Na falta de igrejas em Limoeiro, no interior de Pernambuco, o padre Severino Guedes, 73, praticava o Catolicismo dentro de casa, com a família. Desde os 14 anos, ele dedica a vida às pastorais da juventude, pela qual tem forte apreço.
Para ele, as crianças sempre foram "as preferidas de Jesus". Um pensamento que vai na contramão da ideia de um Deus chato, antipático, briguento, que proíbe e detesta crianças.
“Na Igreja, se chora ou sorri, a mãe manda parar com uma tadinha na boca. Deve ser ao contrário, a imagem de um Deus com ternura de mãe”, revela.
Do anseio de levar a palavra de Deus de forma pluralizada, surgiu a Missa das Crianças, o maior sucesso da Paróquia Nossa Senhora da Conceição.
O POVO - Conte um pouco da sua relação com o Catolicismo. É desde a infância?
Padre Guedes - Nasci dentro do Catolicismo. Mas, dentro da realidade do interior, não tínhamos muitas missas, por conta da distância e de ter poucos padres em Limoeiro, no interior de Pernambuco. Era uma missa por mês. A gente rezava muito em casa, minha mãe tinha essa virtude de ensinar a gente a rezar. Uma relação muito pequena com a Igreja quando pequeno.
Aos 14 anos, comecei a participar de um movimento chamado “Encontro dos Irmãos” (era um momento onde 'leigos' se reuniam, especialmente à noite, para ler o Evangelho e fazer reflexões em comum), fundado pelo dom Hélder Câmara (1909–1999, padre cearense conhecido pela defesa dos Direitos Humanos; foi arcebispo emérito de Recife e Olinda). Aquilo foi me dando gosto pelo Evangelho.
Em 1972, já com 22 anos, saí para ser seminarista, embora antes já tinha um sentimento que queria ser padre, mas não sabia bem o significado.
OP - Como foi a experiência como seminarista?
Padre Guedes - Durante uma das minhas experiências de namoro — que todo jovem busca (risos) —, falei da vontade de ser padre. Certo dia, aconteceu uma missa, e eu não fui. Ela foi, e falou com o padre Tadeu (um polonês), que o namorado dela tinha vontade de ser seminarista. Foi então que ele pediu para eu ir ao encontro, onde ingressei na Congregação dos Sacerdotes do Sagrado Coração de Jesus dos padres dehonianos, no dia 11 de fevereiro de 1975, em Surubim/PE.
Tempos depois, eles me aconselharam a ir para a diocese porque viam que eu tinha um envolvimento muito grande com a juventude, e não gostava de estar nas reuniões em casa.
OP - Quando você veio para o Ceará?
Padre Guedes - Me ordenei sacerdote no bairro Messejana, em Fortaleza, na data de 19 de março de 1985, pelo bispo auxiliar dom Geraldo Nascimento.
A minha primeira paróquia foi na cidade de Guaiúba [a 39,2 km de Fortaleza], onde exerci a função de pároco por quase 17 anos. Depois, voltei para Fortaleza, desta vez, para o bairro Montese, onde fiquei por 8 anos. Em seguida, fui para o Henrique Jorge, onde permaneci 10 anos. Agora, estou no Conjunto Ceará (Paróquia Nossa Senhora da Conceição) há quase 6 anos.
Nós criamos um movimento muito grande aqui na escola Álvaro Weyne, na Nossa Senhora de Fátima. Para se ter uma ideia, antigamente, vinham quase 200 jovens. A semente foi tão bem plantada que ainda hoje os jovens daquela época, tem grupos que ainda se reúnem.
OP - Você adaptou algumas coisas da igreja, como por exemplo, a hóstia ser representada em um biscoitinho para as crianças. Isto é permitido?
Padre Guedes - Vamos explicar para não criar confusão na cabeça das pessoas (risos). Não há como transformar a hóstia no biscoitinho. Acontece o seguinte: a celebração da Santa Missa acontece dentro de tudo que a igreja manda, ninguém pode mudar nada. A Santa Missa não é um teatro, ela celebra o Mistério da Paixão e a Morte do nosso senhor Jesus Cristo.
Porém, a igreja vai se modernizando, sem fugir daquilo que o Evangelho pede que nós façamos.
Apenas na Missa das Crianças há uma interação ao final das manhãs de domingo. Depois de toda a celebração com a palavra de Deus, após a comunhão eucarística, eu convido as crianças — que são exatamente as crianças que não fizeram a primeira comunhão (mas quando eu convido, vêm todas as crianças), e tem o biscoitinho de Deus. É uma atração para as crianças se sentirem amadas, acolhidas na igreja e isso virou uma festa para elas, já faz 38 para 39 anos que eu trabalho com a Missa das Crianças (apenas como padre, como paroquista são mais), mas não tinha biscoitinho. Eu criei isto no bairro Henrique Jorge, e trouxe para o Conjunto Ceará.
Depois do biscoitinho, também criei alguns momentos de descontração, como a ideia do trenzinho. E também canto algumas músicas no presbitério, mas isso no finalzinho da missa, e no final do a benção e o povo vai embora.
Às vezes, duas vezes ao mês (para não teatrizar), colocamos um fantoche ou um palhaço — que não é para fazer palhaçada, mas para ler a Bíblia.
Se eu celebro uma missa para as crianças com a mesma linguagem que celebramos para os adultos, a criança não entende. Aí, eu explico o Evangelho para elas com encenação, usando palavras simples (lúdicas), uma linguagem própria para elas. Atendendo, também, a psicologia da criança, porque elas são mais sensíveis.
OP - O que os pais acham?
Padre Guedes - A partir das crianças, eu acabo também trazendo os pais, porque as crianças vêm e ficam chamando o pai: “Quero ir para a missa”. Os pais acabam se sentindo motivados, aí, quando vê, vai atingindo toda a família.
As crianças, nas outras igrejas, não têm esses momentos. Alguma delas tinham até medo dos padres, porque se a criança andasse, se a criança falasse, os pais batiam. Busco quebrar esta imagem do padre bravo, que representa um Deus bravo.
Na igreja, se chora ou sorri, a mãe manda parar com uma tadinha na boca. Deve ser ao contrário, a imagem de um Deus com ternura de mãe. Então, gera, na criança, muitos traumas. Optei por ser um padre presente na vida das crianças para me aproximar mais do que Jesus fazia.
Quando Jesus diz: “Vinde a mim as criancinhas, não é impensado de vir a mim”, é porque, antigamente, haviam muitos obstáculos. Não queriam deixar as crianças irem a Jesus. Os discípulos impediam.
Eu criei formas de interagir com as crianças, para que elas percebessem que Deus não é um leão bravo, que espanta as pessoas. Deus é pai, ama as crianças, assim como Jesus, que acolhia e as colocava nos braços. Eu faço a mesma coisa, com muito carinho e dedicação.
Data e hora: todo domingo, às 9 horas
Endereço: Igreja Matriz Nossa Senhora da Conceição, na avenida Ministro Albuquerque Lima, bairro Conjunto Ceará