Uma pesquisa desenvolvida no Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Federal do Ceará (UFC) conquistou reconhecimento internacional por sua originalidade e contribuição científica à compreensão das transformações digitais no Brasil.
A tese “Estatísticas oficiais e capitalismo de plataforma: a transição para um regime de dataficação no Brasil”, de autoria do pesquisador Oscar Arruda d’Alva, de 50 anos, foi eleita a melhor tese em língua portuguesa pela Association of Internet Researchers (AoIR 2025), que pela primeira vez está acolhendo trabalhos acadêmicos em português.
Produzida durante o doutorado em Sociologia na UFC, a tese de Oscar Arruda contribui para o debate sobre a autonomia dos órgãos estatais diante das grandes corporações de tecnologia.
O POVO - Como a pesquisa foi desenvolvida?
Oscar Arruda - Foi uma pesquisa que eu desenvolvi ao longo de quatro anos, de 2019 a 2023, com dedicação exclusiva. A tese trata do que eu chamo de processo de “dataficação das estatísticas oficiais”. Eu analiso como as estatísticas públicas, que sempre foram produzidas pelo Estado, passam a ser influenciadas por novas tecnologias e novas fontes de dados, como dados de telefonia, redes sociais e sensores que tradicionalmente não eram utilizados pelo Estado, mas que agora entram no jogo, muitas vezes pelas mãos de grandes corporações privadas, como Google, Microsoft. No plano mais empírico, eu investiguei o IBGE, especialmente um projeto implantado a partir de 2021, de uso de big data para estatísticas oficiais. Também analisei um projeto da ONU, que criou uma plataforma global pra isso, e como as empresas privadas têm se inserido nesse processo, tentando criar mercados em cima de algo que sempre foi público.
O POVO - Como surgiu a vontade de falar sobre esse tema?
Oscar Arruda - Bom, eu sou analista do IBGE desde 2010, entrei por concurso, aqui no Ceará. Tenho 15 anos de atuação lá, e já trabalhei com censo, pesquisas econômicas, base territorial, e atualmente coordeno a PNAD. Então, eu conheço bem o processo de produção das estatísticas públicas. E aí, com o tempo, fui observando o surgimento de novas tecnologias, novos dados, e como as empresas privadas começaram a se aproximar muito desse setor. Isso me chamou atenção e me despertou essa inquietação. Quando tive a oportunidade de tirar a licença pra o doutorado, achei que era o momento ideal pra investigar esse fenômeno mais a fundo.
O POVO - Como foi receber a notícia da premiação?
Oscar Arruda - Ah, foi uma surpresa muito boa. A minha tese já tinha sido indicada pelo Programa de Pós-Graduação em Sociologia da UFC pro Prêmio Capes e para o Prêmio da Anpocs, e meu orientador também enviou para essa associação internacional, a AoIR, que é muito respeitada no campo dos estudos de internet e dados. E aí, como esse ano o congresso da AoIR vai ser aqui no Brasil, em Niterói, eles abriram uma categoria para trabalhos em português, e a minha tese foi premiada como a melhor tese nessa categoria. Fiquei muito feliz, claro. Eu, meu orientador, o pessoal do programa… é um reconhecimento importante pro nosso trabalho e também pro programa de sociologia da UFC.
O POVO - Quais os próximos passos e aprofundamento da sua pesquisa?
Oscar Arruda - Como é um tema muito recente, a ideia agora é dar visibilidade a esse debate. A tese foi premiada, vai ter uma placa, uma premiação em dinheiro, e também um recurso para apoiar a publicação.
O POVO - Qual a importância da produção de estatísticas oficiais para a sociedade?
Oscar Arruda - As estatísticas oficiais são fundamentais. Elas orientam a ação dos governos, são base para políticas públicas, ajudam na tomada de decisões da sociedade como um todo. Quando essas informações começam a ser influenciadas por interesses privados, a gente precisa parar e refletir sobre os impactos disso.
O POVO - Quando ocorrerá a premiação?
Oscar Arruda - A entrega vai ser em outubro, entre os dias 15 e 18, durante o congresso anual da AoIR, que este ano vai acontecer no Brasil, em Niterói, no Rio de Janeiro. A premiação vai ocorrer entre esses dias, mas estarei lá.