Mais do que se imagina, as palavras têm a capacidade de gerar, impactos positivos ou negativos, em quem as ouve. Certas expressões cotidianas, fortemente enraizadas em algumas culturas, ainda que sejam proferidas como elogios, acabam contendo sinais de críticas ou pré-julgamentos. Assim são caracterizadas as microagressões.
Mesmo quando ditas com a melhor das intenções, as microviolências carregam consigo uma série de preconceitos existentes na sociedade, como machismo, racismo, homofobia e outros. Vivian Rio Stella, doutora em linguística e especialista em comunicação, lança olhar atento sobre o tema e reforça sobre o cuidado para evitar cometer microagressões ao falar.
O POVO - Quais os exemplos mais frequentes de microviolências?
Vivian - “Você está ótima para a sua idade, nem parece que você tem mais do que 40 anos” é uma expressão que é muito naturalizada e que revela o etarismo, o preconceito etário. Uma pergunta frequente em entrevistas de emprego para mulheres é se elas pretendem ter filhos, mas a mesma não é feita para os homens. Há quem diga que faz essa pergunta como forma de planejamento, mas é algo que está enraizado como microagressão. São vários os exemplos, que podem envolver até a vestimenta da mulher ou a frase clássica: “Ai, você é tão bonita para ser uma negra”, que é um baita de um preconceito, mas é justificado como "a melhor das intenções". Tem uma que é bem típica de sotaque: “Nossa, seu sotaque é tão lindo, fala mais um pouquinho”, também é uma microagressão, porque a intenção da pessoa é se conectar com você, mas por que o seu sotaque é assunto e o da outra pessoa não é? É sobre essa falta de empatia que existe cotidianamente. Se a gente for mudar para outros temas, tem gente que fala: “Nossa, ele é tão bonito para ser gay”, por exemplo.
OP - Como as microviolências se encaixam em palavras cotidianas?
Vivian - No conceito em si, as microviolências são chamadas de microagressões, que são falas do cotidiano que vão, de alguma forma, passar pelos preconceitos existentes na sociedade. Mas são frases menos evidentes. A pessoa até acha que está fazendo um elogio para outra pessoa e não tem a intenção de ferir, mas acaba ferindo bastante. São coisas muito do nosso inconsciente, que já estão automatizadas. São também falas ditas de forma sutil, mas que, para quem as escuta cotidianamente, afeta bastante a autoestima e reforçam preconceitos o tempo todo por meio de certas expressões.
OP - Qual a diferença entre agressão e microagressão?
Vivian - Na agressão, eu te agrido, te xingo, te menosprezo e te desqualifico por ser mulher, negra ou homossexual, por exemplo. Na microagressão, no fundo, a gente faz uma piada, tira um sarro, faz um elogio velado de “coitada por ser assim”. Por isso que se chama microagressão, pois ela não é uma violência física, mas verbal, e está muito enraizada a tal ponto que a gente não percebe.
OP - De que outra forma a microviolência pode ser evidenciada no ambiente de trabalho?
Vivian - Já ouvi o relato de uma mulher que fazia parte de uma equipe e estava em uma reunião. O diretor a apresentou dizendo: “Essa aqui é a fulana, que veio embelezar a nossa reunião”. Então, no fundo, a intenção dele foi fazer um elogio, mas ela se sentiu muito desqualificada, afinal, a questão da beleza dela não deveria estar em jogo para que ela faça parte da equipe. No ambiente de trabalho, pouca gente relata isso formalmente. Os dados têm apontado, por exemplo, que apenas 9% das pessoas no trabalho acabam reportando oficialmente algum tipo de microagressão, ao passo que a gente sabe que dois terços da população que trabalha em empresas acaba sofrendo algum tipo. Então, é bem desproporcional.
OP - Quem comete microviolência tem a intenção de machucar?
Vivian - Não, e esse é o problema da microviolência. Eu diria que muita gente acaba por rejeitar esse assunto quando o lê em algum canto, alegando que se trata de muito “mi mi mi”. Mas a gente sabe que a pessoa não tem a intenção, sai no modo automático, ela não pára para pensar.
OP - Quais as orientações para quem sofre microviolência?
Vivian - Existem dois caminhos: você pode dizer que tal fala te afeta e te deixa chateada ou você pode achar que não vale a pena comprar aquela briga naquele momento e se silenciar, o que acaba sendo o que muitas pessoas fazem. Então, a pessoa que não tem a intenção de ferir com as palavras acha que é natural e que está tudo bem falar aquilo, já que a outra parte não deixou claro que foi ferida. O papel de quem sofre microagressão é alertar que tal palavra ou expressão a fere, pedindo para que não seja mais falada. Isso é uma forma didática de dizer para pessoas que não têm a intenção de nos ferir que elas, sim, nos feriu. Não precisa policiar tudo e qualquer coisa, mas é importante sinalizar.
OP - Como evitar cometer microviolência?
Vivian - Primeiro, é exercitar uma palavra que tem sido tão falada, que é a empatia. É uma palavra fácil de entender, mas difícil de vivenciar. Se alguém quer ser realmente empático, respeitoso e ter um papel de compaixão com as pessoas, é preciso estar atento a essas microagressões. A outra parte é entender que esse mundo é muito complexo e que se a gente ficar só no que era dado e naturalizado antes, a gente não evolui. Para evitar, é necessário se atentar às palavras, se questionar se determinada colocação procede nos dias de hoje ou se é fruto de algum preconceito, repertório ou história pessoal.