Logo O POVO+
Um quintal maiordo que o mundo
Farol

Um quintal maiordo que o mundo

Edição Impressa
Tipo Notícia

O poeta Manoel de Barros (1916- 2014), decerto, demoraria-se em dois dedos de prosa com Maria Rosa Rodrigues. Apanhador de desperdícios, o cuiabano se encantaria com os caramanchões, vasos com flores e o pé de manjericão que Maria Rosa e 40 crianças vizinhas cultivam no condomínio que moram na Maraponga, no projeto Eco Preservar. "Liberdade caça jeito", versou Manoel — e a maranhense de Sambaíba radicada no Ceará compreendeu.

Ciclista há 55 anos, fotógrafa há 40, a também escritora de 63 anos lança o seu sexto livro: "Meu Pedalar", obra digital com desenhos de Maria Tereza Cordeiro de Araújo. Ao O POVO, Maria Rosa contou da infância e revisitou memórias que floresceram em seu presente.

O POVO - A senhora é ciclista há mais de 50 anos — ou seja, começou a pedalar ainda menina. Como a bicicleta se tornou meio de transporte, estilo de vida e também verso em sua nova obra?

Maria Rosa - Quando eu era criança, ainda no interior do Maranhão, um pai que deixava a filha andar de bicicleta era mal visto: as mulheres só andavam na garupa da bicicleta do marido, as meninas ainda pequenas andavam na bicicleta dos pais porque naquela época não se conhecia bicicleta infantil. Eu ficava indignada, zangada mesmo, e dizia "por que é que eu não posso pedalar? Por que é que mulher não pode?". Meu pai passava a semana na estrada trabalhando e a bicicleta ficava em casa... Um dia, enquanto a minha mãe botava a caçula para dormir, eu peguei a bicicleta dele que se chamava Vovozinha e saí pela porta da cozinha. A bicicleta era muito maior que eu, que tinha uns oito anos! Peguei uma descida, mas eu não sabia nem acionar o freio, então encostei numa pedra e chutei longe. Minha filha, graças a Deus tinha um riacho na estrada! Eu caí dentro com bicicleta e tudo. Se aquele bendito riacho não existisse, eu tinha vindo parar no Ceará! (risos). Quando meu pai chegou no final da semana, eu contei a ele. Já estava preparada para morrer de uma pisa porque minha mãe já tinha me alertado — naquele tempo, era malinação das maiores que você pudesse imaginar. Mas me surpreendi e hoje conto essa história em versos: "De casa até o riacho/ Narrei toda a trajetória./ Botei emoção em tudo,/ Daí, virou uma emocionante história./ (…) Papai ouviu tudo calado/ E seu semblante mudou./ Achei que um leve sorriso/ No canto da boca se formou./ A vovozinha', como vê/ Tem o varão muito alto./ Vou ajeitar uma bicicleta/ De varão baixo pra você".

OP - A fotografia também foi uma paixão nascida ainda na infância e se tornou profissão. Como a senhora começou a fotografar? Qual o lugar desse ofício na sua mudança para Fortaleza?

Rosa - Quando eu tinha quatro anos, os meus pais me levaram para bater uma foto na praça da igreja porque viram um lambe-lambe. Eu fiz a maior encrenca da minha vida, queria meter a mão na "caixa que sai a gente de dentro" porque eu achei interessante. Fiquei esperando ele revelar a foto da pessoa que estava na frente na fila toda curiosa, então fui pegar na caixa e ela quase vira por cima de mim, acredita? (risos). Eu saí na foto com raiva porque o que eu queria era me meter naquela caixa… Em Sambaíba, chegou um padre com uma câmera e eu me emociono só de lembrar: eu tinha 13 ou 14 anos e foi a primeira vez que peguei numa câmera, não sabia nem pegar numa máquina e me ofereci para bater foto. Eu guardo essa emoção muito grande — daí pra frente, comecei a fotografar com os olhos. Depois, fui morar em Balsas e com o primeiro salário comprei uma máquina pelo reembolso postal. Batia fotos das amigas, mandava revelar também pelo reembolso postal. Vim para Fortaleza atrás da fotografia. Comecei a fotografar os filhos dos patrões da empresa onde trabalhava na contabilidade, um dos patrões financiou a minha primeira máquina profissional. Um dia, peguei um ônibus no Centro e vi aquele movimento dentro. Perguntei ao cobrador o que estava acontecendo e ele disse: "Tem um menino nascendo". Passei na roleta na hora e fotografei. Foi capa do jornal no dia seguinte. A convite de Demócrito Dummar, fui trabalhar no jornal O POVO e me tornei a primeira mulher repórter fotográfica do Ceará.

OP - Qual é a importância de rememorar sua trajetória a partir da escrita de livros?

Rosa - Eu sou tão curiosa que dava para ser repórter! Não gosto de inventar história, eu gosto de escrever o que acontece, eu sou narradora. Desde a infância, eu escrevia como se batesse foto da natureza e guardava. Há uns anos, quando me mudei para Maraponga, minha filha achou e quis publicar. Eu incentivo as crianças à leitura, ensino a preservar a natureza para um mundo sustentável.

Para adquirir "Meu Pedalar" gratuitamente, basta entrar em contato com Maria Rosa pelo número (85) 98695.4695. Contribuições de qualquer valor via PIX também são bem-vindas.

 

O que você achou desse conteúdo?