazela. Um trauma histórico que carregamos e que deixou profundas marcas no País. Mas o protagonismo negro a se dá nas revoltas, na engenharia, na agricultura, na questão das minas gerais, com os minérios. Eles contribuíram com a riqueza do país. Mais que do que contribuíram, ergueram boa parte da nossa riqueza.”
Sandra Petit, professora da Faculdade de Educação da Universidade Federal do Ceará (UFC), trabalha com africanidade e coordena o Núcleo das Africanidades Cearenses.
"Não discute Ideb (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica) sem discutir racismo. Não se discute avanço educacional sem trabalhar a autoestima da criança negra. O racismo está ligado diretamente ao processo de ensino-aprendizagem."
Benilda Brito, pedagoga, mestre em Gestão Social, professora da Pontifícia Universidade Católica em Minas Gerais e membro titular do Grupo Assessor da Sociedade Civil da ONU Mulher. Declaração durante entrevista para o Canal Preto, no Youtube.
“O problema é que a gente acha que a educação sempre tem um papel transformador e emancipador. E não é exatamente assim. Então, começo com uma afirmação que pra mim como educador é muito difícil: se não fosse a educação, o racismo não teria como se reproduzir. O racismo faz parte de todos os projetos e processos educacionais.”
Silvio Almeida, advogado, professor universitário, doutor em Filosofia e Teoria Geral do Direito e bacharel em Filosofia pela Universidade de São Paulo (USP) durante palestra no Centro de Formação da Vila
“Uma criança que convive com um pai ou educador que é antirracista raramente terá atitudes racistas. A educação das crianças está muito conectada com os fatores de onde os adultos estão inseridos. Quando os adultos tratam diferente uma criança pela cor da pele, pelo cabelo ou a colocam em padrão de superioridade, você já abre um leque de fomento ao racismo.”
Pâmela Gaino, autora do livro Sou Linda Assim, consultora internacional em educação, coordena projeto de desenvolvimento social na área em Guiné-Bissau, parceria entre o Governo brasileiro e a Organização das Nações Unidas (ONU)
"Apesar do meu pavor, do meu medo, dos números alarmantes, eu não ouso perder a esperança e fico elaborando o tempo inteiro uma maneira de criar os meus filhos aqui, no Brasil, no meu país. Fico pensando em como criar crianças doces em um país tão ácido. Como criar crianças que acreditem que pluralidade e diversidade são riquezas num país que é tão plural, tão diverso, e que é tão desigual. [..] Como não permitir que elas enfrentem o mundo de maneira ingênua para que não sejam atropeladas pelo racismo que existe na estrutura do nosso País".
Taís Araújo, primeira atriz negra a ser protagonista de novela brasileira e mãe de um garoto de 8 anos e de uma menina de 5 anos durante palestra do Tedx Talks
Sou Linda Assim (Pâmela Gaino )
Meu crespo é de rainha - bell hooks (Boitempo/ Boitatá)
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O comedor de Nuvens (Heloísa Pires Lima)
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