Contardo Calligaris, o italiano de olhar atento que levou a psicanálise para o cotidiano do brasileiro ao analisar, em seus textos publicados na Folha de S.Paulo e em seus livros de ficção e não ficção, temas ligados à existência humana, morreu na terça, 30, aos 72 anos, em São Paulo. Ele estava internado no Hospital Albert Einstein para tratar um câncer e sua morte foi confirmada pelo filho Max Calligaris em um post no Instagram.
Nascido em Milão, em 2 de junho de 1948, Contardo Calligaris cresceu cercado pelos escombros da Segunda Guerra Mundial. Ele iniciou sua formação pelas áreas de letras e filosofia, estudou na Suíça e na França e viveu também nos Estados Unidos, onde foi professor de antropologia na Universidade da Califórnia e de estudos culturais na New School. Para ele, a psicanálise surgiu primeiro como tratamento, e só depois como profissão. Calligaris se formou na Escola Freudiana de Paris, presidida por Jacques Lacan (1901-1981). Em sua formação, ele também teve aulas com Roland Barthes (1915-1980) e Michel Foucault (1926-1984).
Calligaris veio ao Brasil pela primeira vez em 1986 para o lançamento de seu primeiro livro de psicanálise: Hipótese Sobre o Fantasma. Foi convidado a voltar periodicamente, para encontros com profissionais e atendimentos. Pouco tempo depois, em 1989, fixou residência aqui e viveu suas últimas décadas em São Paulo, onde se dividia entre o consultório e a atividade intelectual.
Em um de seus livros, Hello, Brasil! e Outros Ensaios: Psicanálise da Estranha Civilização Brasileira (Três Estrelas), lançado originalmente em 1991 e depois em 2017, o psicanalista parte de uma investigação pessoal - justamente o que o fez deixar a França no fim dos anos 1980 para se mudar para o Brasil - para fazer uma espécie de análise do País, passando pela persistência da herança escravocrata até a corrupção política.
Ele é autor de vários outros livros na área de psicanálise. Um de seus maiores sucessos é Cartas a um Jovem Terapeuta: Reflexões para Psicoterapeutas, Aspirantes e Curiosos, que ganhou uma edição ampliada da Planeta em 2019, 10 anos após o lançamento. Também recentemente, em 2019, pela Papirus, ele lançou Coisa de Menina?: Uma Conversa Sobre Gênero, Sexualidade, Maternidade e Feminismo, com Maria Homem.
Desde 1999, Contardo Calligaris era colunista da Folha de S Paulo. Pela coleção Folha Explica, ele lançou um livro sobre a adolescência. Pelo selo Três Estrelas, saiu, em 2013, a seleta de crônicas Todos os Reis Estão Nus.
Sua estreia no romance foi em 2008, com O Conto do Amor, pela Companhia das Letras. Nele, o autor brinca com elementos biográficos - o protagonista, Carlo Antonini, é um psicanalista com consultório em Nova York e filho de um pai engajado na resistência antifascista italiana - e tem como tema central a busca da identidade. Calligaris retomou seu personagem em A Mulher de Vermelho, lançado em 2011. O romance mistura investigação psicanalítica e policial, passado e presente. Em uma entrevista concedida em 2015, ele contou que se voltaria mais uma vez a Carlo Antonini, num terceiro romance, sobre a infância do personagem, e que ele seria ainda mais autobiográfica. Não há previsão.
Os dois livros deram origem à série Psi, criada pelo próprio autor, produzida pela HBO e dirigida por Max Calligaris e por Marcus Baldini. As quatro temporadas estão no HBO Go.
Contardo Calligaris era casado com a atriz Mônica Torres.