Ícone do cartum e dos quadrinhos no País, Angeli, de 65 anos, está diminuindo o ritmo da caneta. Há sete anos, o cartunista está em tratamento para combater a afasia, doença neurodegenerativa que impacta a comunicação, inclusive a escrita. Com a evolução da doença, Angeli resolveu se desligar da obrigação diária das tirinhas publicadas pela Folha de S Paulo, como anunciou o jornal nesta quarta-feira, 20.
Ao Estadão, a mulher de Angeli, Carolina Guaycuru, declarou que "o traço dele mudou muito nestes últimos anos, e mais ainda nestes últimos meses. Já não acompanha mais a linguagem do cartum, da tira. Mas se tornou um grafismo mais plástico, mais solto. Por isso, a decisão de parar com a colaboração com o jornal".
Carolina reforçou a ideia de que Angeli segue desenhando, em ritmo menor. "Ele está bem, e tem a arte como expressão. De modo que segue aqui produzindo. Fundamental é que a arte resiste!", disse ela.
Os 50 anos da obra de Angeli deverão ser celebrados em uma publicação da editora Companhia das Letras, ainda sem título e prevista para este ano, sob o comando de Carolina Guaycuru e André Conti. No livro, estarão cerca de mil trabalhos do cartunista. Segundo Conti, ao longo da progressão da doença, Angeli foi se adaptando à nova forma de desenhar. "É um desenho maravilhoso, técnico, dessa nova realidade", diz. E Carolina completa: "Os sonhos de Angeli foram sendo realizados e construídos ao longo de sua carreira. Os projetos agora estão nascendo e vão aparecendo aos poucos para todos. Ele tem muito ainda para mostrar".
OS PERSONAGENS
O cartunista marcou uma geração com a turma da revista Chiclete com Banana. O verde Bob Cuspe era o verdadeiro anarquista, punk de periferia, que lascava uma boa cuspida em quem o irritava. Era fã das bandas punk Ramones, The Clash e Sex Pistols e virou animação em Bob Cuspe - Nós Não Gostamos de Gente.
Os Skrotinhos eram os baixinhos sem trava na língua da turma e não perdoavam ninguém em suas piadas. E a dupla Wood & Stock não era menos divertida ao fazer alusão aos hippies dos anos 1960. E ainda o machão Bibelô e Meia Oito, que tirava uma onda dos esquerdistas dessa geração.
De todos os personagens, ícone mesmo era a Rê Bordosa - com sua banheira memorável, copo de bebida na mão e cigarro na boca. A heroína de Angeli, sempre de ressaca e envolvida em algum amor passageiro, foi criada em 1984 e se tornou uma das personagens mais queridas dos quadrinhos no País. Tanto que, quando Angeli resolveu "matá-la", causou comoção entre os fãs.
"Angeli é fundamental, um sujeito que fez uma caminhada e uma trajetória únicas. Ele trouxe para a charge e para o cartum elementos dos quadrinhos, em que trabalhava personagens e cenas da vida cotidiana - urbana, principalmente", diz a amiga e cartunista Laerte. "Ele fundou uma linguagem pessoal", completa
Adolescente prodígio, Arnaldo Angeli Filho publicou seu primeiro desenho aos 14 anos na extinta revista Senhor. Em 1973, começaram as tirinhas da Chiclete com Banana na Folha.
AFASIA
A doença que acomete Angeli é a mesma do ator de Hollywood Bruce Willis, de 67 anos, que em março anunciou também pausa no trabalho por justamente a afasia afetar as habilidades cognitivas.
No caso de Angeli, ainda não se sabe o que desencadeou a doença, que pode ter como causa mais frequente os AVCs, seja hemorrágico ou isquêmico. O tratamento abre a possibilidade de diminuição dos sintomas e Angeli, como bem disse sua mulher Carolina, está se cuidando.