Desde que se elegeu presidente, Lula (PT) visitou Estados Unidos, Argentina e, agora, a China. Em nenhuma das agendas antes de Pequim, no entanto, o petista havia sido tão enfático quanto ao que pretende implementar como política externa (diplomática e comercial): uma reorientação da governança global, com mais participação de países do Sul e protagonismo dos Brics, formado, além do Brasil, por Rússia, Índia, China e África do Sul.
Todos os recados emitidos pelo chefe do Executivo na última semana apontam para essa pressão por um deslocamento do centro de poder, à sombra de Estados Unidos e Europa. Daí a hipótese de uso de outra moeda que não o dólar como lastro para as transações entre os países desse bloco e os acordos bilaterais anunciados com alarde por Lula, como a sugerir que os chineses sob liderança de Xi Jinping têm muito mais a oferecer do que Joe Biden. No campo econômico, isso é parte das regras do jogo.
O presidente, no entanto, fez um movimento arriscado ao se alinhar aos interesses dos governos de Putin e Xi no que diz respeito à guerra na Ucrânia, adotando um discurso que talvez comprometa a neutralidade almejada pelo Itamaraty. Se, durante a passagem por Washington, o chefe do Executivo brasileiro não endereçou mensagens para ninguém, agora deu-se o contrário.
De maneira direta, Lula acusou os estadunidenses de incentivarem o conflito em solo europeu. Não é uma declaração trivial, embora não seja nada tão grave a ponto de gerar alguma retaliação. Mas certamente foi lida, dentro e fora do Brasil, como uma primeira cartada apresentada por Lula com o intuito de demarcar um novo patamar nas relações internacionais, repondo uma centralidade do país nesse palco que inclui ainda o Conselho de Segurança das Nações Unidas.
É possível, então, que a retórica mais arrojada assumida por Lula force uma mesa de negociações mais equilibrada entre Brasil e EUA, cuja ascendência mundial vem decaindo na esteira do progressivo crescimento de potências como os dois gigantes da Ásia.