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Eduardo Ângelo, o "cangaceiro" dos jardins do Palácio da Abolição
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Eduardo Ângelo, o "cangaceiro" dos jardins do Palácio da Abolição

Eduardo chama atenção não só pelo seu excepcional trabalho como artesão, no ofício de jardinagem, mas também porque se veste como um verdadeiro cangaceiro
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 Eduardo Ângelo é artesão e jardineiro do Palácio da Abolição (Foto: FABIO LIMA)
Foto: FABIO LIMA Eduardo Ângelo é artesão e jardineiro do Palácio da Abolição

Nascido em Pentecoste, no Vale do Curu, Eduardo Ângelo, 56, faz peças de artesanto a partir do talo da carnaúba (árvore símbolo do Nordeste brasileiro) que abrilhantam a paisagem da avenida Barão de Studart, em Fortaleza. As obras do artesão, que há 25 anos trabalha cuidando do jardim da sede do Governo do Ceará, aparecem ao longo do canteiro central na altura do Palácio da Abolição.

Desde os 20 anos morando na Capital, Eduardo já trabalhou como vigilante, seu primeiro emprego, e em seguida se encontrou na profissão de jardineiro. Até chegar ao Palácio da Abolição, o artesão cuidou dos jardins do Banco do Estado do Ceará (BEC) e, após o banco ser extinto, foi transferido para o Palácio Iracema, localizado no Centro Administrativo Bárbara de Alencar, no bairro Edson Queiroz.

Eduardo chama atenção não só pelo trabalho como artesão, no ofício de jardinagem, mas também por que veste-se como um verdadeiro cangaceiro. A vestimenta faz parte da linguagem que o artista desenvolveu para se comunicar com os colegas com os quais compartilha a rotina no Palácio e é uma maneira de preservar suas memórias. Em entrevista ao O POVO, ele contou um pouco de sua história de vida, dos sonhos realizados e do que espera do futuro.


O POVO - Como você, no seu trabalho de jardineiro, virou artista?

Eduardo Ângelo - Pela observação! Eu gosto muito de observar a natureza, quando eu cheguei do Interior, pela minha vida de agricultor, admirava tudo: as árvores, os pássaros, o verde, o campo. Então foram surgindo as ideias. Minha primeira obra foi de uma árvore centenária, de um galho que caiu. Aí veio a ideia de transformar o galho em uma obra de arte. Com formato de ípsilon ("Y") pensei que o galho poderia ser as pernas, depois peguei outros materiais e fiquei imaginando: isso vai ser a cabeça e depois vieram os braços. Então transformei aquilo em um personagem, minha primeira peça, um “Índio”. A minha mente foi se expandindo cada vez mais, a inspiração aumentando. Depois vieram os pescadores, músicos, presépios de Natal e até agricultores. Sempre lembrando do sertão.


OP - De onde vem sua inspiração, em que momento você decidiu que queria ser artesão e reproduzir na suas peças a cultura nordestina?

Eduardo - A inspiração vem da minha família, no caso minha mãe que fazia panela e pote de barro, então eu pegava o barro para fazer uns bonequinhos, acho que ali já era alguma coisa. Tinha também um artista pernambucano, o Mestre Vitalino, que trabalha muito bem com barro. Essas foram minhas inspirações para decidir fazer minhas peças com talho de carnaúba e material reciclável. Minha obra representa minha origem, eu vim da roça, onde capinava com enxada, cortava mato com foice, carregava lenha em jumento. Inclusive fiz um personagem que está carregando fecho de lenha na cabeça, um dos meus preferidos.


OP - Sendo alguém que não nasceu em Fortaleza imaginou em algum momento que suas peças estariam abrilhantando umas das principais avenidas da Capital cearense?

Eduardo - Eu não imaginei. Só imaginei fazer algumas peças por hobbie. Mas quando Deus abriu a minha mente, foi aí que vi a possibilidade de um dia chegar ao local que estou hoje. Muito reconhecido, até por pessoas que vêm de outros países e daqui mesmo do Brasil. Quando as pessoas vêm a Fortaleza e passam aqui batem fotos das peças e minhas também. Então, nunca pensei que um dia chegaria nessa repercussão. As emissoras de televisão, os jornais também, isso para mim é muito gratificante. E daqui para frente, enquanto eu estiver vivo e eu puder trabalhar, vou continuar.


OP - Qual a importância do artesanato para sua vida, principalmente neste momento de pandemia? Como acontece o seu processo criativo?

Eduardo - O artesanato é extremamente necessário pra mim, essas dificuldades causadas pela pandemia nunca tiraram minha inspiração de fazer as minhas obras de arte, inclusive neste momento estou fazendo uns trabalhos por fora para poder ganhar algum dinheiro. Acredito que quando terminar toda essa fase que nós estamos passando, creio que muitas portas vão se abrir. Sobre meu processo criativo, isso é bastante interessante. Porque muitas vezes eu começo a fazer uma peça e com um tempo percebo que não vai sair mais igual à ideia original, transforma-se em outra coisa. Então às vezes eu vou fazer algo, e do nada a minha inspiração me leva a outro caminho. Até melhor do que aquilo que eu estava pensando inicialmente.

OP - Aos 56 anos, você sonha em viver só da arte ou a jardinagem é outro prazer de sua vida?

Eduardo - Nunca pensei em abandonar a jardinagem, mas eu penso em terminar os dias da minha vida vivendo de arte. Porque vai chegar um dia que vou me aposentar [da jardinagem]. Aí eu vou ter mais tempo de fazer minhas peças com mais dedicação, um acabamento melhor. Investir em material. Porque os que eu trabalho hoje são coisas rústicas: martelo, pregos, talho de carnaúba, meu material preferido de trabalhar, e também coisas recicladas.

 

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