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"Maquetes são uma maneira de preservar a memória", diz maquetista Antônio Simão
Farol

"Maquetes são uma maneira de preservar a memória", diz maquetista Antônio Simão

O maquetista Antônio Simão detalha a sua paixão pelas miniaturas e a sua relação com o meio ferroviário
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Antônio Simão desenvolvendo uma de suas maquetes  (Foto: Estúdio Voa/ Divulgação)
Foto: Estúdio Voa/ Divulgação Antônio Simão desenvolvendo uma de suas maquetes

O cabelo grisalho e as mãos com as veias saltadas são parte da relação de amor que Antônio José Simão, 68, tem pela confecção de maquetes. Mecânico líder das Oficinas de Manutenção da Transnordestina, conhecidas como Oficinas do Urubu, Simão viu a paisagem industrial de Fortaleza transmutar ao longo de sua vida.

O receio de que o imenso espaço se tornasse inoperante fez com que ele decidisse registrá-lo por meio da miniatura. Para além da própria memória do ambiente, o maquetista quis sublinhar a importância que o meio ferroviário teve para o desenvolvimento urbano e econômico da cidade mais populosa do Ceará.

A sua última obra, intitulada “Ferrovia em miniatura: Memórias das Oficinas do Urubu”, faz parte do catálogo de exposições do Museu Ferroviário João Felipe, equipamento do Complexo Cultural Estação das Artes.

Ao O POVO, Simão esmiúça de que maneira a paixão pelas maquetes se construiu em sua vida e lista os desafios que enfrenta ao manufaturar as obras.

O POVO - Como surgiu a ideia de realizar a maquete?

Antônio Simão - Trabalho nestas oficinas há 40 anos. Comecei a ver todas as mudanças que aconteceram com as indústrias que existiam na avenida Francisco Sá. Muitas delas foram fechadas e acabaram sendo instaladas em cidades da Região Metropolitana de Fortaleza. Foi neste momento que começou a correr o boato de que a sede da Transnordestina também iria ser realocada. Acho que, se as instalações fossem transferidas, não conseguiria me adaptar a um novo endereço. Toda a minha vida esteve ligada àquelas oficinas. A partir disso, começou a surgir a ideia de realizar a maquete. Era uma maneira de preservar a memória do espaço. Na minha infância, lembro que gostava de brincar com latas e com outros materiais, sempre a tentar construir coisas. De início, tive alguns desafios. Fora os custos, foi difícil encontrar tempo para desenvolver o trabalho. Tive que acelerar o processo, porque queria que a maquete estivesse concluída até o dia do Ferroviário. Fiquei imensamente alegre quando a concluímos. Sinto saudade dela quando estou em casa [risos].

OP - Que tipo de mensagem o senhor busca transmitir com este trabalho?

Simão - Paixão, acima de tudo. É preciso ter amor pelas coisas que se faz. Tive muita paciência durante todo o processo. Sou muito determinado. Quando encontro barreiras que me impedem de realizar meus objetivos, sei que preciso vencê-las. Foram muitas as vezes que pensei em desistir da maquete. Foi preciso muita resiliência. Afirmo que, de certa maneira, o trabalho que desenvolvo transformou a minha vida. A minha paixão pelas maquetes começou depois que comprei uma inacabada. Como não estava concluída, decidi finalizá-la por conta própria. Na época, passava por sérios problemas com o alcoolismo. Fui um alcoólatra inveterado. Lidei com situações muito adversas. Foi um período muito sombrio. Construir maquetes foi a forma que encontrei de me afastar destas dificuldades. Não consumo bebidas alcoólicas há mais de 20 anos. 

OP - Qual a importância do seu trabalho para a preservação cultural da nossa cidade?

Simão - Muitas pessoas que trabalham nas oficinas da Transnordestina vão olhar o meu trabalho e afirmam que nunca tinham se dado conta da dimensão do espaço. A maquete tem este objetivo. É por isto que se chama ‘Oficinas do Urubu’. Todas aquelas instalações são funcionais. Mesmo situado em Fortaleza, muitos moradores da Cidade não se dão conta da existência do espaço. Também é preciso lembrar que a família ferroviária é espetacular. Sempre foi muito bom sair de manhã para trabalhar com as pessoas desta indústria. Como sou viúvo e não moro com meus filhos, trato os meus colegas de trabalho como familiares.

OP - De que maneira a história da Cidade está atrelada com as oficinas de manutenção e com as ferrovias?

Simão - A cidade não conhece aquelas oficinas. Até cirurgias foram feitas lá [risos]. Muitos municípios, como Fortaleza, se desenvolveram por meio das ferrovias. Era impossível, por exemplo, transportar algodão sem a presença dos trilhos de ferro. A falta de meios de locomoção foi um fator que impediu o desenvolvimento de muitas cidades. Também era muito comum que passageiros conhecessem Fortaleza por causa das estações ferroviárias. Animais e até botijão de gás eram transportados. De certa forma, o desenvolvimento de todo o Ceará esteve atrelado com as ferrovias.

OP - Tem em mente realizar novas maquetes?

Simão - Sim, mesmo com as dificuldades que precisam ser enfrentadas. Não existem patrocínios para esta área. É preciso, então, muito empenho. Certa vez, uma pessoa me encomendou uma maquete. Quando conclui, ela me falou que não tinha o dinheiro para pagar. Quando finalmente conseguiu os recursos financeiros, voltou a me procurar para quitar parte da dívida. Falei que não venderia mais, porque já tinha começado a brincar com a maquete [risos].

 

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