Hoje, dia 7 de abril, a Associação Brasileira de Imprensa (ABI) completa 115 anos de existência. Ao longo da história centenária, a entidade participou de debates centrais na política nacional. Corredores e salas do edifício-sede, no Rio de Janeiro, foram frequentados por intelectuais de diferentes posições partidárias e ideológicas. E, por isso mesmo, a associação teve em seus quadros tanto defensores firmes da liberdade de imprensa, quanto aqueles que flertavam com governos autoritários.
A ABI chega a 2023 com o desafio de atrair um número maior de jornalistas, principalmente os jovens. Pesquisa interna de 2022 mostrou que 89% dos membros tinham mais de 55 anos.
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“Nós estamos nesse processo de expandir associados, principalmente jovens que, de alguma forma, não participaram dessa história da ABI no Brasil. Esse é nosso maior interesse agora, a renovação”, explica Vitor Iório, coordenador da Comissão de Educação.
“A entidade, devido a essa expansão das novas tecnologias, está se tornando verdadeiramente nacional. Antes, ela ficava mais restrita ao Rio de Janeiro, São Paulo e Brasília. Mas hoje nós temos associados e conselheiros e participantes de norte a sul e de leste a oeste do Brasil”.
Apesar da abrangência, o número de membros teve queda histórica expressiva. Em uma pesquisa acadêmica, Hérica Lene, doutora em Comunicação em Cultura pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), indicou que eram 3.880 associados em 1940. Em 2013, cerca de 8.300. Dez anos depois, o número está em torno de 700.
O jornalista Octávio Costa foi eleito presidente em 2022, com a vice Regina Pimenta. Ele garante que a entidade vai participar ativamente dos principais debates que envolvem o setor de comunicação. A meta é, sobretudo, retomar o prestígio de outros tempos.
Costa listou como principais preocupações a volta da exigência do diploma de jornalista, a valorização da carteira de trabalho no lugar das contratações pelo regime de pessoa jurídica, o enfrentamento do assédio contra a imprensa e a regulamentação das grandes plataformas digitais.
“Nós estamos em um grupo de trabalho do Ministério da Justiça que trata de violência contra jornalistas. Em um outro grupo no Ministério Público Federal que trata da questão de assédio judicial contra jornalistas, que são os processos em cascata por crime de opinião. E dentro da Advocacia-Geral da União foi criada uma Procuradoria Nacional de Defesa da Democracia. A ABI está participando nesse grupo também. Ou seja, a ABI está envolvida com todas as grandes questões que envolvem a comunicação no Brasil”, disse.
A instituição nasceu em 7 de abril de 1908 como a primeira organização corporativa dos jornalistas no país. O nome inicial era Associação de Imprensa. Só em 1913 mudaria para Associação Brasileira de Imprensa (ABI). Tinha caráter essencialmente assistencial: mantinha caixa de pensões e auxílio para sócios e familiares, ajuda médica e farmacêutica, serviços de enfermaria e residência para idosos. A iniciativa foi liderada pelo jornalista negro e socialista Gustavo de Lacerda, filho de uma mulher que havia sido escravizada. Ele acabou morrendo quase um ano e meio depois da criação da instituição, em setembro de 1909.
Os presidentes seguintes conseguiram manter a entidade em funcionamento, apesar da adesão baixa da classe jornalística. Um dos motivos era a oposição e sabotagem dos donos de jornais. Os anos 1920 e 1930 foram de mudança e de fortalecimento, quando a ABI incorporou outras entidades com propósitos semelhantes, o Clube da Imprensa e a Associação de Imprensa Brasileira.
O principal nome da época foi Herbert Moses, que presidiu a entidade entre 1931 e 1964, quando ela se consolidou como uma instituição de importância nacional e ganhou fama como a “casa do jornalista brasileiro”.
Além de promover congressos e palestras sobre a profissão, a ABI fez campanha pela criação de uma escola de jornalismo. O primeiro curso regular do país foi o da Fundação Cásper Líbero, em São Paulo, no ano de 1947. No Rio de Janeiro, o curso surgiu em 1948, na então Faculdade Nacional de Filosofia da Universidade do Brasil (atual UFRJ). Os professores eram indicados pela ABI e os recursos financeiros obtidos com a Companhia de Cigarros Souza Cruz, em que Herbert Moses era advogado.
No campo político, o mandato de Moses foi representativo de um padrão ambivalente da ABI. Em dois períodos de governos autoritários no país, durante o Estado Novo (1937-45) e a ditadura militar (1964-1985), estabeleceu a Comissão de Defesa da Liberdade de Imprensa, para denunciar violências contra jornalistas e proteger aqueles que eram perseguidos com apoio jurídico e financeiro.
Por outro lado, as relações com o poder federal sempre foram próximas e questionáveis. Herbert Moses foi criticado pelos diálogos frequentes com Getúlio Vargas. Internamente, um grupo defendia a ruptura com o ditador no período do Estado Novo. Mas o líder da ABI alegava ser estratégico estar em contato com o governo para conseguir benefícios materiais para a entidade e defender jornalistas e empresas de comunicação.
Essa relação foi fundamental para a construção da atual sede, no centro do Rio, cujo edifício é tombado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan). As obras duraram de 1936 a 1939. Moses conseguiu um auxílio financeiro do governo federal, por meio de um empréstimo do Banco do Brasil, no valor de 13 mil contos de réis. Getúlio Vargas recebeu o título de sócio benemérito e presidente de honra da Casa.
Quando outro golpe aconteceu, em 1964, a ABI não apoiou formalmente o regime militar, como fizeram inicialmente a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB). Mas manteve uma postura ambivalente, segundo estudo da historiadora Denise Rollemberg, professora da Universidade Federal Fluminense (UFF). Ela pesquisou atas das reuniões ordinárias e extraordinárias e do boletim do Conselho Administrativo da ABI. A conclusão é que a entidade se dividiu em posições de apoio e rejeição à ditadura. Enquanto combatia prisões e protegia jornalistas, celebrava o governo com homenagens e banquetes.
Celso Kelly, presidente da ABI em 1965, manteve diálogo direto com os militares. Em uma ata de 19 de outubro de 1965 está registrado um debate na entidade sobre a intervenção do Ministério do Trabalho no Sindicato dos Jornalistas. Kelly era a favor, mas recuou com a oposição de outros conselheiros. Meses depois, renunciaria ao cargo e assumiria a direção do Departamento Nacional de Ensino, do Ministério da Educação.
Na comemoração dos 60 anos da ABI, em abril de 1968, o presidente militar Costa e Silva recebeu homenagem na entidade, proposta pelo presidente à época, Danton Jobim. Com a mudança no comando da ditadura militar, Emílio Garrastazu Médici foi saudado em um telegrama oficial da ABI enviado por Jobim. O texto fala em coincidência de posições e aspirações e celebra a existência no país de “um autêntico sistema democrático-representativo”. Também emblemática foi a eleição de Adonias Filho, que havia apoiado o golpe e a ditadura, para presidente da instituição entre 1972 e 1974.
Pesquisa do historiador Leonardo Fetter da Silva, mestre pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), reforça que só a partir de meados dos anos 1970 membros e conselheiros da entidade passaram a ser mais coesos na resistência democrática. No aniversário da instituição em 1975, o então presidente Elmano Cruz disse que a liberdade de imprensa era um “mito” no Brasil e criticou as frequentes violações dos direitos humanos.
O presidente seguinte, Prudente de Morais Neto, condenou publicamente o assassinato do jornalista Vladimir Herzog nas dependências do DOI-CODI (Destacamento de Operações e Informações-Centro de Operações e Defesa Interna) em São Paulo, no ano de 1975. Tais posturas podem ter contribuído para a ABI virar um alvo de setores extremistas da direita pró-regime. Em 1976, o edifício-sede sofreu um atentado a bomba e todo o 7º andar foi destruído.
Na década de 1980, a ABI defendeu abertamente a campanha das “Diretas Já”, que pedia eleições diretas para a presidência da República. Em agosto de 1988, intelectuais, parlamentares e movimentos da sociedade civil se reuniram no auditório da ABI para defender o monopólio estatal do petróleo e a nacionalização das riquezas minerais. O ato foi liderado pelo então presidente Barbosa Lima Sobrinho.
O mesmo Barbosa Lima Sobrinho apresentou à Câmara dos Deputados, em Brasília, o pedido de impeachment do presidente Fernando Collor de Mello em setembro de 1992. O documento também contava com a assinatura de Marcelo Lavenère, presidente da OAB. O pedido seria aprovado, e Collor afastado do cargo.