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O prazer feminino como ferramenta de revolução
Farol

O prazer feminino como ferramenta de revolução

Cearense é educadora sexual e ajuda outras mulheres a se conhecerem e a se permitirem
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Clariana é jornalista de formação mas se profissionalizou como educadora sexual  (Foto: Arquivo Pessoal)
Foto: Arquivo Pessoal Clariana é jornalista de formação mas se profissionalizou como educadora sexual

"Educadora sexual que escreve e fala sobre aquilo por aí". É dessa forma que a cearense Clariana Barros Leal, de 30 anos, apresenta-se no Instagram, onde soma mais de 17 mil seguidores. Com "aquilo" ela se refere ao sexo e como a forma de enxergar ele pode ser um potente instrumento de liberdade e revolução feminina

Clariana saiu do Ceará ainda bebê e atualmente mora no Rio de Janeiro. Apesar de ser formada em Jornalismo, a jovem se aprofundou na área da educação sexual e se profissionalizou por meio de cursos, principalmente nos Estados Unidos (EUA). A vontade de atuar no meio surgiu há pouco mais de seis anos, quando ela foi convidada para entrar como sócia de uma loja erótica focada no prazer feminino.

Desde então, segundo a comunicadora, a "troca e a confiança para conversar sobre sexo de mulher para mulher" foi crescendo de uma forma natural, enquanto a mesma entendia e cuidava dos seus próprios traumas. Foi nesse processo, de se conhecer e de se permitir, que a jovem descobriu uma das missões de vida: ajudar outras mulheres que buscavam fazer o mesmo.

Confira a entrevista com a educadora:

O POVO - Você tem utilizado suas redes para falar diretamente com o público feminino. Como foi a escolha desse público? Há algum fator que pesou, além da identificação? 

Clariana Leal - Todo mundo sofre com a falta de informação sobre sexualidade, mas percebi que as mulheres sofrem bem mais por se sentirem sozinhas e receberem mais estigmas negativos sobre o tema. Isso impacta não só na falta de orgasmos e uma boa relação com o sexo, mas com o bem-estar geral mesmo desse indivíduo. Fora que mulheres são as que mais sofrem abusos, desde a infância, e só uma educação de qualidade em sexualidade consegue reverter essas estatísticas tão tristes.

OP -  Nas suas publicações, você costuma dizer que tem o desejo de fazer revolução através da educação sexual. Por onde essa revolução começa e por quais caminhos ela percorre? 

Clariana - Acho que ela começa quando a gente afirma que mulher é gente. Que mulher também é ser sexual. Não é sobre dizer que homem não presta, longe de mim, eles também são afetados e perdem muito com as dinâmicas pobres em relação ao sexo que temos hoje em dia. Mas é sobre entender que não precisamos e nem somos obrigados a nada, tudo que fazemos deve ser feito porque queremos, porque vai ser gostoso, porque vai nos nutrir de alguma forma, e não por pressão. Começa no respeito por nossas decisões e do nosso corpo. Reivindicar esses direitos e saber que até nosso prazer é uma ferramenta importante de revolução pessoal e cultural é algo muito potente.

OP - Você já sofreu/sofre algum preconceito por falar sobre sexo?

Clariana - Nunca sofri nenhum grande ataque, ainda bem, mas em muitas ocasiões eu mesma me vejo em desconforto em falar sobre a minha profissão pra pessoas que recém conheci. No uber, por exemplo, com medo de que eles entendam errado e queiram ultrapassar limites só porque eu sou uma mulher que fala de sexo. É complicado, acredito que só conversando e naturalizando a sexualidade com os mais novos vamos conseguir ter uma próxima geração de pessoas mais respeitosas e protegidas.

OP - Quais os principais desafios que as mulheres, na sua percepção, enfrentam na busca pelo próprio prazer e que tabus ainda precisam ser quebrados quanto ao prazer feminino?

Clariana - São tantos séculos de propagação de mentiras sobre a sexualidade feminina, que muitas coisas foram tomadas como verdade. Por exemplo, o mito de que só o homem gosta de sexo e é mais sexual, e já que a mulher não vai sentir prazer ou ter um orgasmo mesmo, ela deve só estar à disposição ao prazer do parceiro. Os desafios são profundos porque eles mexem nessa estrutura muito enraizada, precisa de muita educação e amparo pra quem passou uma vida inteira sem conhecer o próprio corpo e a sua potência. Precisamos de algumas décadas de trabalho intenso para reverter essa situação.

OP - Dentro do modelo de sociedade machista e patriarcal que vivemos, como o sexo pode atuar como uma ferramenta de libertação feminina? 

Clariana - Em sexo em si, nem tanto, mas a forma como enxergamos ele pode sim ser uma ferramenta maravilhosa. Muita gente acha que uma mulher livre vai acabar fazendo de tudo quando se trata de sexo, mas é justamente o contrário. Libertação sexual tem a ver com aprender a dizer não, porque fomos ensinadas a dizer sim pra tudo e todos, sempre. Então quando você se conhece, entende seus limites, o que gosta e o que não gosta, logo vai aprender a saber comunicar os desejos e os limites. 

OP - Há um grande preconceito em torno da educação sexual, principalmente quando se fala na aplicação dela dentro das escolas. Como enxerga a importância de falar, desde cedo, sobre o assunto?

Clariana - No momento, uma das coisas mais importantes e urgentes que temos a ser feita. Educação sexual para jovens não é ensinar a fazer sexo, não é trazer coisa de adulto! É justamente ensinar sobre consentimento, fazer preventivo contra abuso, falar sobre comunicação e inteligência emocional, trazer a necessidade do respeito. Educar para que meninas não cedam à pressão de fazer qualquer coisa por parte dos meninos, educar para que os meninos parem de pressionar quem quer que seja, falar de proteção e segurança, falar de anatomia para que as partes do corpo não virem bichos de sete cabeças e sigam sendo apenas partes do corpo, e por aí vai.

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