Em tempos de retomada de trabalho presencial em meio à pandemia, um termo ganhou força na sociedade: híbrido. A origem da expressão, porém, é na genética. Se no meio da crise sanitária a palavra serviu para designar um modelo laboral que combina características remota e presencial, na biologia ela aponta seres com uma linhagem com progenitores de raças, variedades, gêneros e até espécies distintas.
O exemplo mais óbvio da sociedade são os muares: a mula/burro e o bardoto/bardota. Oriundos da cruza entre equinos (cavalos e éguas) e asininos (jumentos e jumentas, também conhecidos como asnos ou jegues), são animais fortes, usados para montaria, tração e carga. Os muares, como a ampla maioria dos híbridos, é estéril. Ou seja, não se reproduz. Ainda assim, pelos hábitos sexuais semelhantes e pela utilidade para os humanos, eles são bem difundidos no Brasil.
A cruza de diferentes espécies da família Equidae (equinos) remonta a muitos séculos atrás. Segundo pesquisa liderada por Andrew E. Bennett e publicado na revista Science, os primeiros casos de hibridismo animal feitos pelo homem remontam à Idade do Bronze, entre 3.300 a.C. e 1.200 a.C. na Sírio Mesopotâmia.
O animal em questão era o kunga, um ancestral dos burrinhos. Segundo análises genéticas, eles eram a cruza de éguas com asnos selvagens. De acordo com textos da região de Diyala e do reino de Ebla, eles eram responsáveis por rebocar vagões de nobreza e veículos de quatro rodas, eles eram vendidos por preço seis vezes maior que os burros, menores e com origem mais domesticada.
"Isso tem muito a ver com a presença de muitos animais da mesma família, do mesmo grupo filogenético, que compartilham o mesmo espaço geográfico, o mesmo nicho, e tem comportamentos reprodutivos semelhantes", explica a bióloga-marinha Sandra Beltran-Pedreros, que aponta que, na maioria dos casos, os híbridos fazem parte de um cenário natural.
Sandra ressalta ainda que, apesar do hibridismo que mais chama atenção ser o inter-espécies, o cenário é mais comum entre sub-espécies, como as variedades do boto-cor-de-rosa amazônico (Inia geoffrensis geoffrensis) e o boto-cor-de-rosa da bacia do Orinoco (Inia geoffrensis humboltiana).
Quando os animais vivem em cativeiro, em que o habitat natural é substituído por um bioma controlado, os casos tendem a ficar mais curiosos. O mais famoso é o do "maior felino do mundo". Tigre? Não, o ligre!
Cruza da tigresa com o leão, o bichano não tem o inibidor de crescimento de tigres e mantém o fator dos leões, resultando em um animal imenso. Em Miami vive Hercules, um ligre de 418kg. Leões costumam chegar a 225kg, enquanto tigres podem chegar até 300kg.
A bióloga alerta que, por serem exceções, os híbridos exotrópicos não representam grande perigo de desequilíbrio para o ambiente. "A maioria deles é estéril. O problema é que você não conhece nada sobre temperamento, biologia, o que potencializa todos os fatores dominantes. O ligre é muitíssimo maior que os pares, mas o que se sabe é que é um animal mais dócil, tranquilo", argumenta, citando ainda que não se conhece o comportamento de um bicho do tamanho dele na natureza.
Híbridos, fascinantes como são, seguem sendo algo comum. Os humanos dominaram o hibridismo com plantas, manipuladas geneticamente a partir do interesse dos humanos.
E antes que dê vontade de "brincar de Deus" misturando os animais, vale lembrar dos preceitos de bioética. A vida de um animal exceção pode ser muito prejudicada e a saúde deles pode já ser naturalmente frágil. E, lembremos sempre, um bicho não é um brinquedo de humanos. (Com informações de Catalina Leite)
Outros gêneros
Existe uma classificação, chamada de F1 ou Tulu, para a cruza de camelo-bactriano e dromedário. Há ainda registro por inseminação artificial de uma "cama" (camelo lhama).
Caninos podem se reproduzir entre si, com registros de chacal com lobo (huskal), coiote com cachorro (coycão), lobo com cão (wolfdog) e lobo com coyote (coywolf)
Além dos grandes felinos, até gatos domésticos têm híbridos com gatos selvagens, como a jaguatirica e o serval
Entre cetáceos, existem alguns registros. Há o "wholpin", golfinho nariz de garrafa falsa-orca. Os golfinhos-roazes e o boto-cinza são outro exemplo. Em intra-espécies, há casos entre boto-cor-de-rosa amazônico (Inia geoffrensis geoffrensis) e o boto-cor-de-rosa da bacia do Orinoco (Inia geoffrensis humboltiana)
Lista de combinações mais comuns entre espécies diferentes
Equinos
Égua jumento = burro
Mula cavalo = bardoto
Égua zebra = zebralo
Zebra jumento = zebrasno
Grandes felinos
Tigresa leão = ligre
Leoa tigre = tigreão
Leoa leopardo = leopon
Leoa jaguar = jagleão
Puma leopardo = pumapardo