Uma nova trend entre adolescentes tem viralizado nas redes sociais nos úlitmos meses: inalar pó de corretivo líquido como um tipo de simulação do uso de drogas. Alguns casos da prática já foram notificados em escolas de São Paulo, Paraná e Santa Catarina, gerando preocupação a respeito dos malefícios à saúde dos adeptos.
A Associação dos Professores de Estabelecimentos Oficiais do Ceará (Apeoc) e o Sindicato de Escolas Particulares do Ceará informaram que nenhum caso foi notificado até o momento no Estado. O POVO também entrou em contato com a Secretaria da Educação do Ceará (Seduc), a qual informou que não há registro do tipo na rede estadual.
"Pode acontecer um broncoespasmo, que é uma situação parecida com a da asma. Pode acontecer até mesmo uma reação anafilática, se a pessoa tiver alergia a algum dos componentes, e também pode ocorrer intoxicação pelo próprio produto, a depender da quantidade, podendo virar uma emergência respiratória", explica o otorrinolaringologista Hamilton Piancó, que atua na Capital.
O pigmento mais usado nos corretivos é o dióxido de titânio (TiO2), responsável pela cor branca do produto. Segundo o médico, a substância pode agredir o sistema nervoso central, o intestino e o fígado, levando o organismo a ter dificuldade de absorver vitaminas. "Pode ter também uma agressão a nível de pulmão, podendo causar hepatite medicamentosa, induzida por drogas, e insuficiência renal", explica o otorrino.
Além dos danos mais sérios, a inalação do pó de corretivo também pode causar irritações nas mucosas do nariz, causando espirros, tosses e até sangramentos.
Existem mais de sete empresas que produzem corretivos no País, apresentando variações básicas em suas composições, de acordo com Janaina Lopes, doutora em Química e professora da Universidade Federal do Ceará (UFC). "Em geral, a composição, descrita principalmente nas embalagens e nas fichas técnicas de informações de segurança do produto, registra a presença de pigmentos, resina, aditivos e solventes. É bem verdade que estes componentes citados representam classes genéricas as quais, dentro de cada uma delas, existe uma imensidão de produtos de características químicas distintas", pontua ela.
Em fevereiro de 2020, a União Europeia considerou o TiO2 como suspeito de ser cancerígeno da categoria dois por inalação, nos termos do Regulamento (CE) Nº 1272/2008 da União Europeia, em pesquisa realizada pelo Comitê de Avaliação de Risco (RAC) e Agência Europeia de Produtos Químicos (ECHA). Segundo Janaina, para solubilizar a substância e facilitar a secagem do produto, é comum encontrar o uso de água e álcool.
"Há algumas formulações que usam isocianato de alila, com objetivo de melhorar a fixação e estabilização do TiO2 no veículo (resina). Segundo as informações de segurança para este produto, há um risco agudo de toxicidade ao ser inalado. A resina, usada com função de garantir uma consistência ao líquido, é geralmente constituída de hidrocarbonetos, derivados do petróleo", esclarece a química.
O corretivo líquido não possui efeito similar ao de drogas, ainda que em sua forma "sólida". A Ficha de Informações de Segurança classifica o produto como não perigoso, segundo a norma Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT) NBR 14725-2, uma vez que ele não é produzido com fins de inalação.
"Há de se considerar também que o corretivo, em sua forma líquida, tem pH entre 8 e 9, indicando uma certa causticidade. Se a secagem não for efetiva, é possível que nas partículas do pó ainda existam reagentes químicos responsáveis por esse pH básico, podendo prejudicar as mucosas", reforça Janaina.
A indicação do otorrinolaringologista Hamilton Piancó em casos de mal-estar após inalação de corretivo líquido é levar a pessoa para um local ventilado e pedir para que ela respire calmamente. "É indicado também levar em uma emergência hospitalar para verificar se está tudo bem e fazer nebulização. Em casos onde ocorre edema de glote, há risco de entubação ou traqueostomia", explica.
Como as reações diferem de organismo para organismo, a principal recomendação do especialista é que o paciente passe por avaliação médica a fim de receber o tratamento adequado. Em casos onde não é aparesentada nenhuma reação, o pó inalado, após ir para a corrente sanguínea, pode ser eliminado pela própria respiração, pela urina ou, ainda, ser metabolizado pelo fígado.
A química e professora da UFC, Janaina Lopes, acredita que um meio de evitar a prática entre adolescentes e jovens, principalmente no ambiente escolar, são ações conjutas entre os pais e a escola por meio de campanhas educativas. "É necessário falar sobre o assunto para desmistificar e diminuir a curiosidade dos adolescentes sobre drogas de modo geral", pontua.
A professora completa: "Lançar mão das redes sociais para disseminar boas informações, estimular a leitura saldável e combater fake news também constituem medidas relevantes no combate às drogas e a informações equivocadas". Nas escolas com casos notificados no País, foram feitos comunicados a fim de alertar os estudantes sobre a prática.