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Brechós: slow fashion, consumo consciente e moda sustentável
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Brechós: slow fashion, consumo consciente e moda sustentável

Com o objetivo de estimular um ciclo de consumo mais consciente, durável, regenerativo e sustentável, os brechós vêm ganhando cada vez mais espaço no mercado da moda, sendo parte do movimento slow fashion
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Feminine hand holding empty metal hanger isolated on pink background (Foto: Diana Vyshniakova)
Foto: Diana Vyshniakova Feminine hand holding empty metal hanger isolated on pink background

Responsáveis por trazer um novo sentido ao consumo de moda pela venda e reutilização de peças que já pertenceram a outras pessoas, os brechós vêm ganhando cada vez mais espaço no mercado. Desde os mais simples aos especializados em vender artigos de luxo usados, a prática visa estimular um ciclo de consumo mais consciente, durável, regenerativo e sustentável.

No Brasil, segundo a professora Fabíola Mourão, do curso de Design de Moda da Universidade de Fortaleza (Unifor), os brechós se popularizaram inicialmente no Rio de Janeiro, no século XIX. "O nome brechó é uma corruptela do nome Belchior, que era um mascate português que vivia no Rio de Janeiro no século XIX, bastante conhecido pela venda de artigos de segunda mão", explica.

O ponto de vendas ficou tão conhecido na época que as pessoas passaram a chamar locais que vendiam artigos usados de brechós. "São espaços organizados que disponibilizam artigos usados, cujos produtos, como roupas, calçados, bolsas, bijuterias, louças, vinis e objetos de arte, são vendidos a preços acessíveis, mas em condições de uso", esclarece a professora.

Sendo uma forma de excercer moda sustentável, a especialista pontua que, ao adquirir uma peça de roupa usada, é possível diminuir a emissão de produtos químicos poluentes e reduzir os gastos de água e de energia. Além disso, há a possibilidade de minimizar a demanda produtiva das fábricas e evitar que peças apropriadas para uso sejam descartadas inadequadamente no ambiente.

Consumir em brechós também é uma forma de contestar as condições sub-humanas de trabalho por trás de produções em larga escala. "As grandes marcas mundiais, para garantir preços abaixo da concorrência, pagam valores ínfimos aos funcionários e os colocam em ambientes insalubres. Se diminuirmos o consumo de peças novas, estas posturas serão minimizadas pela falta de demanda", pontua Fabíola

Brechós e o movimento slow fashion

Atualmente, comprar em brechós faz parte do movimento slow fashion, que significa moda lenta, em tradução literal. O termo foi criado por Kate Fletcher, professora e consultora do Center for Sustainable Fashion, em Londres, e usado pela primeira vez no livro “Sustainable Fashion and Textiles: Design Journeys”, no ano de 2008.

"O movimento slow fashion vem na contramão do fast fashion, buscando uma produção mais lenta, valorizando cada etapa do processo de execução, oferecendo produtos mais duráveis e confeccionados por técnicas sustentáveis e ecologicamente corretas. Os brechós ajudam a minimizar os impactos ambientais", explica a professora Fabíola.

Fast fashion, também em tradução literal, significa moda rápida, que são produções de peças de roupa em grande escala, encontradas em todo o mundo. Em brechós, até que cada item esteja pronto para ser vendido, há um processo por trás chamado curadoria, que consiste em fazer os reparos necessários nas peças, a depender da idade, de forma a aumentar o tempo de vida delas.

Nos brechós, também é possível encontrar roupas de décadas passadas, como anos 70, 80 e 90, ainda circulando nos dias atuais. Diferente do fast fashion, os brechós estimulam uma moda mais lenta e circular.

A designer de moda Orleanne Barreto, 27, dona do Brechó Retroagir, em Fortaleza, explica que, pela idade de determinadas peças, algumas precisam passar por uma curadoria mais intensa.

"Toda semana, busco garimpar nos meus fornecedores, em bazares e em outros brechós. Assim que chego com os garimpos, já separo as peças que precisam de reparos, lavo e, quando possível, começo com o processo de curadoria (...) Como sou eu que produzo uma a uma, a produção se torna mais slow, pois são muitos processos", explica Orleanne.

O Retroagir existe desde 2015, antes com o nome Très Marie, sendo atualmente um brechó também com produção autoral e com vendas exclusivamente online, o que possibilita a compra dos itens por pessoas de todo o Brasil. Para que a ideia de Orleanne tomasse forma, ela explica que a inspiração veio de outros brechós e bazares que frequentou anteriormente, com o objetivo de adquirir peças para revender.

A designer também conta que, de 2015 até aqui, o propósito do Retroagir foi mudando. "Pude me permitir trabalhar com moda, mas de uma maneira muito mais ecológica. Sinto que nos últimos anos, definitivamente, tomei consciência do lado negativo da indústria da moda. O brechó me permite ver as possibilidades de ressignificar e de usar a criatividade no meu trabalho", pontua Orleanne.

Para tornar as vendas de brechós ainda mais únicas e diferenciadas, também é possível desmanchar peças de roupas encontradas, que normalmente seriam jogadas fora, para dar um novo uso a elas. De acordo com a professora Fabíola Mourão, a prática é conhecida como upcycling, técnica que possibilita a reciclagem de materiais e a reutilização de resíduos têxteis para a confecção de acessórios.

Ressignificando a moda em Fortaleza

Além do Brechó Retroagir, outros brechós foram criados também na Capital com o propósito de ressignificar a moda e o consumo. O Segunda Mão Shop tomou forma através do desejo da dona, Maluan Piva, 27, de trabalhar com roupas usadas durante o primeiro ano da pandemia da Covid-19, em 2020. Antes da criação, ela já costumava consumir em brechós.

"O mundo tem muita coisa que dá pra ser reaproveitada, não só roupas, mas vários outros artigos em geral. E só cabe a nós, consumidores, dar abertura e ter um novo olhar de consumo (...) Para algumas pessoas, o contato inicial com brechós é de negação. Mas com conversas e explicações, algumas deixam o preconceito e dão abertura a peças usadas", pontua Maluan. 

Com vendas online desde a criação, o Segunda Mão Shop teve um espaço fixo inaugurado em Fortaleza no mês de agosto. Além de itens garimpados em outros brechós da região, Maluan também disponibiliza peças encontradas durante uma viagem que fez para a Europa. O objetivo do brechó, segundo ela, é "fazer roupas circularem e também fornecer figurino para a cena artística de Fortaleza".

O Brechó Gato 80, também na Capital, trabalha com a oferta de garimpos atemporais. Com vendas online e por meio de loja física, no bairro Benfica, ele tomou forma em 2018, quando a designer de moda Monique Parente, 35, começou a pesquisar sobre moda sustentável. Sendo apenas um suporte financeiro inicialmente, o empreendimento é, hoje, a principal fonte de renda da idealizadora.

Para ela, quem busca por brechós na hora de consumir já vem com uma ideia certa de estar buscando comprar de forma mais consciente. "Existem brechós de luxo, com peças bem caras, e brechós mais acessíveis. Assim, pessoas de todas as classes consumem", pontua Monique. Por meio da marca própria, ela tem o objetivo de oferecer itens de qualidade com um impacto positivo no meio ambiente.

Ainda em Fortaleza, outros brechós também disponibilizam vendas online ou presenciais. São eles: Bazar da Claudinha, Shop Dionisio, Brechó Pretta, Brechada Brechó, Saturada, Balaio Brechó, Viva Brechó, Brechó Dona Bonita, LeLis Brechó & OutletBrechó ReinvençãoOutra Vez BrechóDonatila Brechó e VintagePeça Rara Brechó e Brechó da Kaka.

"Caminho sem volta"

Desde que passou a consumir em brechós da Capital, em 2017, Júlia Moreira, 23, nunca mais deixou a prática de lado. Sentindo dificuldade em encontrar roupas que estivessem de acordo com o seu gosto pessoal, foi neles que ela garimpou itens que considera como verdadeiros tesouros. Para ela, brechós, sejam online ou presenciais, tornaram-se um lugar de encontro com relação ao seu estilo.

"Minhas compras de brechó sempre foram como encontrar um achado. A sensação de entrar em um brechó físico ou virtual é legal, pois você nunca sabe o que vai encontrar. Sempre que encontra, é como achar um tesouro para vestir. Todas as peças têm um zelo que faz com que as roupas sejam vistas de outra forma", explica Júlia.

O cuidado com as peças incentivou a jovem a também zelar por suas próprias roupas, uma vez que elas podem ser repassadas futuramente para outras pessoas. A prática também ajudou Júlia a entender mais sobre consumo consciente, fazendo-a criar verdadeira identificação com peças atemporais. "O tipo de roupa que mesmo sabendo que pertenceu a uma outra época, continua bonita", pontua.

Isaac Marinho, 24, deixou as lojas de departamentos totalmente de lado depois de comprar pela primeira vez em um brechó, em 2021. Entendendo mais sobre os impactos ambientais causados pela produção em massa de roupas, o jovem passou ser um consumidor mais consciente, comprando itens de moda somente em brechós ou em marcas autorais e independentes de Fortaleza. 

"Além de ter um consumo consciente de moda reciclável, também ajudo e apoio estilistas independentes a serem reconhecidos e terem sua renda todo mês (...) Hoje, eu tenho mais consciência de como gasto meu dinheiro, não só com moda (roupas e acessórios), mas de forma geral. Me trouxe mais maturidade para não me tornar um consumidor impulsivo", explica Isaac.

Para o jovem, comprar em brechós pode ser resumido em duas palavras: estilo e história. "Estilo, porque como as roupas são usadas ou seminovas, elas têm essa pegada de vintage, e eu amo me vestir como um senhor de idade. História, porque é uma peça de alguém que que não usa mais e que, para não jogar fora, dicidiu passar a diante", pontua.

Para Patrícia Macieira, 25, foi a situação de desemprego, vivenciada em 2019, que a fez conhecer o universo dos brechós. Em busca de uma peça de roupa específica que estava precisando na época, ela encontrou qualidade e preço acessível em um brechó online da Capital. Ela relembra que a primeira peça, uma calça jeans preta, custou R$ 15.

"Quando eu recebi a minha primeira peça, eu vi que a qualidade dela era muito boa. Não era uma peça que parecia que tinha sido usada. O custo benefício me motivou a continuar comprando, pois eu vi que conseguiria comprar roupas boas com um custo não tão alto. Na época, eu estava sem emprego. Hoje em dia, já empregada, eu continuo comprando em brechós", explica Patrícia.

Hoje em dia, a jovem tem tido preferência por comprar em brechós online por conta da comodidade. A prática também trouxe mais entendimento sobre consumo consciente e sobre o impacto que a indústria da moda gera no meio ambiente. "Eu percebo que eu consumo menos roupas de fast fashion atualmente. Continuo tendo o mesmo nível de consumo de sempre, mas, agora, de forma mais consciente", completa.

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