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O duro tripé da dependência: sujeito, contexto e substância
Farol

O duro tripé da dependência: sujeito, contexto e substância

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Tipo Notícia

No Brasil, o Observatório Brasileiro de Informações sobre Drogas (OBID) destacou que 9,9% da população adulta — 16,8 milhões — já experimentou drogas ilícitas, sendo a maconha a mais consumida (8,8%), seguida por cocaína (3,1%) e crack/similares (0,9%).

Além disso, a mortalidade por overdose cresceu 44% na última década, com 8.700 registros em 2023, e o álcool segue como a droga lícita que mais afeta os brasileiros, com 55,5% (uso no último ano), e 18% relatando uso abusivo.

Já o III Levantamento Nacional de Álcool e Drogas (Lenad III) mostrou que 11,4 milhões de brasileiros, a partir de 14 anos, já usaram cocaína ou crack alguma vez na vida. Isso representa 6,6% da população, ou seja, um aumento estatisticamente significativo, já que, em 2012, a taxa era de 4,43%.

Segundo Karin Di, que também atua em diversos projetos na Cracolândia, em São Paulo, que já foi coordenadora e hoje apenas colabora com o núcleo de ensino e pesquisa do Centro de Convivência É de Lei, a oferta e o estímulo ao consumo também contribuem para o uso de drogas.

"A indústria do álcool é extremamente poderosa e associa o lazer ao consumo de bebidas. Essa pressão para o consumo pode desviar a atenção de problemas sociais maiores, como as condições de trabalho. Em vez de lutar por melhores condições, as pessoas podem buscar alívio imediato nas substâncias", enxerga.

Ela explica que o consumo de drogas não se resume ao poder dela em si, mas é o resultado de um tripé: o sujeito, o contexto e a substância. "Precisamos olhar para a interação entre esses três elementos. A cocaína, por exemplo, é usada tanto por executivos para aumentar a produtividade quanto por pessoas em situação de vulnerabilidade. Muitas pessoas na Cracolândia nunca haviam usado crack antes de irem para a rua", afirma.

Karin lembra que o estigma do usuário é um fator crucial, já que pessoas pretas, pobres e periféricas que se envolvem com drogas enfrentam riscos muito maiores. Ou seja, esse grupo está mais suscetível à rua.

"Na Cracolândia aprendi a importância da escuta. Pessoas que conseguem sair de lá muitas vezes relatam que foi porque alguém as viu e as escutou. A vergonha, o mau cheiro ou o fato de estarem sob o efeito de alguma substância as impedem de buscar ajuda, ou de alguém se aproximar para tal", diz.

O trabalho da pesquisadora é no foco da redução de danos, que abrange diversas estratégias para diminuir os riscos e as consequências do uso de substâncias. Isso inclui a interação entre pares e prevenir violências, como assédios e roubos, que podem ocorrer quando a pessoa está sob o efeito de alguma droga.

Segundo ela, o primeiro passo é na informação verdadeira, real e baseada em evidências.

"É um problema complexo que não pode ser centrado apenas na droga. Ela em si não tem o poder de levar alguém à morte ou à rua", finaliza.

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