Se no futebol a Argentina é sinônimo de afirmação e união, com a seleção nacional recém-campeã do mundo e liderando as eliminatórias para a Copa de 2030, na cancha política o país vive um cenário de incertezas e possível divisão nos próximos anos.
Prestes a assumir a presidência, o ultraliberal de direita Javier Milei encontrará um país dividido, sobretudo após uma eleição polarizada e com algumas surpresas. O peronista Sergio Massa, atual ministro da Economia, surpreendeu no primeiro turno e chegou a 44% dos votos no segundo. Embora derrotado, o peronismo mostrou que continuará sendo um ator político com musculatura e confiança no campo popular.
Milei nem assumiu e as manifestações contra ele já começaram. Com discursos de "resistência", movimentos sociais e da esquerda realizaram nesta semana o primeiro protesto contra o presidente eleito, na Praça de Maio, em Buenos Aires. Lá também estavam as Mães e Avós de Maio, tradicional movimento que luta pela memória e por justiça para filhos e netos vitimados pela ditadura argentina (1976-1983).
Os grupos repetiam palavras de ordem contra a ameaça que julgam ser a gestão Milei. Manifestações essas que são legítimas e fazem parte de qualquer democracia consolidada. É importante ressaltar, também, que Milei foi eleito democraticamente. A vitória foi reconhecida no mesmo dia por Massa e pelo atual presidente Alberto Fernández, que também se prontificou a garantir uma transição ordenada.
Ganhar ou perder é da democracia. Caberá aos opositores fiscalizar e ao novo presidente lembrar que governará para todos. No campo regional, a direita sul-americana, sobretudo a brasileira, aproveitou para tirar uma casquinha e tentar emplacar o clima de "estamos voltando", comparando o resultado na Argentina ao que ocorreu no Brasil, em 2018, e nos EUA, em 2016, quando Jair Bolsonaro e Donald Trump foram eleitos, respectivamente.
No entanto, a comparação não é tão simplória ou mesmo automática. A Argentina, como disse o ex-presidente uruguaio Pepe Mujica, é "uma coisa indecifrável". Ao chegar ao poder, Milei enfrentará uma realidade particular aos governantes, com benefícios, mas também limitações que a política impõe a quem está no comando.