Em 15 de fevereiro deste ano, a Grécia se tornou a primeira nação cristão-ortodoxa do mundo a legalizar o casamento homoafetivo e a permitir a adoção de crianças por casais do mesmo sexo. Considerando a hegemonia do modelo familiar tradicional no país, a decisão é um marco histórico na garantia dos direitos humanos para a comunidade LGBTQIAPN+.
Foram dois dias de debate para que o projeto tivesse aprovação no parlamento grego. No total, houve 176 votos a favor, 76 contra e duas abstenções. Medida fez o país do Mediterrâneo se tornar o 17º da União Europeia a legalizar a adoção por casais homossexuais — e repercutiu entre personalidades locais.
"A legalização do casamento homossexual na Grécia é um ponto de inflexão para os direitos humanos que reflete a Grécia de hoje: um país progressista e democrático, apaixonadamente apegado aos valores europeus", afirmou Kyriákos Mitsotákis, primeiro-ministro do pais grego no X (antigo Twitter).
Quanto ao impacto da medida de forma geral, além do avanço na luta da comunidade LGBTQIAPN+, ela consagra a proteção a dignidade da pessoa humana, conforme diz Mariana Lobo, supervisora do Núcleo de Direitos Humanos e Ações Coletivas da Defensoria Pública do Ceará (DPCE).
"Não permitir o casamento entre pessoas do mesmo sexo é um ato discriminatório. A importância [da legalização] é que mais uma vez vem se reafirmar o direito fundamental de qualquer pessoa à proteção humana, à proteção da família, e [mostrar que] o vínculo que cria e institui uma familia é unicamente os laços de amor e de afeto", pontua.
Ainda de acordo com Mariana, independentemente da aprovação da lei o estado é obrigado a criar mecanismos que "preservem um princípio fundamental que está assegurado" a todo indivíduo: a dignidade humana.
"[Essa dignidade] Não diz respeito apenas ao gênero ou à orientação sexual, mas sim ao ser humano enquanto pessoa autonôma, que vive entre sociedade e que dentro de sua autonomia cabe a ele decidir com quem ele se relaciona, com quem ele cria vínculos afetivos e como ele cria o seu seio familiar", diz.
Apesar do avanço significativo, a proposta normativa aprovada na Grécia não garante que pessoas trans tenham acesso a direitos como pais e nem permite que casais do mesmo sexo possam realizar a reprodução assistida ou optar ainda pela opção da gravidez de aluguel.
Conforme Felipe Lima, professor de direito civil da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Ceará (UFC), "é possível que essas outras demandas tenham sido estrategicamente deixadas de lado por se vislumbrar uma inviabilidade política neste momento", visto o forte teor religioso do país.
Para se ter uma ideia da força religiosa no âmbito politico e social, o Santo Sínodo (autoridade máxima na Igreja Ortodoxa) enviou uma carta aos deputados demonstrando oposição ao projeto. Já na praça Syntagma, em Atenas, cristãos protestaram contra a lei realizando uma manifestação, na qual carregaram faixas e cruzes.
A rejeição das igrejas ao casamento homoafetivo perpassa séculos e países. No Brasil, por exemplo, em 2023 tramitou na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei (Pl) 580/07, que buscava proibir o casamento entre pessoas do mesmo sexo — união reconhecida desde 2011 pelo Supremo Tribunal Federal (STF).
Medida prevista no parecer do relator deputado Pastor Eurico (PL-PE) chegou a ser aprovada em uma das comissões da Casa. "É quase impossível que o parlamento aprove algo nesse sentido em todas as instâncias, mas existem setores do nosso parlamento que tentam fazer isso, notadamente a bancada evangélica", destaca o professor Felipe Lima, analisando a influência desse setor no País.
Mesmo com a forte resistência religiosa ao avanço de pautas LGBTQIAPN+, no ano passado o Vaticano tornou pública uma carta na qual o papa sugeriu que bênçãos para uniões entre casais do mesmo sexo possam a ser consideradas. Decisão é histórica, mas ainda assim determina uma linha de limite: gesto pode ser dado desde que não seja confundido com o sacramento do matrimônio.
O fato de a Grécia ser o primeiro país cristão-ortodoxo do mundo a legalizar o casamento homoafetivo tem um peso que atravessa o continente europeu. "O caso grego chama atenção, no cenário global, porque se trata de um pais cristão ortodoxo. A Igreja Ortodoxa é muito influente, ainda assim, o parlamento grego conseguiu a maioria necessária", destaca o professor Felipe Lima.
"Este século tem assistido a um crescente número de regulamentações de direitos a favor da comunidade ( LGBTQIAPN+). Essas alterações jurídicas têm-se multiplicado, contra raríssimas exceções. Essa se trata de uma tendência global muito forte, passível de se expandir cada vez mais para outros lugares, nos quais a oposição a essas ideias ainda seja forte", completa.
Como resultado do avanço da pauta no mundo, países têm registrado o aumento de casamentos homoafetivos. Só no Brasil foram feitas 84.786 uniões desse tipo entre 2013 e 2023. No Ceará, no mesmo período o índice foi de 3.434, conforme Associação dos Notários e Registradores do Brasil (Anoreg CE).
Fonte: ILGA Word.