Uma nova proposta em análise no Congresso prevê que o piso salarial dos enfermeiros passe a ter como fonte de recursos uma cifra de R$ 9,9 bilhões que, por decisão do governo Bolsonaro, foi incluída no orçamento secreto previsto para 2023.
A Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 22 foi protocolada ontem, 23, na secretaria-geral do Senado, com a assinatura de 27 senadores. A ideia é que uma cifra de R$ 9,9 bilhões que foi inserida como orçamento secreto para a área de Saúde em 2023 seja usada para bancar os custos com o piso salarial dos enfermeiros.
O piso sancionado pelo presidente Jair Bolsonaro estabelece o valor base de R$ 4.750 para enfermeiros, R$ 3.325 para técnicos de enfermagem e R$ 2.375 para auxiliares de enfermagem e parteiras. Mas liminar do ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal (STF), suspendeu o pagamento, com o argumento de que nem Congresso nem governo definiram uma fonte de recursos para a nova despesa - o que poderia afetar o orçamento de Estados e municípios. O valor previsto para bancar o piso da categoria em 2023 é estimado em cerca de R$ 10 bilhões
GASTOS
Ao enviar sua proposta para gastos com Saúde em 2023, Bolsonaro previu um total de R$ 149,9 bilhões, valor inferior aos R$ 150,5 bilhões autorizados para este ano. Acontece que, como parte dessa cifra de R$ 149,9 bilhões, R$ 9,9 bilhões dos recursos foram capturados pelo orçamento secreto.
Ao Estadão, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), disse que "acredita em uma solução". Uma vez apresentada a PEC, cabe agora a Pacheco dar andamento ao processo, com a possibilidade de que o texto possa seguir, inclusive, para votação direta no plenário da Casa. "Todos os esforços estão sendo feitos para viabilizar o piso. Inclusive por meio de emendas parlamentares, que são mais uma alternativa possível. Acredito muito na solução", afirmou Pacheco.
A PEC 22 foi apresentada pela bancada do PT no Senado, mas já soma apoio de membros de diversos partidos. "Entramos com uma nova PEC para pagar o piso salarial aos profissionais de enfermagem. Propomos repassar de forma transparente a Estados, municípios e hospitais filantrópicos sem fins lucrativos, já no Orçamento de 2023, os recursos hoje usados no orçamento secreto", disse o senador Fabiano Contarato (PT-ES), que é o autor da proposta do piso salarial para a enfermagem. "Em paralelo, continuamos empenhados, junto ao presidente do Congresso, senador Rodrigo Pacheco, na aprovação de outras propostas para custeio do piso da enfermagem. Esta vitória histórica sairá do papel."
O senador Alexandre Silveira (PSD-MG), que está entre os signatários da proposta, acredita que a medida também tem capacidade de resolver o problema. "Temos de apontar e achar as fontes de receita para a criação do piso, que defendo de forma contundente. Podemos usar, em especial, esses recursos da emenda de relator, que realmente são uma distorção da verdadeira função do Parlamento e de sua missão constitucional de fiscalizar o Executivo e suas ações, além da execução orçamentária."
O economista Bruno Moretti, assessor econômico da bancada do PT no Senado, explica que a medida tem o potencial de dar uma destinação clara aos R$ 9,9 bilhões da área da Saúde que foram capturados pelo orçamento secreto e que, se assim fossem mantidos, poderiam ser utilizados em qualquer tipo de atividade nesta área, sem respeitar necessidades mais urgentes do País, baseado apenas em interesses políticos.
"Na prática, a proposta extingue o orçamento secreto para a Saúde, porque esse gasto sem transparência passa, agora, a ter um destino", comentou Moretti. "Se o Orçamento ficar como está, esse valor fica solto. Deputados e senadores poderiam indicar para Estados e municípios como bem entendessem." O assunto deve ser tratado nos próximos dias entre Rodrigo Pacheco e líderes partidários. Não há prazo para que a PEC seja votada, mas a pressão política imposta pelo novo piso - neste momento, uma lei com efeitos suspensos pelo STF - deve acelerar as decisões.
ORÇAMENTO ESVAZIADO
As receitas da área de Saúde têm sido esvaziadas pelo orçamento secreto - esquema revelado pelo Estadão de transferência de verba a parlamentares sem critérios de transparência. Como mostrou o Estadão, o corte de despesas promovido pelo governo Bolsonaro para acomodar cifras do orçamento secreto atingiu, por exemplo, os recursos destinados a investimentos para prevenção e controle do câncer - a segunda doença que mais mata no País. A verba foi reduzida em 45%, passando de R$ 175 milhões para R$ 97 milhões em 2023.
Para reservar um total de R$ 19,4 bilhões ao orçamento secreto, o governo Bolsonaro determinou um corte linear de 60% nas verbas da Saúde. A decisão comprometeu programas de atendimento direto, como o Farmácia Popular, que distribui medicamentos gratuitamente ou com desconto, e os atendimentos do programa Mais Médicos e Médicos pelo Brasil, cujo objetivo é suprir a carência por atendimentos e minimizar a disparidade regional na distribuição dos profissionais pelo território.
No caso do Farmácia Popular, a verba caiu de R$ 2,4 bilhões para R$ 1 bilhão. O programa fornece medicamentos para asma, hipertensão e diabetes, entre outros, assim como fraldas geriátricas. Mais Médicos e Médicos pelo Brasil perderão metade dos recursos.