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Hugo Fernandes: "A minha principal luta é fazer com que a pauta ambiental deixe de ser acessória"
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Hugo Fernandes: "A minha principal luta é fazer com que a pauta ambiental deixe de ser acessória"

Para tornar a informação científica mais acessível às pessoas e combater fake news, o biólogo Hugo Fernandes utiliza as redes sociais para divulgar conteúdos sobre ciência, meio ambiente e demais assuntos urgentes
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Biólogo Hugo Fernandes compartilha conteúdo científico nas redes sociais (Foto: Reprodução Instagram @hugofernandesbio)
Foto: Reprodução Instagram @hugofernandesbio Biólogo Hugo Fernandes compartilha conteúdo científico nas redes sociais

Nascido em Belo Horizonte, mas com o sonho de receber o título de cidadão cearense, o biólogo Hugo Fernandes (@hugofernandesbio) fez de suas redes sociais espaços para a divulgação de conteúdo científico. Com 144 mil seguidores no Instagram, o professor da Universidade Estadual do Ceará (Uece) e doutor em Ecologia aborda temas urgentes para a sociedade, como o meio ambiente e a pandemia de Covid-19.

Com o objetivo de tornar a informação e a formação científica uma possibilidade para as pessoas, Hugo divulga dados nas redes sociais com uma linguagem acessível, mas bem referenciada na ciência, além de produzir conteúdo para a imprensa tradicional, como televisão e rádio. Esse trabalho começou em 2010, a partir da percepção da necessidade de se falar mais sobre ciência quando um incêndio atingiu o Instituto Butantan.

Hoje, as redes sociais são para ele o principal meio de divulgação do conteúdo científico. É também a principal forma de combater informações falsas e fazer com que as pessoas fiquem cada vez menos vulneráveis a elas. Além de colocar o meio ambiente e a ciência no centro dos debates da sociedade.


O POVO - O que fez você começar a divulgar conteúdo científico nas redes sociais?

Hugo Fernandes - Urgência. Uma mistura de urgência com ódio, o que se tornou uma necessidade. Tudo começou em 2010, quando, um dia, minha mãe me acordou para mostrar a notícia de um incêndio que atingiu o museu biológico do Instituto Butantan. Ao longo do dia eu busquei informações sobre o ocorrido e estava muito triste porque estagiei lá. E eu lembro que minha mãe tentou me acalmar dizendo que "só tinha bicho morto lá". Foi quando pensei que se minha própria mãe, que acompanhava meu trabalho, não entendia o que eu faço, não entendia o valor de uma coleção pegando fogo, imaginei o que acontecia com o resto. Então, meu primeiro texto para a internet foi sobre o incêndio no Instituto, e foi a primeira vez que algo meu viralizou. Desde então, venho desenvolvendo diversas atividades de divulgação científica em diversas plataformas. Assim como há 11 anos, a divulgação científica hoje é necessária, principalmente neste período pandêmico que vivemos. É uma questão de urgência. Hoje não é só o ódio de não encontrar nada, e sim o amor, por saber que é funcional, pois conseguimos mudar muita coisa.

OP - Há um público específico que você espera alcançar com o seu conteúdo nas redes sociais? Como tem sido o retorno das pessoas?

Hugo - Como é uma atividade multifacetada, há vários públicos. Eu sei que por estar em rede social, o público tende a ser mais jovem. Além disso, tenho um público que é 75% feminino, o que é ótimo, porque geralmente o público de ciência é muito masculino, principalmente no YouTube, por exemplo. No Instagram, que é minha rede principal, isso se inverte. O meu objetivo nesta rede social é fornecer informações sobre assuntos que estão pujantes, pautas quentes, de modo que a ciência esteja bem referenciada, mas que seja passada de forma transversal, bem aplicada, com uma linguagem acessível. E fazer com que não só a informação chegue, mas principalmente como a formação chegue, a formação científica. As pessoas entenderem o mundo ao seu redor pela linguagem e pela perspectiva da ciência. Isso vale para qualquer coisa, para explicar um fenômeno natural ou para tomar uma posição política. Seja esquerda, seja direita, por exemplo, ela pode utilizar um método científico para balizar sua opinião. No Twitter, eu sou mais crítico. Ali são 'drops' das vazões que eu dou aos meus textos político-científicos. É mais um espaço para esse tipo de discussão. Em média, o retorno tem sido super positivo, não tenho nada a reclamar. As pessoas mandam mensagens dizendo que convenceram um pai a tomar vacina, isso para mim é maravilhoso, o melhor retorno. Ou pessoas que acreditavam que ivermectina era uma prevenção contra a Covid-19, viram meus textos e entenderam que precisam se vacinar. São pessoas que se agarram ao conteúdo de divulgadores científicos, não só o meu, mas de modo geral, e conseguem mudar percepções positivamente. Obviamente, existe retorno negativo. Existem pessoas que vão xingar, geralmente imbuídas de posicionamento político, mas, felizmente, são pontuais perto do enorme retorno positivo dos seguidores.


OP - Mesmo não sendo sua área de pesquisa, você passou a produzir conteúdo sobre saúde durante a pandemia. Era um apelo do seu público? De que forma essa produção é desenvolvida?

Hugo - Foi um pouco dos dois. Quando a pandemia começou foi um apelo, eu recebia muitas mensagens pedindo pra eu explicar coisas que até então ninguém sabia. E como não é a minha área, eu costumo separar as coisas. Eu sou cientista, de fato, trabalho com conservação de fauna e posso servir como fonte jornalística para assuntos ligados a isso. Quando eu falo de Covid-19, eu não sou uma fonte jornalística, sou um comunicador. Quando me pedem para dar entrevistas sobre eficácia de vacinas, por exemplo, eu digo que não posso fazer isso. Mas o que aconteceu foi que diante da imensa procura do público, da urgência, da necessidade, e a partir do momento que eu vi que o Instagram era um terreno pouco ocupado por divulgadores científicos e que as fake news estavam começando a imperar ali, precisava de uma contra-força. Então, eu parei tudo que estava fazendo, até porque as atividades da Uece estavam suspensas, e voltei a estudar sobre a área da saúde. Chamei também dois médicos, um estatístico e um ecólogo, montamos uma equipe e começamos a criar o conteúdo a partir de referências dos grandes órgãos de saúde e revistas científicas. Junto com a minha equipe, que envolve bolsistas da Uece e designer, começamos a produzir conteúdo, principalmente de infográficos e vídeos.

OP - Você contou em uma entrevista à Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) que sofreu vários ataques após começar a comunicação sobre a pandemia nas redes sociais. Em algum momento você pensou em parar de compartilhar esse tipo de conteúdo?

Hugo - Eu sofri 57 ataques, de tentativas de hackers. E aí, obviamente, a gente precisa aumentar a segurança das nossas redes. Estamos falando de um momento em que o negacionismo científico tem sido não só assimilado, mas orquestrado por forças políticas, e isso torna a vida de muitos dos divulgadores científicos um caos, devido a esses ataques em massa. Mas em momento algum pensei em parar. De jeito nenhum. Eu entendo que isso é um efeito colateral. Toda vez que você se expõe, minimamente ou de forma robusta, você está sujeito a dois efeitos: fama e hater [gíria para designar quem faz comentários de ódio]. O efeito hater é colateral. É impossível você se blindar contra isso. Eu encaro assim e continuo fazendo o meu trabalho.


OP - Você passou a ter um grande número de seguidores no Instagram em um curto período de tempo. O que mudou no seu trabalho e na sua vida com a produção de conteúdo nessa rede social?

Hugo - A produção de conteúdo em rede social, que era algo bastante secundário, virou um dos principais trabalhos de divulgação científica. Então, não só somente com textos na imprensa tradicional ou na rádio, agora as redes sociais têm sido uma prioridade na forma como fazemos divulgação científica. Aumentou a demanda, pois é um trabalho que exige estratégias de conteúdo, de posicionamento, marketing, e tudo isso a gente procura se imbuir para fazer um bom trabalho. Eu não sou a pessoa que se vislumbra com número de seguidores. Eu sei aproveitar o momento para que a gente consiga entregar o trabalho da melhor forma. Eu não procuro fazer com que a minha vida gire em torno de número de seguidores ou selo verificado, ou coisas assim, porque as redes sociais são muito efêmeras. Minha vida não gira em torno disso, mas é claro que tem mudanças que são interessantes. Você passa a interagir mais com grandes influenciadores, são interações que podem mudar realidades. Ano passado, por exemplo, teve um grande incêndio no Pantanal, queimou 30% do bioma, e eu estive lá. Graças ao trabalho do Instagram, eu tive contato com outros influenciadores, estive lá no bioma para divulgar o que estava acontecendo e participei da articulação de uma campanha que conseguiu angariar mais de R$ 1 milhão para a formação de brigadas civis anti-incêndios no Pantanal. Então, o fato de o fogo estar mais controlado se dá pela existência dessas brigadas civis, graças a um trabalho que envolveu muita gente, mas que teve minha participação também devido a esse alcance que temos no Instagram. Então sim, isso muda bastante.

"O efeito hater é colateral. É impossível você se blindar contra isso", diz Hugo Fernandes
"O efeito hater é colateral. É impossível você se blindar contra isso", diz Hugo Fernandes (Foto: Igor de Melo/Especial para O POVO)


OP - Além de comunicação sobre a Covid-19 e meio ambiente, sua área, você publica conteúdos sobre política. Como você constrói a relação entre esses assuntos?

Hugo - Tudo é política. Parto desse princípio e acho que a gente peca muito quando tenta separar as coisas. A minha principal luta é fazer com que a pauta ambiental deixe de ser acessória, marginal, que é geralmente isso. Quando se fala em pauta de governo, a primeira coisa que vem é economia, segurança, educação, saúde, claro, e meio ambiente fica como aquela pauta romântica, acessória, que pouca gente fala e que quase nenhum programa de governo tem. A mesma coisa com a ciência. Mas não há a menor possibilidade de falar sobre nação, progresso, estabilidade, incluindo a econômica, se a gente não colocar no centro do debate a pauta ambiental e a científica. A minha luta não é para que o meio ambiente seja valorizado porque é belo fazer isso, e sim porque não há meios de que tudo isso que a gente está vivendo enquanto nação seja melhorado se não colocarmos essas duas pautas no centro do debate. Então esse é o meu maior objetivo.


OP - Para você, de que forma divulgar conteúdo científico nas redes sociais pode impactar a vida das pessoas que não são da área?

Hugo - Hoje tem mais smartphones do que gente no Brasil, e a maior parte das pessoas se informam pelas redes sociais. Então, se nós não ocuparmos essas redes para levar informações científicas e bem aferidas para as pessoas, o que vão imperar são as fake news, que já o fazem, mas [o cenário] seria muito pior se não fossem os jornalistas, divulgadores científicos, fontes idôneas e corretas sobre qualquer assunto. Fazer divulgação científica em rede social hoje é o principal meio de fazer com que a cultura científica no Brasil aumente. E é o principal meio de fazer com que as fake news relacionadas à Covid-19, ao meio ambiente ou a qualquer outro assunto não ganhem tanto espaço. As pessoas ficam um pouco menos suscetíveis a esses conteúdos falsos. O nosso objetivo é que elas fiquem muito menos ou zero suscetíveis a fake news.

 

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