Após uma exibição praticamente perfeita em que exaltou o orixá Exu dos cultos afro-brasileiros e combateu a intolerância religiosa, a Acadêmicos do Grande Rio, escola de samba de Duque de Caxias, na Baixada Fluminense, venceu, ontem, pela primeira vez, o Grupo Especial do Rio. Entrou assim para o grupo das 16 agremiações campeãs da primeira divisão ao longo de 90 anos de desfiles (em alguns anos houve mais de uma campeã, e três dessas escolas não existem mais). Em segundo lugar ficou a Beija-Flor de Nilópolis, seguida por Unidos do Viradouro (que era a campeã anterior), Unidos de Vila Isabel, Portela e Salgueiro.
Essas seis primeiras colocadas voltarão a se apresentar no desfile das campeãs, no sábado. A São Clemente, escola de Botafogo (zona sul do Rio), que homenageou o ator e humorista Paulo Gustavo, foi rebaixada para a Série Ouro (segunda divisão)
Penúltima escola a se apresentar na segunda noite de desfiles, na madrugada de domingo, a Grande Rio era apontada como favorita desde o fim de sua exibição, com o enredo desenvolvido pelos carnavalescos Gabriel Haddad e Leonardo Bora. O favoritismo se confirmou na apuração. A escola perdeu apenas um décimo de ponto, no quesito samba-enredo, e ficou três décimos à frente da vice-campeã.
Ao longo da apuração, só a Beija-Flor ameaçou o título. As duas escolas ficaram empatadas nos dois primeiros quesitos, mas no terceiro a Beija-Flor perdeu um décimo e a Grande Rio se isolou na liderança. No quarto, a Beija-Flor assumiu a ponta, que manteve no quinto, mas no sexto quesito a Grande Rio retomou a liderança e não a perdeu mais. Quando foi lida a nota que confirmou o título, a maioria das pessoas que estavam acompanhando a apuração no sambódromo - mesmo torcedores de outras escolas - aplaudiu a Grande Rio.
Fundada em 1988, a escola estreou em 1989 na terceira divisão, foi vice-campeã e alçada à segunda divisão. Em 1990, foi novamente vice-campeã e se credenciou para o Grupo Especial. Nele, estreou em 1991, mas ficou em último lugar e foi rebaixada Em 1992, venceu a segunda divisão e voltou à elite, de onde não mais saiu.
Já havia sido vice-campeã do Grupo Especial quatro vezes, em 2006, 2007, 2010 e no último desfile antes da pandemia, em 2020. Em 2011 era considerada forte candidata ao título, mas um incêndio em seu barracão, semanas antes do desfile, destruiu o sonho do título. Naquele ano a escola não foi julgada.
COMEMORAÇÃO
Para o diretor-geral, Antônio Kämpffe, o título tem sabor especial tanto por ocorrer no primeiro desfile após a paralisação por causa da pandemia como pelo enredo apresentado. "É fundamental termos noção que cada um tem sua crença, cada um tem sua fé. Eu posso ser católico, meu vizinho umbandista, meu outro vizinho adepto do candomblé, e todos devemos nos respeitar. É como um preferir churrasco e outro, feijoada", afirmou.
A atriz Paolla Oliveira, rainha da bateria da Grande Rio, comemorou pelas redes sociais. "Que o nosso enredo possa abrir caminhos também contra a intolerância religiosa, o ódio e a falta de amor", escreveu no Twitter.
Com o enredo Planeta Água, inspirado na música de Guilherme Arantes, a Mancha Verde se sagrou, ontem, campeã do Grupo Especial do carnaval de São Paulo em 2022. É o segundo título da escola, também campeã em 2019. Uma das escolas mais tradicionais do País e maior vencedora da folia paulistana, a Vai-Vai foi rebaixada no mesmo ano em que retornou da então inédita passagem pelo Grupo de Acesso I (mais informações na página A18). A Colorado do Brás - penalizada em 0,5 ponto por uma violação do regulamento - também foi rebaixada.
A disputa pelo título foi acirrada. A Mocidade Alegre chegou a assumir a liderança na metade da apuração, mas perdeu a posição em seguida. O resultado só foi definido no último quesito, a Comissão de Frente, a partir de critérios de desempate. Além da campeã e da Mocidade, a Império de Casa Verde e a Tom Maior somaram 269,9 pontos, considerando notas descartadas.
O presidente da Mancha Verde, Paulo Serdan, disse, após a vitória, estar vivendo um misto de sentimentos por ter perdido o último carnaval na mesma categoria em que venceu neste ano. Ele ressaltou que a escola soube ter frieza para avaliar a situação quando teve problemas com o abre-alas, que cruzou a linha amarela, de início da pista, após mais de 10 minutos. "A gente teve humildade para chegar na faixa amarela, que é onde tudo acontece. A gente soube lidar com problemas", disse.
"Vamos ser lembrados como a primeira escola que venceu em São Paulo depois do início da pandemia. Foi um período triste, claro, mas a vitória fica marcada como uma espécie de retomada da alegria", disse Serdan.
A Mancha desfilou na primeira noite do Grupo Especial, na sexta-feira. Apesar do problema com o carro alegórico, não estourou o tempo regulamentar. No abre-alas, em referência à Oxum, divindade das águas doces, havia uma fonte em que a água jorrava da boca de alegorias de peixes. Telões exibiam quedas d’água, mesmo recurso utilizado em outro carro. A escola fez paradinhas longas, de cerca de meio minuto, em que segurou o canto somente com o coro dos integrantes, que repetiam "Iemanjá, Iemanjá, rainha das ondas, senhora do mar..."
FESTA
O troféu da campeã chegou à quadra da escola, na Barra Funda, às 19h20, e foi recebido com sinalizadores verdes acesos pela torcida dentro do galpão.
"É sempre uma grande emoção. Nossa comunidade trabalha muito, é muita dedicação", diz Raquel Lima, de 45 anos, que desfilou no abre-alas da escola. Ela está desde 2004 na Mancha Verde.
"A gente passou uma situação muito complicada antes da linha amarela, e superar isso na pista, chegando a ser campeão do carnaval, é surreal, é demais", diz Vanessa Oliveira, de 38 anos Na escola há 14 anos, ela é coordenadora das passistas e faz parte da diretoria da agremiação. "A gente estava acreditando. Mas, como houve o problema, a gente estava com medo de perder nota em Alegoria", diz ela, que acredita que esse foi o carnaval da superação.