As rimas de um cordel escrevem a história de uma jovem que encontrou nas entrelinhas de um poema, a forma de sarar as feridas causadas pelos fantasmas do passado. Rayane Fernandes, de 30 anos, tem no currículo um título de miss, uma graduação em Letras, a experiência de lecionar em uma escola estadual e, agora, a arte de cordelista.
Na canção “Tocando em Frente”, Almir Sater diz que “é preciso amor para poder pulsar/ É preciso paz para poder sorrir / é preciso chuva para florir”. É nesses versos que a jovem ter se inspira para traçar as linhas do seu próprio criar.
Rayane conta ao O POVO como surgiu a paixão pelo cordel e como escrevê-los foi uma chave para lhe ajudar a superar o bullying e uma ferramenta para contar sobre a trajetória no mundo das miss e suas particularidades.
O POVO: De onde surgiu a sua paixão pelos cordéis e o que eles significam para você?
Rayane Fernandes: Motivada pela prática da minha mãe escutar cantorias no rádio todas as manhãs e intensamente expressada como forma de compreender as dificuldades que nós duas enfrentávamos sozinhas ao longo da minha infância. Eles são a expressão máxima das minhas raízes humanas e familiares. Minha essência de amar o popular e de valorizar a simplicidade e o impacto da memória e do conhecimento pela experiência.
O POVO: Você comentou que começou a escrever cordéis aos 8 anos. Você acha que escrever cordéis lhe ajuda a manter viva a pequena Rayane que lá atrás se apaixonou pela escrita?
Rayane Fernandes: Minha mãe, Raimunda Almeida, é meu maior exemplo de vida e ela sempre ressalta que uma parte minha ainda não cresceu e diz ficar feliz por saber que sou assim, pois eu permaneço com o mesmo brilho nos olhos e entusiasmo no coração quando escrevo. Minha infância foi a etapa mais difícil da minha vida, primeiro por eu ter sofrido de uma doença que quase tira minha vida. Fiquei internada muito tempo no Hospital Albert Sabin, em Fortaleza. Depois de longo tratamento o médico disse a minha mãe que não tinha mais jeito e que era só "esperar a hora", me deu três dias de vida, mas milagrosamente, no terceiro dia eu acordei perdido "gagau" e assim surpreendi a medicina da época. E o segundo aspecto é que a minha mãe utilizava as rimas para desenvolver minha escrita, leitura, escuta e oralidade e essas coisas a gente não esquece.
O POVO: Você é professora em uma escola profissionalizante em Quixeramobim. Você acredita que a sua experiência com a educação possa ser um impulso a mais para que seu livro ganhe forma?
Rayane Fernandes: Na Escola Profissional de Quixeramobim aprendi o sentido de transformação pessoal. Sempre fui acolhida, respeitada e motivada a buscar novas possibilidades metodológicas e práticas. Sempre fui desafiada pela busca do novo. Sinto orgulho de ser da escola e tudo que aprendo lá me ajuda a acreditar nos sonhos dos outros e acreditar nos meus também. As duas realidades são interligadas, pois envolvem dedicação, resistência e comprometimento.
O POVO: Você foi Miss Eco Ceará 2019, como você conheceu o mundo miss?
Rayane Fernandes: Minha entrada no mundo miss se deu por meio da buscar pela ruptura de traumas relacionadas a minha aparência. Sofria muito preconceito na escola por ser considerada "feia" por conta do formato do rosto, altura, cabelo etc. Entrei para mostrar para outras meninas e mulheres que a beleza é um conjunto que envolve essencialmente a coragem, a dedicação e a persistência de jamais aceitarmos injustiças ou humilhações. Tenho que dizer que devo aos meus amigos da Residência Universitária da Feclesc todos os agradecimentos, pois eles foram grandes incentivadores da minha entrada nesse mundo. E não posso esquecer da figura de França Netho, pessoa que me deu oportunidade e participar de um concurso estadual levando o nome do Distrito de Boqueirão (em Boa Viagem).
O POVO: Da sua experiência com o mundo miss, o que você tirou de ensinamento?
Rayane Fernandes: Que eu não preciso de uma faixa ou coroa para provar que tenho beleza, pois infelizmente sofri duras críticas ao entrar nesse mundo e vi tudo se repetindo da minha infância. Aprendi muito e conheci pessoas lindas demais, mas tenho que dizer que mesmo caminhando com coragem, algumas feridas ficam. Mas sou grata a esse mundo por me ensinar a ser mais forte e valorizar aquilo que os olhos não podem enxergar.
O POVO: Se você pudesse voltar no tempo e falar com a Rayane de 8 anos, o que você diria a ela?
Rayane Fernandes: Escute mais os conselhos dos seus pais e torne-se aliada da sua mente. Não acredite em palavras que não são acompanhadas de atitudes. Escreva sobre tudo a sua volta. Não tenha vergonha de expressar seu pensamento ou suas ideias. Acredite no poder da sua intuição. Brinque mais e preocupe-se menos com aquilo que está no futuro. Seja feliz e saiba que a maior beleza está dentro do coração. E por fim, não tenha medo de ser sozinha, tenha medo de presenças destrutivas.