O ministro das Relações Institucionais, Alexandre Padilha, afirmou nesta sexta-feira, 14, que o governo Luiz Inácio Lula da Silva não apoiará nenhuma mudança na legislação atual em relação à temática do aborto, "principalmente" o projeto de lei que equipara a prática realizada após 22 semanas de gestação ao crime de homicídio. A posição é anunciada 48 horas após o governo deixar o chamado PL do Aborto passar sem definir votação contrária de sua bancária - PSOL, PT e PC do B registraram voto contrário.
O projeto que trata do aborto após 22 semanas teve urgência para análise aprovada nesta semana na Câmara, em uma análise que durou 5 segundos. Hoje, o decreto-lei de 1940 em vigor que regula o aborto legal no País estabelece que é permitido em caso de estupro, anencefalia do feto (por decisão do STF) e risco de vida à mulher.
O projeto foi proposto pelo deputado Sóstenes Cavalcante (PL-RJ), uma das principais lideranças da Frente Parlamentar Evangélica, e considera que o fato de a lei não prever "limites gestacionais ao aborto" não significa que os legisladores que promulgaram o Código Penal tenham querido "estender a prática até o nono mês de gestação". Alguns políticos, porém, já falam em limitar a discussão ao procedimento de assistolia fetal - essencial em casos de aborto após 22 semanas, mas alvo de resolução contrária do Conselho Federal de Medicina (STF), suspensa liminarmente pelo STF.
Dos deputados que assinam a proposta, 11 são mulheres. Da bancada cearense na Câmara, apenas Dayany Bittencourt (União Brasil-CE) está entre as signatárias da proposta. Ela é casada com Capitão Wagner (União Brasil), ex-deputado federal e pré-candidato à Prefeitura de Fortaleza.
O que diz o governo
Questionado se haverá um esforço do governo para barrar a votação do projeto, Padilha disse que "não só do conjunto do governo, como dos vários líderes". Nos bastidores, como mostrou o Estadão, os líderes do governo se concentravam em postergar a votação até o recesso parlamentar ou as eleições deste ano - o governo e a maioria dos partidos aliados não se pronunciaram durante a apreciação do regime de urgência para o projeto.
"O governo é contrário a fazer qualquer mudança na legislação atual sobre esse tema, ainda mais um projeto que estabelece que meninas e mulheres estupradas vão ter uma pena que é o dobro da do estuprador", afirmou Padilha, ao Broadcast Político, serviço de notícias online do Estadão. "Então, não conte com o governo em relação a isso."
A manifestação de Padilha ocorrer após a primeira-dama Rosângela da Silva, a Janja, afirmar que o projeto de lei "ataca a dignidade das mulheres e meninas". "É um absurdo e retrocede em nossos direitos", escreveu no X (antigo Twitter). "É preocupante para nós, como sociedade, a tramitação desse projeto sem a devida discussão nas comissões temáticas da Câmara."
Para Janja, os propositores do texto "parecem desconhecer as batalhas que mulheres, meninas e suas famílias enfrentam para exercer seu direito ao aborto legal e seguro". Anteontem, houve protestos contra o projeto no Rio de Janeiro e em São Paulo.
Uma posição mais enfática do governo deve ser divulgada na segunda-feira, quando Lula fará uma reunião com os líderes. Nos bastidores, a avaliação é de que "o fator Janja" pesou na mudança de posição. Quem também se posicionou foi a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, que reafirmou ser "contra o aborto", mas considerou que a proposta em análise traz "a instrumentalização de um tema complexo".
O que diz o STF
"A matéria está em debate no Congresso, que é o lugar certo para debater grandes temas. Se e quando chegar ao Supremo, eu vou me manifestar", afirmou o presidente da Corte, Luís Roberto Barroso, em um evento em João Pessoa (PB).
Pela proposta, a pena para a mulher que interromper uma gestação com mais de 22 semanas será de 6 a 20 anos de prisão. Hoje a pena para estupro é de 6 a 10 anos de prisão, ampliada para até 12 anos, caso o crime envolva violência grave.