A ministra do Supremo Tribunal Federal (STF) Cármen Lúcia cobrou do Ministério Público (MP) e de autoridades de Justiça locais a investigação dos garimpeiros que estupraram até a morte uma menina Yanomami de 12 anos, na comunidade Aracaçá, na região de Waikás, no norte de Roraima. O apelo foi feito no início da sessão de julgamento nesta quinta-feira, 28, que retoma a pauta verde na Corte, com discussões sobre atos omissivos e irregulares do governo em relação à preservação do meio ambiente e de territórios indígenas.
Em julgamento, o STF revogou três decretos presidenciais que restringiram a participação popular e de governadores em órgãos ambientais federais e proibiu a concessão automática de licenças ambientais a empresas que representam risco médio ao meio ambiente.
"Não é possível calar ou se omitir diante do descalabro de desumanidades criminosamente impostos às mulheres brasileiras, mais ainda as indígenas, em situação de enorme vulnerabilidade, que estão sendo mortas pela ferocidade desumana e incontida de alguns", afirmou Cármen Lúcia. "Parece que a civilização tem um significado apenas para um grupo de homens", destacou em outro momento.
A magistrada, que relata seis das sete ações da pauta verde, justificou a intercessão pela investigação devido ao fato de o crime ter ocorrido justamente no momento em que o Supremo se dedica a responsabilizar o governo por denúncias de leniência com garimpeiros e grileiros em Terras Indígenas. A Corte analisa ações de partidos da oposição contra os atos do presidente Jair Bolsonaro (PL) na área ambiental.
A Terra Indígena Yanomami, na comunidade Aracaçá, está cercada por acampamentos ilegais de garimpeiros. Os moradores passaram a ser coagidos a trocar alimentos por serviços oferecidos pelos homens que trabalham no garimpo. A Polícia Federal (PF) informou ter se deslocado ao local para apurar as circunstâncias do estupro que causou a morte da jovem indígena na última quarta-feira, 27.
"As mulheres indígenas são massacradas sem que o Estado tome providências eficientes para que se chegue à era dos direitos humanos para todos. Não como privilégio de parte da sociedade. Não é mais pensável qualquer espécie de parcimônia, tolerância, atraso ou omissão à prática de crimes tão cruéis e gravíssimos", disse Cármen Lúcia.
Durante a sessão no Supremo, Cármen Lúcia pediu que o MP investigue o caso e tome as providências necessárias para desmantelar as milícias ambientais que atuam na região. Logo após a fala da ministra, a vice-procuradora-geral da República, Lindôra Araújo, afirmou que a instituição acionou a Justiça e solicitou procedimento para averiguar vários fatos relacionados ao crime. Ainda segundo Araújo, os procuradores da região possuem uma Câmara específica para atender o território e mantém procedimentos rotineiros de apuração.
"O Poder Judiciário atua mediante provocação. O cidadão atua pela dor, como a provocada (neste caso), que poderia ser em qualquer parte do planeta, em uma crueldade letal contra as mulheres. Esta perversidade não pode permanecer apenas como dados estatísticos e notícias, como se fossem fatos normais da vida, não são. Nem podem permanecer como notícias que se formalizam em intermináveis processos que nunca esclarecem nem punem os autores das barbáries praticadas", cobrou Cármen Lúcia. "Que não se continue a fazer silêncio ao direito constitucional à vida", frisou.
O presidente do Supremo, Luiz Fux, afirmou que o caso foi levado aos observatórios dos Direitos Humanos e do Meio Ambiente do Conselho Nacional de Justiça. O ministro destacou que o caso é "gravíssimo" e precisa ser "combatido".