Irritabilidade, ansiedade, falta de concentração e sonolência são alguns dos sintomas que o professor de história Pedro Ramos relata sentir durante as crises de insônia que tanto o acometem. Essas situações narradas por Pedro, bem como os diferentes distúrbios de sono, tornaram-se mais comuns depois da pandemia de Covid-19, segundo avalia o neurologista e médico do sono, Samir Magalhães, percepção confirmada por pesquisas da área.
Em 2019, antes da pandemia, 65% da população brasileira apresentava algum problema de sono, conforme dados da Associação Brasileira do Sono (ABS). Mais de três anos depois, após o fim da emergência de saúde pública, em 2023, esse número computa um aumento significativo. Um estudo da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) estima que ao menos 72% dos brasileiros sofrem de doenças relacionadas ao sono, entre elas, a insônia.
Nesses momentos, entretido por vídeos, notícias e conteúdos de humor no celular, Pedro conta que chega a “trocar o dia pela noite”, tendo que recorrer a remédios para dormir. "Eu tenho insônia e quanto mais eu fico ansioso e de frente a tela do celular, fico com o sono alterado e isso piorou no período da pandemia, passei noites virado", relata o professor.
A estimativa representa cerca de 149 milhões de pessoas sofrendo diariamente por não conseguirem ter uma boa noite de sono. O número representa 82,3% de todos os internautas no Brasil, já que um estudo do Data Reportal Digital estima que no ano de 2023 o Brasil apresente 181,8 milhões de pessoas conectadas ao mundo virtual.
Ao sentir na pele o peso de ser um dos internautas que enfrenta problemas relacionados ao sono, o professor Pedro Ramos relata que as consequências da falta de sono se tornaram ainda mais desgastantes com o retorno da rotina de trabalho presencial no pós-pandemia. “Dormia às 3 e acordava às 6h30min, era horrível. Esquecia alguns assuntos, lapsos de memória, cheguei a ter vertigem, ficava mais irritado, sonolento e comia mais, engordei muito inclusive", conta.
Uma pesquisa realizada pela Electronic Hub, divulgada em 2023, mostrou que o Brasil é o segundo país do mundo com mais tempo do dia em telas, atrás apenas da África do Sul. Segundo o estudo, os brasileiros passam 13 horas e meia do dia consumindo algum tipo de tela, enquanto os sul africanos passam cerca de 14 horas.
“Em uma perspectiva psicológica, o mais adequado seria questionar ‘como o uso de telas está impactando a vida desse sujeito?’. Se a resposta a isso sugerir na vida do indivíduo um aumento do isolamento social, aumento dos níveis de ansiedade, distúrbios de sono, alimentação e etc, talvez seja a hora de repensar a relação com o uso do celular”, detalha o professor universitário e psicólogo clínico Aristides Tomaz.
O especialista pontua ser necessário uma autoanálise crítica e recorrente sobre o uso do celular na vida de cada pessoa. Ele afirma ainda que o tempo que se passa consumindo conteúdos é apenas um dos pontos a serem revistos, não sendo o principal fator determinante para dependência, mas sim a forma como se utiliza o aparelho.
O médico do sono Samir Magalhães explica que dormimos à noite devido ao hormônio melatonina, que é produzido ao pôr do sol quando a luminosidade natural é reduzida. “A luminosidade das telas, especialmente por elas terem uma faixa azul de luz, influenciam diretamente a organização da secreção da melatonina”. Outro fator citado pelo especialista é a overdose de conteúdos disponíveis 24 horas por dia na internet. O médico acrescenta ainda a tristeza, a indisposição e a dificuldade de se concentrar e produzir como outros sintomas característicos da privação de sono.
Os distúrbios de sono estão presentes em todas as idades. Entretanto, os jovens são os mais afetados, tanto por condições biológicas quanto pelos fatores externos e comportamentais que agravam tais condições clínicas. “A população mais jovem, especialmente os adolescentes, já têm uma predisposição a uma situação que a gente denomina de ‘Atraso do Sono’, que é fisiológico nessa população e é caracterizado por um atraso no período de início do sono”, explica Samir.
Os números crescentes, tanto de internautas quanto de pessoas convivendo com distúrbios do sono, conforme os especialistas, são sinais de alerta para a necessidade urgente de um cuidado maior com a rotina do sono e o uso de celulares.
1. Tenha bom senso para que o uso das tecnologias não se torne abusivo no cotidiano
2. Fique atento às consequências físicas (privação de sono, dores na coluna, problemas de visão) e psicológicas (depressão, angústia, ansiedade) devido ao uso excessivo das tecnologias
3. Dose o uso de tecnologias no cotidiano. Verifique se seu desempenho acadêmico, no trabalho, na família ou pessoal estão sendo prejudicados pelo uso abusivo das telas
4. Não troque atividades, compromissos ou encontros ao ar livre para ficar conectado
5. Pratique exercícios físicos regularmente. Crie intervalos regulares durante o uso das tecnologias fazendo alongamentos