Antes de ser aprovado como o delegado mais jovem da história da Polícia Federal, João Victor Moreira Correa planejava seguir a Medicina. Durante a adolescência em Miami, atuou em um hospital com esse propósito, mas foi a amizade com um colega francês que o fez despertar para novos horizontes.
As conversas sobre idiomas e o contato com outras culturas o levaram a desenvolver o francês e a iniciar o aprendizado de outras línguas, acendendo nele a vontade de seguir a diplomacia. Pouco tempo depois, já de volta ao Brasil, descobriu no Direito e no serviço público a verdadeira missão de sua vida.
Aos 22 anos, enquanto aguarda a posse prevista para 2026, o cearense acumula outros títulos: ingressou em primeiro lugar no vestibular de Direito da Universidade de Fortaleza (Unifor) aos 16 anos; antes de concluir a graduação, foi aprovado no exame da seccional cearense da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-CE) e se formou aos 21. No ano seguinte, passou em um dos concursos mais concorridos do País.
O POVO - Me conta tua trajetória. Você sempre quis cursar Direito?
João Moreira - Sou natural de Fortaleza, mas ainda muito jovem me mudei para Washington, capital dos Estados Unidos, onde morei por pouco mais de três anos. Em seguida, vivi um período em Porto Alegre, fase em que enfrentei bastante dificuldade no aprendizado do português. Com dedicação e apoio, consegui aprimorar o idioma. Depois, retornei a Fortaleza, onde permaneci até a adolescência.
Aos 16 anos, fui morar em Miami, onde joguei basquete e conquistei a aprovação no STEM Program, um dos programas mais seletivos do Ensino Médio norte-americano. Realizei ali o primeiro ano do Ensino Médio, conciliando os estudos com o trabalho diário em um hospital chamado Mercy Hospital, já que, na época, meu objetivo era ser médico.
Nesse período, fiz um grande amigo francês, e nas conversas com ele nasceu meu interesse em aprender idiomas. Desenvolvi o francês até o nível B2, posteriormente aprendi espanhol e iniciei o estudo de outras línguas. Essa experiência foi determinante para que também surgisse em mim o desejo de seguir a carreira diplomática.
No entanto, após retornar ao Brasil, percebi, em cerca de seis meses, que minha verdadeira vocação estava no Direito, mais especificamente, no serviço público, o que me levou a ingressar na faculdade de Direito. Meus pais sempre apoiaram muito.
Ao observar de forma mais crítica o contexto social brasileiro, percebi que poderia contribuir de maneira mais direta para meu País. Ainda na infância, costumava brincar sobre seguir a carreira policial, e esse desejo adormecido ressurgiu em mim. Ele se somou ao meu interesse crescente pelo mundo jurídico, o que me motivou a trilhar esse caminho.
OP - Como era sua rotina de estudos?
João - Fiz o meu ensino fundamental no Colégio Santa Cecília, local que além de agregar em conhecimento, auxiliou na formação do meu caráter. Na época da aprovação em Direito, eu estudava no Colégio Ari de Sá, na turma olímpica. Minha rotina começava pela manhã e se estendia até a noite dentro do colégio. Apesar da carga intensa, nunca deixei de lado a prática de atividade física, que sempre considerei um escape essencial para equilibrar meus estudos.
OP - Muita gente vê a aprovação na OAB como um dos maiores desafios para quem está no curso de Direito. Como você conseguiu se preparar para essa prova antes mesmo de concluir a graduação?
João - Pouco antes da abertura das inscrições, ainda não havia decidido se faria a prova. Porém, por sempre ter buscado me aprofundar nas diversas disciplinas do curso de Direito, resolvi encarar o desafio. Tive cerca de 30 dias para me preparar, período em que estava de férias, e estabeleci como meta estudar pelo menos oito horas por dia. Evitei ao máximo sair de casa e mantive o foco.
Lembro de um episódio marcante: fui assistir a um jogo do Fortaleza, time do qual sou torcedor, acompanhado do meu pai e do meu irmão mais velho. Durante a partida, enquanto todos se divertiam, eu estava com fones de ouvido, acompanhando um podcast sobre os possíveis conteúdos da prova.
Fiz a segunda fase em Direito Penal, área em que hoje sou pós-graduado, e o resultado positivo veio. Vale destacar que o índice de aprovação naquela edição foi de apenas 28,87%, bem abaixo da média histórica de 45%.
OP - O concurso de delegado da PF é considerado um dos mais difíceis do País. Como você assimila isso? Nessa etapa, a sua rotina de estudos mudou?
João - Sempre encarei o concurso de delegado da PF como um dos mais difíceis. Isso me trouxe humildade para reconhecer que exigiria muito esforço e muita abdicação. Foram inúmeras noites mal dormidas, várias saídas com amigos das quais precisei abrir mão, mas eu tinha um objetivo muito claro.
Quando saiu o concurso para delegado do Ceará, em fevereiro, cheguei a ter medo do edital ao ver a quantidade de matérias, mas aprendi a enxergar a trajetória como um processo de dia após dia. No fim, sabia que cada dia de dedicação somaria para a aprovação.
Naquele período, eu trabalhava cerca de oito horas por dia e ainda estudava mais seis, tentando conciliar com os treinos. Era uma rotina muito cansativa. Em abril, deixei o escritório do doutor Ricardo Valente, que depois se tornou um grande amigo, e passei a me dedicar exclusivamente aos estudos, chegando a uma média de 12 horas diárias. Fiquei muito próximo da aprovação, mas ainda não foi naquela prova.
Pouco tempo depois, saiu o edital para delegado da PF, que sempre foi meu grande sonho, embora parecesse distante. Eu sabia que precisava de dedicação total. Foram dois meses de estudo integral, entre 10 e 13 horas por dia, revisando resumos, resolvendo inúmeras questões e utilizando flashcards para memorizar. No final de julho, fiz a prova e, dessa vez, a tão sonhada aprovação chegou.
OP - Você é o mais jovem a passar no cargo de delegado da PF no Brasil. O que isso significa para você?
Ser aprovado no cargo como o mais jovem delegado da PF é a concretização de um sonho que venho perseguindo há anos. Representa o resultado de muita dedicação, foco e sacrifício, mas também reforça a importância de acreditar nos próprios objetivos, mesmo quando parecem distantes.
Sempre tive como um sonho trazer orgulho para minha família, e o mais especial foi ver que o orgulho que eles sentiram por mim convergiu com os meus próprios sonhos. Eles sempre me apoiaram em todas as minhas escolhas, e poder contar com o suporte deles tornou tudo possível.
Além da família, tive a sorte de ter uma grande companheira ao meu lado, que esteve presente nos momentos mais desafiadores, junto com meus amigos próximos. Isso mostra o quanto é fundamental ter pessoas de confiança por perto. De verdade, espero que meu exemplo sirva para qualquer jovem brasileiro que tenha um sonho, mas às vezes o veja distante ou até impossível. Com foco, disciplina e apoio, é possível transformar o impossível em realidade.
OP - Ao longo dessa caminhada, você enfrentou pressões ou desconfianças pelo fato de ser muito jovem? Como lidou com isso? Se ainda não te ocorreu, acredita que pode ser, em algum momento, questionado? Como encarar isso?
João Moreira - Com certeza, enfrentei pressões desde cedo. Entrei na faculdade aos 16 anos, sendo o mais jovem da turma e rodeado de colegas mais velhos. Ainda acelerei o curso durante a graduação, o que trouxe desafios adicionais. Meu primeiro trabalho em escritório, aos 17 anos, e depois como estagiário na Defensoria Pública, foram experiências que me ensinaram muito.
Ao longo do caminho, aprendi que a pressão faz parte do processo. Em vez de me abater, procurei focar nas oportunidades que surgiam e no que eu podia aprender em cada situação. Claro que há momentos difíceis, mas essas experiências me ajudaram a ganhar confiança e maturidade, mostrando que, com dedicação, é possível enfrentar ambientes em que se é mais jovem e menos experiente.
OP - Entrando na PF, quais são os seus principais objetivos como delegado? Já tem uma área de interesse dentro da corporação?
João - Hoje, meu objetivo ao entrar na instituição é realmente fazer a diferença no dia a dia, ainda mais atuando em uma área que sempre sonhei. Admiro muito a diversidade de atuação da PF, mas tenho um interesse especial nas investigações que envolvem crianças e, principalmente, os crimes disseminados na internet.
Infelizmente, o Brasil lidera índices extremamente preocupantes nesse sentido. Na minha visão, um País que não consegue proteger suas crianças, que muitas vezes são vítimas de atentados e (outras) diversas formas de violência, compromete o próprio futuro, já que elas representam exatamente o futuro da nação.
OP - Como você enxerga o papel da PF no atual cenário do Brasil, especialmente diante de tantos desafios envolvendo segurança pública, combate à corrupção e crimes digitais?
João - A PF é essencial para o Brasil, pois atua em áreas que realmente fazem diferença na vida das pessoas, desde o combate à corrupção e a crimes complexos até a proteção de crianças e o enfrentamento dos crimes digitais, que infelizmente crescem a cada dia.
Entrar na PF significa poder contribuir de forma concreta, ver que o trabalho feito impacta de verdade a sociedade. É uma grande responsabilidade, mas também uma oportunidade de transformar realidades, garantir justiça e proteger quem mais precisa. Fazer parte disso é não apenas um sonho, mas a chance de realmente deixar um legado positivo.
OP - Pensa em continuar investindo em novos concursos, na magistratura, ou seu projeto de vida está consolidado na carreira de delegado da PF?
João - Desde o início dos meus estudos, sempre tive como objetivo ser delegado da PF, mas também considerei, em conjunto, a carreira de Procurador da República, que atua no Ministério Público Federal (MPF), uma instituição que age como custos legis, em defesa da lei e da sociedade. Hoje, ainda penso na possibilidade da magistratura federal.
Independentemente de onde eu estiver, uma função que sempre quis exercer é o magistério: poder compartilhar todo o conhecimento que adquiri ao longo desses anos e todo o que ainda vou adquirir no futuro. No momento, meu foco está totalmente na PF, mas meu desejo de ensinar e contribuir para formar pessoas continuará presente em qualquer caminho que eu seguir.