A data de 15 de outubro é marcada mundialmente como o Dia Internacional da Conscientização à Perda Gestacional e Neonatal. Para manter acesa a chama do amor e viva a memória dos filhos que se foram, integrantes do coletivo Da Dor ao Amor pretendem se reunir na praça Luiza Távora, às 19 horas, no próximo dia 15. No ato intitulado de "Onda de Luz", mães e pais acenderão velas, em um ato simbólico, para manifestar a dor, saudade, amor e luto diante das mortes prematuras dos filhos.
Alguém que perde os pais pode ser chamado de órfão, alguém que perde um cônjuge é viúvo. Mas e quem perde um filho? A ação do coletivo está sendo organizada para que os familiares possam dar vazão ao luto e o adeus aos bebês que partiram prematuramente. Além do ato de sábado, o grupo costuma promover reuniões mensais para estabelecer um espaço coletivo de troca afetiva e apoio emocional na vivência do luto.
O grupo de acolhimento foi criado em agosto de 2019, após a perda do casal Lucas Ramalho, 34, e Tatiana Viana, 34. “Em março de 2019, a gente perdeu a Beatriz durante a gestação. A bebê já estava com nove meses. Durante um exame de rotina, soubemos que o coração dela não estava batendo. Começo esta conversa por esta informação, porque para falar do grupo, eu preciso falar da Beatriz”, diz Lucas Ramalho.
O casal estava habituado a frequentar outros grupos que falavam sobre gestação e primeira infância - desde como trocar fralda, dar banho e até amamentar. “Chegou o dia em que a gente se viu na situação de perda da nossa filha. No Ceará, ainda não havia nenhum grupo de acolhimento para pais nesta situação, mas havia uma em Pernambuco. Através dele, nos mobilizamos para criar um aqui no Estado.”
O grupo assume um papel na vida das pessoas que passam por essas situações, pois segundo o pai da Beatriz, muitas vezes, esse tipo de luto não é legitimado pela sociedade. “A morte ainda é um tabu. Quando se fala da morte gestacional ou neonatal é mais ainda. Evitam falar visando fugir do sofrimento. Muitos pais e mães acabam sem espaço para falar sobre as coisas mais importantes que aconteceram na vida deles. Através do espaço do grupo, nós conseguimos falar e ouvir as experiências de outras pessoas”.
O grupo Da dor ao amor possui mais de 60 participantes. Lucas conta que com a pandemia, o grupo alcançou pessoas de fora do Estado e do País. Além disso, os encontros passaram a ser híbridos (presenciais e remotos).
“O intuito é que possamos construir um espaço de convivência, mas isso não é uma regra. No nosso espaço, a gente consegue estar conectado a pessoas que entendem melhor nossa situação, justamente porque passaram por algo parecido. É um grupo de partilha, onde nós somos iguais”, finaliza.
De acordo com os documentos do portal da Biblioteca e Museu presidencial Ronald Reagan, no ano de 1988, o então presidente republicano e norte-americano proclamou que o mês de outubro fizesse alusão a Conscientização da Perda da Gravidez e do Bebê, 1988.
Conforme os documentos da proclamação, na época, muitas famílias sofreram com a perda precoce dos filhos. A cada ano, aproximadamente um milhão de gestações nos Estados Unidos terminam em aborto espontâneo, natimorto ou morte do recém-nascido.
A experiência envolve dor e inconformismo. Para dar visibilidade a dor dos pais, surgiu a data, celebrada todo dia 15 de Outubro. Nesse dia, familiares, amigos e simpatizantes à causa acendem velas numa corrente de amor que relembra o quanto esses bebês são amados e importantes. A esta corrente de luz se deu o nome de Wave of Light, e em português "Onda de Luz".
A psicóloga com foco em luto, Juliana Vieira, argumenta que nós nos afeiçoamos às pessoas independente do período em que a perda aconteça, o falecimento deste bebê já representa uma perda que vai ser sentida. “O luto é a manifestação de um sofrimento devido à perda de um vínculo que foi rompido. Por mais que o vínculo aconteça somente intraútero ou com poucos dias de vida, ele era algo que estava sendo estabelecido”, afirma Juliana.
“O luto é normal e natural. Ele é um vínculo estabelecido e no momento que esse vínculo é rompido existe o processo de enlutamento. A gente não precisa impedir as manifestações desses processos. Independente do período que esse bebezinho passe com a família, esse bebê já é alguém e já compõe essa família”, relata a psicóloga.
Assim como no caso de Lucas Ramalho, a psicóloga também traz questões que envolvem os enlutados: "Algumas pessoas acabam deslegitimando esse luto se utilizando de frases como ‘vocês são jovens, vão ter outros filhos’, ‘o neném não nasceu, então não tinha apego’ e ‘depois vem outro, vocês podem continuar tentando’. Todas essas frases são maneiras de silenciar o luto e são agravantes para o processo de sofrimento dessa família”, diz.
Para Juliana, uma proposição para quem deseja confortar a família é fornecer uma rede de apoio para tornar o luto mais suportável. “A primeira dica para dar conforto a essas pessoas é validar esse sofrimento. Trata-se de um sofrimento válido e legítimo. Frases que tentam minimizar esse sofrimento ou invalidá-las não são bem-vindas. Não precisa estabelecer nenhum tempo para superar essa dor. O luto não tem um tempo”, finaliza.
A perda gestacional é a complicação mais comum da gestação, conforme avaliação da Secretaria da Saúde do Ceará. Cerca de 20% das gravidezes clinicamente diagnosticadas evoluem para interrupção espontânea. A interrupção não está associada somente a morbidade física ou alta mortalidade, mas com repercussões sociais e psicológicas importantes à família.
O Ceará tem uma média de mil mortes deste tipo por ano. Segundo a Célula de Vigilância de Óbitos da Secretaria de Saúde do Ceará, dos anos e dados analisados (2017-2022), 2018 foi o que mais registrou óbitos por perda gestacional, com 1.471.
O National Center for Health Statistics, os Centers for Disease Control and Preventions (CDC) e a Organização Mundial de Saúde (OMS) definem aborto espontâneo como término da gravidez com idade gestacional (IG) menor que 20 semanas ou feto pesando menos que 500 gramas.
De acordo com a época da gestação na qual ocorreu a interrupção, denomina-se aborto ovular (até 3ª semana), embrionário (4-8 semanas) e fetal (9 - 20 semanas). Uma perda gestacional entre a 22ª semana até a 36ª semana é chamada pelos médicos de parto prematuro de um natimorto. Da 36ª semana em diante, se o bebê morre no útero materno, diz-se que houve uma perda gestacional tardia.
A Secretaria de Saúde do Ceará (Sesa), através do Comitê Estadual de Prevenção do Óbito Materno, Infantil e Fetal, promoverá um fórum na próxima quarta-feira, 19, para sensibilizar os profissionais da saúde do Ceará, a respeito da relevância do cuidado integral e humanizado às famílias enlutadas. "O intuito é fortalecer os setores da saúde do Estado que prestam cuidados aos pais após uma perda de gravidez ou a morte de um bebê."
Segundo a coordenadora técnica do Comitê Estadual de Prevenção da Mortalidade materna, infantil e fetal da Sesa, Marley Carvalho, o luto perinatal é uma experiência, que requer condições para ser elaborada. “Pais enlutados foram identificados como um grupo de alto risco para luto complicado, com até 25% sofrendo de sintomas graves anos após a morte do bebê.”
A coordenadora conta que especialistas consideram luto complicado quando a reação natural de tristeza é persistente, tornando-se cada vez mais debilitante e incapacitante.
Os sintomas aparecem caracterizados por uma sensação emocional de entorpecimento, atordoamento, ou de que a vida não tem sentido; desconfiança; amargura pela perda; dificuldade em aceitar a perda; confusão de identidade; postura de evitar a realidade da perda; ou dificuldade em seguir em frente com a vida.
“Tal impacto afeta a saúde mental dos pais, bem como os planos futuros relativos à constituição ou ampliação da família. É importante considerar que cada pai e mãe vivencie o luto de forma individual, portanto, deve-se ofertar cuidados sensíveis às suas necessidades após a morte de seus filhos”, finaliza.