Dividir a vida com um animalzinho traz inúmeros benefícios para a vida, incluindo uma rotina mais leve. Érica de Caria encontrou sua paz dando amor e carinho a 57 jumentos que chegaram a sua vida por acaso e fizeram morada em sua casa e em seu coração. A paulista, que se mudou em 2016 para o Ceará, é a prova de que o amor tudo muda.
A procura de uma jumenta arisca e esfomeada proporcionou que a administradora enxergasse a vida com outros olhos, lhe ensinando até a conviver melhor com a ausência de sua mãe que faleceu em decorrência de um câncer.
Hoje, o Lar dos Pancinhas, em Amontada, a 174km de Fortaleza, é a melhor parte de Érica, que conta ao O POVO como ela os resgatou e como eles mudaram a sua vida para melhor.
O POVO - Há quanto tempo você cria seus animais e porque o abrigo se chama “Lar dos Pancinhas”?
Érica de Caria - Desde março de 2021 eu crio meus animais, vai completar dois anos. Eu lembro oficialmente abril de 2021. Então, agora em abril, eu vou comemorar os dois anos. O nome "Lar dos Pancinhas" veio porque quando eu consegui finalmente alugar o espaço ideal para tirar eles das ruas, eu botei esse nome lá, porque o lar é onde definitivamente eles teriam a casa deles. "Pancinhas" foi porque eles chegaram muito magros, e aí conforme o tempo, eu fui percebendo o desenvolvimento da "pança". Então as panças são muito grandes, eles comem demais. Graças a Deus eles têm alimento, nunca faltou depois que eu comecei a cuidar deles e, para mim, é uma prioridade que nunca falte devido à fome que eu vi eles passarem. Então eu vi a pança crescer e aí eu coloquei meus pancinhas, e quando eu conquistei esse espaço, que foi em janeiro do ano passado, eu coloquei o nome de "Lar dos Pancinhas".
O POVO - Como os cuidados com eles começaram? Quem foram os primeiros a chegar até você?
Érica de Caria - Bom, a primeira jumenta foi a Dona Marta e o filhote dela, o Supla. Resumidamente, eu vi ela comendo papelão e eu fiquei indignada, questionei pra minha filha, que estuda veterinária em São Paulo, perguntei o porquê dela comer papelão desesperadamente. E aí o vizinho que estava junto falou "ah eles adoram papelão". E eu achei aquilo insano né? Como é que adora papelão? Aí eu perguntei pra minha filha porque de repente vai que tinha alguma ali no papelão que era comestível. E aí não, a Isabela falou pra mim que era o desespero da fome mesmo. Então aquilo me tomou de um jeito, me tocou e naquele momento eu passei a cuidar deles, dos dois.
O POVO - Quantos jumentos você acolhe atualmente?
Érica de Caria - Olha, cada semana é uma novidade. Até o dia que a matéria do jornal saiu acho que era 54. E na segunda-feira chegaram mais três jumentos, porque quando chegam aqui, eu não tenho coragem de virar as costas. Então, eu resgatei mais três. Eu estou com 57 jumentos e um cavalo, que quebrou a classe (deixou de poder ser competitivo), seria sacrificado porque ele não tem mais utilidade humana. Infelizmente, pra ele só servia como diversão, para competição, e aí ele veio parar aqui no abrigo.
O POVO - Você chegou a abrir uma pousada com o seu ex-companheiro quando se mudaram para o Ceará, mas ele não lidou muito bem com os animais convivendo no estabelecimento, o que levou a separação de vocês. Como foi essa história e como você lidou com esse processo?
Érica de Caria - Bom, eu morava em Fortaleza, mas me mudei para o Interior por conta da pandemia. Aí com pouco tempo, comecei a trabalhar como gerente de uma pousada, só que eu e meu ex-companheiro decidimos abrir a nossa própria pousada. E foi nela que conheci Dona Marta e o Supla. Só que chegou o momento em que tinha muito jumentos e atrapalhava ali no final de semana, porque eles (jumentos) não entendiam que de segunda a quinta eles podiam ficar por lá e nos outros dias não. Nos fins de semana, que tinham hóspedes, tinha que fazer tudo lá fora, mas sempre lotava, e nessa época eu tinha 16 jumentos. E eles começaram a incomodar a proprietária do imóvel, que pressionava o meu ex-companheiro, deixando ele estressado e a gente começou a brigar por isso. Eu queria manter os bichinhos lá, mas ele queria que fosse em outro lugar. E eu vi que, em determinado momento, eu estava prejudicando um negócio que era dele, porque ali era um sonho dele e não meu. Então decidi seguir o meu caminho e ele seguiu o rumo dele. A separação foi super amigável, inclusive somos amigos.
O POVO - Como você se sente sabendo que você está dando uma vida de qualidade pros seus bichinhos?
Érica de Caria - Eu me sinto abençoada, honrada, vitoriosa! Eu tenho muita baixa autoestima na minha vida pessoal, como mulher, mas quando eu vejo tudo o que tenho feito pelos jumentos, tudo que eles têm hoje e (ter) conquistado pela minha voz eu me sinto uma vitoriosa, eu realmente falo: “Nossa, você é muito guerreira Érica”, porque tudo eu passo sozinha! Eu não tenho uma pessoa aqui da minha família, eu moro num povoado distante de tudo e de todos, eu sou extremamente urbana e eu me sujeitei a vir a um povoado que nem farmácia tem e nem sinal de telefone tem, e tudo por amor aos jumentos. Então, quando eu olho pra trás e quando eu olho pra eles, me dá muita gratidão. Eu me sinto como se fosse uma heroína.
O POVO - Você disse que era muito apegada a sua mãe e que os seus pancinhas lhe ajudaram a lidar melhor com o luto. De que forma eles lhe ajudaram a conviver com a ausência da sua mãe?
Érica de Caria - Eu era uma pessoa muito apegada à mamãe, nós tínhamos uma ligação muito forte e de repente, quando ela se foi, por decorrência de um câncer, eu fiquei muito abalada. E aí, eu sofria com depressão, como se parte de mim tivesse morrido também. E aí, com os jumentos, eu fui me apegando, brincando com eles e foi preenchendo o vazio que eu tinha. E foi algo que aconteceu naturalmente, quando eu vi, já estava com uma responsabilidade com os jumentos e aquilo me deixava feliz. Hoje não tenho mais espaço para tristezas. Eu penso que ela estaria orgulhosa de mim, tanto que quando um jumento adoece, eu sempre peço a ela para me ajudar a curar ou até mesmo aliviar o que ele está sentindo. E tudo isso acalmou o meu coração, eles preencheram o vazio que ela me deixou.
O POVO - O que o Lar dos Pancinhas significa pra você?
Érica de Caria - É a minha razão de viver, a minha razão de lutar, a realização de um sonho. Por mais que eu não nunca imaginei que seriam jumentos, mas há muitos anos e anos atrás eu sempre pensava, que um dia eu ganharia na Mega-Sena e resgataria todos os cachorros e gatos das ruas. E, por ironia do destino, por sei lá qual o motivo, uma força maior e a vida me levaram a isso, a eu recolher não gato, cachorro, mas os jumentos e eu sou extremamente feliz com a vida que eu tenho, por mais que eu tenha que passar por muita coisa e abrir mão de muita coisa. Mas eu sou extremamente feliz com eles e eu não me vejo sem eles.