Abrindo cada vez mais espaço em novas áreas de inovação, o Brasil fez história ao ficar em 1º lugar na RoboCup 2022, o concurso mundial de robótica. A competição foi realizada em Bangkok, na Tailândia, no mês passado; e os integrantes da equipe RobôFEI (@robofei) trouxeram, além de um troféu para casa, reconhecimento para um país em que a robótica ainda é pouco apreciada em escolas e universidades.
O professor Plínio Thomaz Aquino Júnior, um dos coordenadores da equipe que eliminou 45 países, conta como foi a trajetória do projeto até a apresentação do robô Hera, que realiza tarefas domésticas como servir pessoas, tirar a mesa, colocar o lixo para fora, dentre outras funções. Ele trabalha no Centro Universitário da Fundação Educacional Inaciana (FEI) há quase 20 anos, coordena o Departamento de Ciências da Computação e faz questão de repassar o amor pela robótica aos orientandos dele.
"Nós organizamos, em 2014, a RoboCup, o Mundial que aconteceu aqui no Brasil. Participamos com apenas duas equipes de futebol de robôs. Esse foi o momento em que percebemos o início de uma forte tendência da robótica de serviço na competição", relembra.
Plínio conta que, apesar de a equipe ter iniciado produzindo robôs que jogavam futebol, esse tipo de função não teria, de fato, um real impacto da vida das pessoas. A partir desse pensamento, eles adentraram na robótica de serviço com plataformas que interagem com seres humanos. Essa também é a área em que o professor concluiu o doutorado.
O Brasil venceu na categoria at home (em casa), e, para obter a premiação, os robôs devem realizar demonstrações de manipulação de objetos, mapear ambientes, dentre outras coisas. Ao todo, a RoboCup reuniu mais de três mil participantes. Hera, o robô brasileiro, mais do que conseguiu atender às expectativas e agora parte para novos desafios em competições futuras.
Leia a entrevista com o professor Plínio Aquino na íntegra:
O POVO - Como surgiu a ideia inicial do robô?
Plínio Aquino Júnior - Lá em 2003, esse tema [robótica de serviço] já era muito importante para a gente poder evoluir e ser referência no Brasil não apenas na parte de robótica, mas na parte de inteligência artificial e visão computacional. O projeto veio à vida com ajuda da motivação dos alunos e dos professores tanto de graduação como de pós-graduação. Nós organizamos, em 2014, a RoboCup, o Mundial que aconteceu aqui no Brasil. Participamos com apenas duas equipes de futebol de robôs. Esse foi o momento em que percebemos o início de uma forte tendência da robótica de serviço na competição. Como o meu doutorado é na parte de interação humano-máquina, pensei que podíamos criar uma plataforma para entrar nessa nova liga. Começamos, em 2015, a nutrir essa esta nova motivação: desenvolver plataformas robóticas que poderiam fazer a diferença na vida das pessoas. Quando falamos de robôs que jogam futebol, o primeiro pensamento é achar aquilo divertido, mas isso não soma à vida das pessoas.
O POVO - Como a equipe RoboFEI foi formada?
Plínio - Na equipe RoboFEI, nós temos 47 alunos membros e três professores coordenadores, e eles têm perfis diversificados. Nós percebemos que essa multidisciplinaridade fez uma grande diferença para que a gente pudesse conseguir esse resultado. A cada seis meses nós abrimos vagas para um processo seletivo para entrar na equipe. Ao longo desse processo, os alunos interessados participam de palestras, cursos de nivelamento e fazem uma prova. Os melhores colocados entram na vaga de trainee, de forma voluntária. Na última seleção, abrimos oito vagas e recebemos mais de 300 inscrições.
O POVO - Como funcionam os programas de incentivo à robótica da FEI?
Plínio - A instituição tem uma pegada muito forte em robótica desde 2003 e nessa mesma época, a equipe Robô FEI foi criada. Antes ela [a equipe] tinha outras funcionalidades e projetava outros tipos de robôs. Participamos de uma categoria chamada small size, ou seja, robôs de tamanho pequeno que trabalham de maneira autônoma jogando futebol. Temos uma segunda liga de humanóides, que é formada por robôs de até 30, 40 centímetros, com pernas e braços que também, de uma maneira autônoma, jogam futebol. E uma terceira liga de robótica de serviço, que foi a que ganhou o Mundial. O robô de serviço é uma plataforma que tem em rodas, um conjunto de sensores, microfones, laser, câmera, sonar e computador embarcado para interagir com pessoas. A FEI tem um compromisso muito forte com robótica, sendo, inclusive, a única instituição que tem como curso de graduação a engenharia de robôs. Por meio de um projeto institucional, nós conseguimos esse financiamento para as plataformas robóticas. Todos os anos nós participamos da competição. A equipe existe desde 2003, mas é importante ressaltar que essa plataforma que ganhou o prêmio começou a ser construída em agosto de 2015. Participamos pela primeira vez do Mundial e ficamos entre os dez melhores em 2016. A gente vem se aprimorando desde 2016.
O POVO - Qual foi o sentimento ao descobrir que vocês tinham vencido o primeiro lugar na categoria da Hera?
Plínio - Nós acompanhávamos a pontuação a cada fase e conseguindo perceber o que cada plataforma robótica vem conseguindo fazer a cada prova. Nos últimos dias já estávamos com o pensamento de que ‘opa, talvez a gente consiga ficar em primeiro lugar’, e quando o anúncio oficial veio foi uma alegria muito grande porque, desde 2016, a gente já conseguia ficar entre os dez melhores. Quando você chega ao Mundial, você já passou, na verdade, por um processo de seleção muito grande. Foi uma emoção enorme, porque mostra a maturidade da equipe e de como a gente desenvolveu o robô. Um grande diferencial que a gente acabou tendo é que nós já saímos do Brasil com o robô totalmente modularizado quanto a suas institucionalidades. Então é todo um critério de engenharia da gente conseguir reunir bloquinhos de funcionalidades computacionais para ser rápido na hora das provas da competição. Em média, a gente dormiu duas, três horas por noite para conseguir fazer o que a organização do evento exigia. Às vezes, de um dia para o outro surgiam novas provas, e nós tínhamos que adaptar o nosso robô a elas. É uma emoção forte representar o Brasil em uma área em que a gente, cada vez mais, está conseguindo marcar presença no mundo.
O POVO - E quanto ao nome do robô, por que Hera? Por que nomear um robô que realiza tarefas domésticas com um nome feminino?
Plínio - Hera é, na verdade, um acrônimo de home environment robot assistant (robô assistente de ambiente doméstico) e, ao mesmo tempo, faz referência à deusa grega Hera, esposa de Zeus. Nós quisemos fazer essa associação das duas coisas, mas tentamos não fazer uma associação a gênero.
O POVO - Pode compartilhar conosco quais são os planos para o futuro que a equipe possui? Quais surpresas a equipe RoboFEI prepara no momento?
Plínio - Nós já temos uma quarta nova subliga que deve ser apresentada na competição brasileira de robótica que a FEI vai organizar em outubro. Essa nova plataforma é voltada à agronomia. No caso das plataformas de serviço doméstico, como a Hera, nós já estamos pensando em uma potencial nova versão em que o robô passa a ter dois manipuladores. Na estrutura atual, ele só tem um [manipulador]. É como se fosse uma pessoa manipulando objetos em uma casa com uma mão só. Essa implantação vai dar uma agilidade muito grande às atividades de casa. No mundial, por exemplo, a Hera executou uma tarefa de socorro a uma pessoa que torceu o pé, compartilhando medicamento que o médico recomendou a distância, mas como só tinha apenas um manipulador, o robô só conseguiu pegar uma coisa de cada vez.