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Dois dedos de prosa: Cássio Abreu, a jornada de empreender com autenticidade
Farol

Dois dedos de prosa: Cássio Abreu, a jornada de empreender com autenticidade

Empreendedor, o barbeiro ressignificou as experiências que teve e decidiu montar um espaço acolhedor para o público LGBTQIA+ em Fortaleza
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FORTALEZA-CE, BRASIL, 17.05.2025: Cassio Abreu, proprietário da Barbearia Quintura, Messejana. Barbearias em Fortaleza. (Foto: Fabio Lima/ OPOVO) (Foto: FÁBIO LIMA)
Foto: FÁBIO LIMA FORTALEZA-CE, BRASIL, 17.05.2025: Cassio Abreu, proprietário da Barbearia Quintura, Messejana. Barbearias em Fortaleza. (Foto: Fabio Lima/ OPOVO)

Cássio Abreu, barbeiro e proprietário, compartilha a jornada de empreender com autenticidade, construindo uma barbearia que é refúgio e comunidade para o público LGBTQIA+ em Fortaleza. Em 2017, quando estava morando em São Paulo, Cássio conta que enfrentou dificuldades para conseguir trabalho em barbearias, já que era iniciante e só cortava cabelo dos amigos, além do tempo restrito.

As vagas tinham outra questão: tinham um ambiente hostil, que não abraçava, e sim afastava grupos sociais. De volta à Fortaleza, ele decidiu prestar serviço para um público alternativo. Foi em identidades não-normativas que ele achou não só um nicho de mercado, como também um senso de comunidade.

O POVO: Como foi essa história de entrar na profissão de barbeiro, de fazer o curso, ir para São Paulo. Como começou tua história com essa profissão?

Cássio Abreu: O rolê da barbearia foi muito por acaso. Eu achava muito massa, mas, antigamente, eu via como um ambiente muito masculino. E aí eu pensava: ou era dos gays ou era dos velhos. Mesmo assim, sempre admirei. Lembro que na frente da minha casa tinha um cara que cortava cabelo, e eu ficava só olhando ele cortar.

Com o tempo, quando eu tinha uns 23 anos, eu senti que precisava de uma profissão. Já tinha feito várias coisas: trabalhei como assistente administrativo, com vendas, vendi arte na Praia de Iracema... Foi legal, mas também bem sofrido.

Um dia surgiu um curso de barbeiro no bairro São Bernardo. Era um curso simples, de bairro mesmo, ensinando o básico, como pegar na máquina. Foi difícil conseguir vaga, mas deu certo. O curso durou uns três meses, todo dia à tarde. Eu tinha uma máquina de fio bem sofrida, custou uns R$ 50. Fui chamando meus amigos, e a gente saía na rua procurando “cobaias” para cortar cabelo. Comecei cortando cabelo dos amigos, cobrando R$ 15. Bem baratinho. Mas foi aí que me apaixonei de verdade pela profissão. Eu pensei: “Bicha, é isso mesmo que eu quero!”

Na época, eu queria fazer a cirurgia de mastectomia. Criei uma vaquinha online para isso. Foi aí que recebi um convite para ir para São Paulo. Fui, mas lá, inicialmente, não trabalhei com barbearia.

OP: Isso foi quando?

Cássio: Em 2017. Cheguei em São Paulo e fiquei procurando barbearias, mas ninguém queria me contratar. Eu era iniciante, só cortava cabelo dos amigos, e também só tinha o domingo livre. Acabou que não consegui nada.

Comecei a cortar o cabelo de pessoas em situação de rua. Passei um bom tempo nisso. Foi quando ganhei mais experiência, porque era muita gente para cortar. Consegui até um trabalho voluntário num lugar chamado Chá do Padre, que era uma igreja. Eu ia lá todo dia, a pé, dava uns três quilômetros. Chegava, passava o gel, cortava muito cabelo, e voltava. Foi uma fase muito legal.

Depois disso, decidi voltar para Fortaleza e consegui uma vaga numa barbearia. Na verdade, trabalhei antes numa outra aqui — e foi péssimo. A experiência foi horrível.

Cheguei lá sem nunca ter trabalhado em barbearia de verdade, e o dono me deu uma chance, o que foi ótimo para aprender. Mas o ambiente era super hostil. Passavam o dia falando mal de mulher, de LGBT... era um lugar muito ruim de se estar. Por isso, da próxima vez que voltei para Fortaleza, ele até me chamou para voltar, mas eu disse “jamais”.

OP: Quando teve a ideia do negócio, já pensou naquele teu público-alvo queer?

Cássio: Com certeza. Quando eu decidi que queria montar a barbearia, eu precisei muito da ajuda de amigos que já tinham marca, já tinham negócio. E eles sempre diziam: “Amigo, a primeira coisa que você precisa definir é seu público-alvo e o nome do lugar.”

O nome tem que ter identidade com quem você quer alcançar. E eu falei: “Eu quero trabalhar com LGBT e com o povo alternativo.” Não queria atender homem padrão, homem hétero... Não era esse o perfil. E mesmo que eu quisesse, não ia rolar, porque as pessoas se identificam com quem presta o serviço. Meus clientes se identificam comigo, com o espaço, com a proposta. Eu pensei: “Quero atender pessoas com tal idade, de tais lugares.” E foi isso.

OP: E essas pessoas, teu público, tem essa identificação contigo também fora do serviço? São pessoas que frequentariam os mesmos lugares que você?

Cássio: Exatamente. Quando eu pensei nesse público, imaginei: “Eles vão andar em tal lugar, ouvir tal música, vestir tal roupa...” É o mesmo público dos meus amigos que têm marcas, é gente parecida com a gente.

Um amigo meu até disse que foi muito fácil criar a identidade visual daqui, porque tudo é baseado em coisas que a gente se identifica. Então é isso: o público ao meu redor, com quem eu tenho assunto, com quem eu sairia, que entende o que é esse espaço.

OP: É um movimento de descentralizar, né?

Cássio: Exatamente. A Quintura nasceu dessa necessidade de ter um espaço diferente. Eu comecei na área enfrentando muitos desafios, como iniciante, e via de perto o quanto o ambiente de muitas barbearias podia ser hostil, principalmente para quem tá fora do padrão.

A Quintura é o oposto disso. A gente construiu um lugar onde todo mundo se sinta bem-vindo, sem se sentir deslocado. Nosso espaço tem um estilo minimalista, mas, ao mesmo tempo, descontraído. E o mais importante nem é só a estética, é o clima.

A gente faz questão de manter um ambiente leve, onde a conversa flui. Aqui não tem aquele padrão de masculinidade tóxica. O corte de cabelo é só parte da experiência — o mais importante é a pessoa sair daqui se sentindo bem com ela mesma, do jeito que ela é.

A ideia é simples: transformar o que poderia ser só mais uma barbearia num lugar de encontro e expressão. E esse retorno vem de forma muito bonita. Tem muita gente que antes evitava barbearias e hoje volta a se cuidar, com mais segurança, sabendo que aqui não precisa performar nada — é só ser você.

 

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