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Rafael Studart: o cearense que projetou as cadeiras do papa em visita aos povos indígenas
Farol

Rafael Studart: o cearense que projetou as cadeiras do papa em visita aos povos indígenas

Designer cearense que liderou a criação do conjunto de cadeiras utilizadas pelo papa Francisco na visita ao Canadá conta sobre o processo criativo de produção das peças
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Rafael Studart (Foto: Arquivo pessoal)
Foto: Arquivo pessoal Rafael Studart

“Simples, mas não simplistas; notáveis, mas sem opulência” são as palavras utilizadas pelo designer cearense Rafael Studart, de 39 anos, para definir a produção do conjunto de cadeiras encomendadas pela Igreja Católica à empresa onde ele trabalha, a Ficari. Os objetos foram utilizadas pelo papa Francisco durante visita ao Canadá. A solenidade fez parte de um processo de reconhecimento do genocídio e apagamento cultural dos povos indígenas do país, no qual líderes católicos estiveram envolvidos.

Encarregado de liderar a equipe de produção das oito peças que acompanharam o momento simbólico na história do país, o designer formado em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade Federal do Ceará (UFC) teve cerca de 50 dias para concluir o projeto, que precisava mesclar simbolismos sacramentais e indígenas de forma respeitosa, sóbria e harmônica à ocasião, que ocorreu pela primeira vez em terras canadenses entre os dias 24 e 30 de julho.

Ao O POVO, Rafael Studart contou sobre como se deu a trajetória do convite à entrega do conjunto e os desafios para construir as peças que foram utilizadas pelo líder da Igreja Católica Apostólica Romana no pedido de perdão.

O POVO - Como surgiu a proposta para trabalhar no design do conjunto de cadeiras utilizadas pelo papa Francisco na visita às comunidades indígenas canadenses?

Rafael Studart - O convite foi feito à empresa para a qual eu trabalho, que é de descendência italiana e especializada há mais de 40 anos no ramo hoteleiro, construindo peças para hotéis e restaurantes, mas que já tinha realizado outros trabalhos para a Igreja antes, portanto, já tínhamos contatos. Eu sou o designer responsável pelo braço da empresa que trabalha com a venda direta ao consumidor, e, por isso, quando surgiu o convite, a liderança do projeto das cadeiras para o papa Francisco foi designada a mim.

O POVO - Ao todo, foram estruturadas oito peças. Como foi o processo criativo de produção dos móveis?

Rafael Studart - Quanto à criação, foi feita de forma muito livre. Porém, existiam diversos parâmetros em relação às dimensões da cadeira, porque o papa está com problemas no joelho e algumas dificuldades de mobilidade, então a cadeira tem proporções muito específicas ao corpo dele, e as medidas nos foram passadas diretamente pela Igreja. Dado o motivo da visita ser muito sério e marcante na história do país, considerando que o papa estava indo essencialmente para pedir desculpas aos povos indígenas pela participação da Igreja Católica nas escolas residenciais, para onde as crianças indígenas eram retiradas de suas famílias para serem catequizadas ao modo de vida “civilizado”, era um momento solene. As cadeiras precisavam ser simples, mas não simplistas; notáveis, mas sem opulência. Pois não era sobre a cadeira, não era sobre luxo ou festejo, o momento não pedia isso.

O POVO - Quais foram as especificidades do projeto em termos de matérias-primas utilizadas, da iconografia que estampa as peças e das formas em que elas foram trabalhadas?

Rafael Studart - Todas as cadeiras são diferentes, foram construídas cinco cadeiras para as cerimônias com menor volume de pessoas, que são menores em tamanho do que as outras três que foram produzidas para as cerimônias mais robustas — nas quais optamos por fazê-las com dimensões maiores e com a coroa gravada em formato circular. Utilizamos dois tipos diferentes de madeira, o maple (bordo) e o carvalho, que são nativos do Canadá, o que era importante para a ocasião. Quanto às formas, trabalhamos com a simplicidade, usando os arcos que remetem às antigas catedrais. Além disso, foram utilizados quatro tipos de acabamentos, três tipos diferentes de tecido e seis padrões de bordados nas cadeiras, inspirados nas iconografias dos povos indígenas e desenvolvidos pelo designer Shawn Vincent, que é de ancestralidade Métis — um dos povos originários do Canadá.

O POVO - Na perspectiva de um trabalho realizado em equipe, quais foram os principais desafios que vocês encontraram no percurso?

Rafael Studart - Acho que o grande desafio foi conseguir finalizar tudo dentro do prazo. Foram cerca de 50 dias do convite à entrega das peças. Então, a tarefa foi bastante intensa, pois além da parte de madeira e das partes estofadas das cadeiras, elas têm os bordados e as partes entalhadas, o que é feito à laser, e esse processo precisou cumprir com algumas restrições dos materiais, como o verniz que não pegava em algumas partes das madeiras. Mas, enquanto equipe, gostaríamos de prestar homenagem tanto à herança da Igreja Católica quanto à dos povos indígenas, por meio de uma sobreposição de elementos. Desde a apresentação dos primeiros croquis, tudo o que fazíamos era enviado à Igreja para aprovação e, assim, íamos dando continuidade na corrida até a entrega do resultado.

O POVO - Rafael, o que você enquanto designer leva de bagagem para as suas produções e que tem origem no Ceará, que é o seu estado natal?

Rafael Studart - Enquanto designer, você é a maior gama de suas referências. Não há como separar o fazer do design de mobiliária ou o fazer do design cearense de algum tipo de memória do artesanato, da produção feita à mão, e temos designers que trabalham maravilhosamente bem com isso no Ceará e nos mais variados ramos, seja na moda, na mobiliária, no design gráfico. Enfim, no Estado tem muita gente capacitada e que serve de inspiração para mim.

O POVO - Agora, depois das peças estarem prontas, como você se sentiu ao liderar a produção e saber da importância dessa ocasião, tanto para a Igreja Católica quanto para os povos indígenas?

Rafael Studart - Para mim, a cadeira seria bem-sucedida se ela não fosse notada, porque em nenhum momento a solenidade se tratava das peças. A grande alegria que eu tenho com esse projeto é ver como um produto de design conseguiu traduzir um pouco da essência de um evento que é tão marcante na história de um país como o Canadá, o qual até hoje tem cicatrizes profundas da relação colonizadora. Então, mais do que feliz pelo resultado, eu estou contente por estarmos vivenciando esse episódio e de ter participado, mesmo que minimamente, de algo tão importante para o país.

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