Por muito tempo, pensou-se que a solidariedade era apenas um gesto nobre, guiado por princípios morais ou religiosos. Hoje, estudos sobre o cérebro humano revelam que o ato de doar não apenas transforma realidades externas, mas o próprio cérebro de quem doa.
Com cerca de 86 bilhões de neurônios e trilhões de conexões sinápticas, o cérebro sempre foi um enigma. Mas nos últimos anos, tornou-se protagonista de estudos que revelam algo surpreendente: quando doamos, ficamos mais felizes. Foi isto que mostrou um estudo de Harvard. As pessoas preferem ter a opção de contribuir e gostam de ver o resultado de suas doações.
A neurocientista Mellanie Fontes afirma que o cérebro é moldado para a cooperação: "Quando doamos, experimentamos um reforço interno positivo que encoraja esse comportamento".
Esse sentimento é vivido na prática por Cristina Sales, de 52 anos, que relata como o ato de doar transformou sua forma de ver a vida. "Quando realizo uma doação, me sinto mais leve e feliz. Não é só ajudar o outro, é uma sensação boa que volta para a gente. E o mais bonito é que nunca falta. Sempre surge algo para doar ou alguém querendo ajudar. Doar, para mim, virou parte da vida".
O que Cristina talvez não soubesse é que, no momento em que ela realiza uma doação, seu cérebro estava produzindo dopamina e oxitocina, substâncias ligadas ao prazer, à empatia e ao vínculo social.
De acordo com a neurocientista Mellanie Fontes, o ato de doar ativa áreas do cérebro associadas ao prazer, à empatia e à motivação. "Quando alguém faz uma doação, são acionadas as chamadas vias mesolímbicas, ligadas à recompensa e ao bem-estar", explica.
Além disso, estruturas como o córtex pré-frontal, o córtex cingulado e a ínsula (ligadas à tomada de decisão e ao processamento afetivo) também entram em ação. Essa atividade cerebral pode gerar sensações positivas, como leveza, alegria e até felicidade.
"Há liberação de substâncias como dopamina, ocitocina, serotonina e endorfinas, que ajudam a construir essas sensações. Pesquisas apontam ainda que quem pratica ações solidárias pode ter redução da percepção de estresse e sintomas de depressão, além de apresentar maior bem-estar psicológico", afirma.
A empatia, base da maioria dos atos de doação, também pode ser desenvolvida com o tempo. "A ciência já mostrou que comportamentos pró-sociais podem ser treinados. Nosso cérebro tem essa capacidade de se adaptar, é o que chamamos de neuroplasticidade. Em resumo, ao fazer o bem, o cérebro também recebe. E parece aprender a repetir".