“Filho, nunca brigue com o mar. Por mais adversa a situação que você esteja, fique calmo, você vai sair desta situação.” Esses foram os ensinamentos dados pelo pescador Francisco de Assis, avô do bombeiro que nadou 21 quilômetros, de Jericoacoara até a praia de Guriú, em Camocim, na noite de terça-feira, 6 de dezembro.
O que o sargento do Corpo de Bombeiros Militar do Ceará (CBMCE) Jairo Oliveira Amorim, 36, não sabia é que a frase serviria como uma aula de sobrevivência. Na corporação há 13 anos, ele conta que o cenário era um verdadeiro teste psicológico e de preparo físico. “Nunca tinha vivenciado nada parecido”, diz.
Por quase quatro horas, ele esteve imerso à escuridão, à solidão, e ao aflito com os animais marinhos enquanto retornava à terra firme. Diante de uma história que ficará registrada em sua carreira e nos anais da corporação, Jairo teve seu ato de bravura reconhecido, sendo promovido de 3° para 2° sargento até o fim do ano.
O POVO - De onde surgiu o interesse pela área de guarda-vidas?
Jairo Oliveira Amorim - A minha principal influência foi meu avô. Seu Francisco era pescador, sempre falava do mar. Ele dizia algumas frases, como “Filho, nunca brigue com o mar. Por mais adversa a situação que você esteja, fique calmo, você vai sair desta situação”, e isso me fez ter respeito pela natureza. Outra pessoa que também teve forte influência na escolha foi um antigo amigo, o subtenente Mesquita, descrevendo as boas vivências da profissão. Então, quando entrei para os bombeiros, já queria trabalhar no salvamento aquático, onde estou há 13 anos. É um ambiente onde me sinto à vontade. Como moro muito próximo da praia desde os 10 anos, é mais um fator que me faz estar bem adaptado com o mar.
OP - A sua relação familiar lhe motivou a sobreviver? Pensou em desistir em algum momento?
Jairo - Na minha cabeça, quanto mais rápido nadasse, mais cedo conseguiria falar com a minha família. No momento em que optei por sair do jetski e chegar de volta à terra, uma das principais motivações foi dar a notícia para minha mãe, a senhora Joelma. Todas as pessoas próximas a mim [namorada e amigos] estavam na minha casa, junto com ela, aguardando contato. Inclusive, um dos meus amigos foi o responsável por acionar o Corpo de Bombeiros. Caminhei por quase 50 minutos até chegar à casa da dona Kátia — parecia que ela estava me esperando —, e foi quem me acolheu e emprestou o celular. Mas, lá não pegava 190. Foi quando liguei para minha mãe e tive a sorte de saber que ela estava ao lado de um amigo que tem o contato de um colega bombeiro. Na mesma hora, o chamado de resgate foi feito, e foram me buscar.
OP - A quem você gostaria de prestar agradecimentos?
Jairo - Sou grato a toda a corporação, por todo o aparato, meus amigos de trabalho que se voluntariaram a ajudar nas buscas, aos pescadores de Jericoacoara, ao bugueiro que levou até uma bateria com luz para iluminação, ao “Edu”, da Ticowind, que colocou sua embarcação na água. É porque não era para me acharem mesmo [risos], mas todos fizeram o possível. Todos se mostraram muito solícitos.
OP - Como o senhor descreve o seu ato de bravura que lhe garantiu um novo cargo dentro do CBMCE?
Jairo - Como disseram, "pode parecer algo fácil, mas não foi". Mesmo diante dos aspectos físicos e psicológicos, como o frio e o medo, zelei pela ética e a moral durante a missão. “Vidas alheias e riquezas salvar” é o nosso lema. Tentei ficar com o equipamento até onde conseguisse — das 18h30min até 21 horas, duas horas e meia tentando levá-lo. Coloquei minha vida em risco para atender às responsabilidades de bombeiro militar. Esta é a nossa maneira de atuar. E fico muito feliz em ser reconhecido por isso. Um agradecimento especial ao comandante-geral, Ronaldo Roque de Araújo, pela promoção para 2° sargento.
OP - O que levou como aprendizado desta experiência?
Jairo - O aprendizado é tanto para minha vida pessoal quanto profissional. Normalmente estamos na correria do dia a dia e achamos que batalhamos sozinhos. Porém, quando passamos por um momento como este, percebemos a quantidade enorme de pessoas que estão torcendo, dispostas a abandonar seus afazeres para ajudar. Inclusive, até do setor privado, queriam enviar um helicóptero. Elas me ensinaram que não podemos desistir, pois estão do nosso lado, precisam de nós, do nosso trabalho. Enquanto profissional, refleti que nunca devemos subestimar as ocorrências. Temos que estar sempre preparados, tanto fisicamente, como, acima de tudo, emocionalmente.