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Ana Rute Ramires: Mais de 100 mil mortos: vítimas da indiferença
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Ana Rute Ramires: Mais de 100 mil mortos: vítimas da indiferença

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Protesto que profissionais de saúde fizeram na Praia de Iracema em relação aos mortos pelo coronavírus (Foto: Fabio Lima)
Foto: Fabio Lima Protesto que profissionais de saúde fizeram na Praia de Iracema em relação aos mortos pelo coronavírus

Morremos. 100 mil vezes. E continuamos a morrer. Por quantas vezes mais? O marco trágico de mais de 100 mil mortos evidencia que, no Brasil, a letalidade da Covid-19 ultrapassou a capacidade de matar associada estritamente ao vírus. A letalidade foi ampliada por diversos fatores. Quem matou mais na política negacionista do Governo Federal? A falta de coordenação nacional para fortalecer a estrutura e logística do sistema de saúde pública? O incentivo a medicamentos sem comprovação científica? A falta de políticas de assistência e liberação de dinheiro em tempo hábil aos mais pobres? A disseminação de fake news — termo que, a esta altura, já virou quase um eufemismo para mentiras deslavadas? A incompetência para articular esforços e utilizar o que poderiam ter sido pontos fortes no combate ao vírus, como a experiência em pesquisa científica e os profissionais largamente capacitados? O incentivo a aglomerações e ao não uso de máscara? A defesa da falsa dicotomia entre economia e saúde?

Também. No âmago, o que matou mesmo foi o desprezo pela vida alheia. A incapacidade de sentir a dor do outro. Além desses 100 mil óbitos, outros milhares também estão morrendo de outras diversas formas pelas quais se pode morrer em todo esse processo. Passar semanas sem receber nenhuma informação de um familiar ou amigo internado. Perder alguém sem oportunidade de despedida. Não poder lamentar a morte junto aos entes queridos e realizar os rituais que nos ajudam no luto. Ver alguém que ama morrer pela falta de assistência. Ser invisibilizado e abandonado pelo Estado.

Falta a muitos se colocar nesse lugar de dor. As pessoas estão morrendo. Alguns morrendo sozinhos, longe da família, assustados, com medo, em desespero. O Brasil e alguns de seus governantes seguem com o fardo dessas mortes. Mas quem realmente sente o peso dessa tragédia? Não é aceitável se acostumar com 1 mil mortes por dia. Como "tocar a vida", como disse o presidente Jair Bolsonaro, sem sentir a perda dolorosa que 100 mil famílias estão passando? Só quem for morto por dentro, mesmo em vida. Precisamos seguir em frente, sim, mas no intuito de salvar vidas.

 

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